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Desastre de Mariana: uma nova demanda para a Valoração Ambiental, artigo de Flávia Damaceno

 

tragédia de Mariana
IMAGEM: Antonio Cruz/Agência Brasil

 

 

Desastre de Mariana: uma nova demanda para a Valoração Ambiental, artigo de Flávia Damaceno

[EcoDebate] Em novembro de 2015 o Brasil e o mundo assistiram o rompimento da barragem de um reservatório das atividades mineradoras da Samarco, no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), ocasião que liberou cerca de 50 milhões de m3 de rejeito contendo metais tóxicos e caracterizou um desastre ambiental considerado o maior já ocorrido no país. Sob responsabilidade das Samarco, Vale e BHP Billiton, houve devastação de ambientes e áreas residenciais, e contaminação do Rio Doce pela lama de rejeitos até sua foz. Os empenhos de penalização e remediação de danos causados em um nível e velocidade até então não vistos no Brasil, incluem o uso de Valoração Ambiental e evidenciam suas deficiências nessa dimensão.

O desastre de Mariana tem caráter tão impactante que faz trazer à tona as dificuldades e limitações do que significa valorar ambientalmente. Valoração ambiental, entendida como a tentativa de estimar custos sociais pelo uso dos recursos naturais, apresenta abstrações que podem ser pontos fracos em função da controvérsia do que é o valor intrínseco de algo, e de como esse valor pode ser traduzido monetariamente. A aplicação de tal conceito ao rompimento da barragem em Mariana envolve atribuir às estimativas um alcance à série de adversidades associadas ao caso.

As estimativas de valoração ambiental implicam noções para mensurar prejuízos e determinar ações de recuperação.

O passivo ambiental da Samarco Mineradora SA. torna necessário desprender de vários métodos de valoração para compor uma estimativa final de multa, e medidas que a empresa deve realizar, haja vista sua complexidade. Aferir danos severos como a destruição de ecossistemas, mortes à biodiversidade, incluindo 19 ocorrências na população humana, contaminação de corpos d’água, fauna e flora, e a contribuição que tamanha alteração na paisagem pode incutir às mudanças climáticas, demanda esforços conjuntos dentro do campo da economia ambiental.

Tanto valores diretos (função de demanda) quanto indiretos (função de produção) são instrumentos que tratam de possibilitar uma composição de preço, bem como o Método de Valoração Contingente (MVC), que diz respeito a propor medidas de impacto ao bem-estar traduzidas economicamente, de acordo com percepções de indivíduos. Todavia, como aplicar essas metodologias tange a discussão de estabelecer uma linguagem monetária sob a qual se possa examinar e conceber o meio ambiente, os valores serão por natureza subestimados. Quanto menor a proporção de um impacto melhores as estimativas da valoração, e não por acaso, um desastre reconhecido como o maior do Brasil resultaria em deduções mais vagas.

Usar da ferramenta do MCV requer levar em conta o nível de escolarização, a consciência ambiental, o poder aquisitivo e, no caso em questão, até a possibilidade de trabalho para as pessoas. Mesmo com esse método somado a outras formas de valoração, tem-se como resultado um valor que dificilmente denotaria todas as perdas e consequências geradas a partir do desastre, distante da multa cabível e representativa e das medidas necessárias de responsabilidade da Samarco. Além do mais, soma-se a esse quadro o fator de desvio das
punições por negociações à poluidora, já há dois anos e meio após o rompimento da barragem, o que é uma afronta ao ambiente e a todas as pessoas afetadas até hoje pela tragédia.

De todos os tipos de custos que podem ser considerados, por exemplo, o custo de oportunidade, que seria o prejuízo da Samarco com o que deixaria de lucrar para investir na manutenção da barragem a fim de evitar tal desastre, nenhum elabora considerações suficientes acerca de todos os aspectos envolvidos com o desastre, não atingindo o valor de existência dos ecossistemas na extensão por onde a lama se propagou, até o município de Regência (ES) e o oceano, nem abrangendo o valor cultural para as comunidades residentes ao redor do Rio Doce.

O IBAMA apontou multa de 250 milhões de reais pelo impacto à biodiversidade e pelos dejetos despejados no rio. Só nesses dois quesitos já seriam 250 milhões. Ao considerar a complexa teia que o desastre afeta, sócio e ambientalmente, inclusive no que representou para os trabalhadores da Samarco em Mariana com a não segurança de seus empregos, e ainda no que o fechamento da mineradora significaria para a cidade, sob um cenário de “monopólio trabalhista e econômico”, esse valor seria de longe superado.

No aspecto da saúde humana, apenas, é impossível mensurar o quanto a Samarco deve pagar pelas mortes que ocorreram e pelas condições sob as quais as pessoas viveram e vivem até hoje, o que se aproxima da ideia de precificar a vida. Nesse sentido, a saída a um débito justo para com as pessoas impactadas seria, no mínimo, uma remuneração vitalícia paga pela mineradora.

Dada a gravidade do desastre, e a negligência da mineradora ao ignorar um laudo técnico que já acusava necessidade de manutenção da barragem, fato que não permite nomear o ocorrido como acidente, a Samarco deveria considerar-se falida. Os métodos econômicos sobre o meio ambiente não dão conta de solucionar com precisão um caso de tamanha grandeza, que envolvem riscos e encadeamentos futuros desconhecidos. Não se pode prever com certeza um valor sobre consequências que ainda serão sentidas, se para os efeitos já vivenciados pela população nos locais diretamente atingidos já é um desafio calcular impactos sobre, por exemplo, a saúde e a qualidade de vida das pessoas de modo integrado.

A penalização da Samarco é necessária para esforços de amenizar impactos, e uma intervenção na gestão da empresa deveria redirecionar sua forma de trabalho, extinguindo a possibilidade de uma catástrofe não natural tal como a ocorrida. Assim, mesmo que insuficiente para dizer qual o valor do desastre em sua totalidade, a valoração deve orientar a composição de preços de multas sobre questões prioritárias, como a garantia de proteção às comunidades, em especial as indígenas, e direitos como saúde, acesso à água potável e saneamento básico, educação, segurança alimentar, entre outros, e o investimento e financiamento de pesquisas sobre a recuperação de um cenário ambiental pós desastre nessa escala, com foco em traçar planos de ações com esse fim (recuperar) e viabilizar sua implantação.

A Valoração Ambiental evoluiu ao longo dos anos e de sua construção como parte de uma ciência econômica, e se faz valer como uma das ferramentas fundamentais para a execução da legislação ambiental, por meio da qual se definem acordos legais e são estabelecidas as diretrizes a serem seguidas em todo o leque da exploração dos recursos naturais. A deliberação de ações necessárias e de penalizações é fruto de valorar ambientalmente, e um desastre de feitio como o de Mariana cria uma nova demanda para o entendimento da Valoração Ambiental, apontando a emergência de avanços técnicos e científicos para melhoria constante dos métodos utilizados, e para contribuição à eficácia da lei, uma carência brasileira.

Flávia Damaceno
Graduanda em Ciências Ambientais
Unifesp Diadema

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394

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