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O trabalho do futuro e a alienação do presente, artigo de Maria Inês Vasconcelos

 

A indústria 4.0 é também conhecida como a quarta revolução industrial -Arquivo - Agência Brasil
A indústria 4.0 é também conhecida como a quarta revolução industrial -Arquivo – Agência Brasil

 

[Ecodebate] O trabalho mudou de cara, está cheio de novos fetiches. Do skate à piscina de bolinhas, das divisórias de vidro aos sistemas de avaliação, que permitem ao funcionário avaliar o chefe e vice versa, além do excesso de expressões americanas que foram importadas para a plataforma de labor, como team leader, feed back, costumers, entre outras. Tudo isso mostra que o trabalho adquiriu nova morfologia.

De fato, estamos assistindo uma verdadeira revolução industrial, que tem em seu bojo a própria revolução tecnológica. Tudo acontece a passos tão largos e rápidos que mal conseguimos entender o que está se passando.

Só para se ter a ideia da dimensão desse fenômeno, espera-se que, em menos de 10 anos, cerca de vinte novas profissões surgirão. Nossos filhos vão trabalhar num cenário que é completamente diferente do atual. Por isso, refletir sobre o modo de educá-los e prepará-los é importante, afinal são eles que lutarão no mercado, sempre competitivo, por novas oportunidades de trabalho.

A tecnologia possibilita análises inimagináveis, de alguma forma, tudo vai estar ligado a ela. O direito, a engenharia, a medicina, a construção civil. Tudo. Até a arte será feita com tecnologia. Eis que os novos “Michelangelos” e “Rafaeis”, já esculpem, hoje, a partir de matrizes projetadas em sistemas super complexos. Nada mais é empírico.

O trabalho não vai acabar, mas vai mudar. A equipe da Cognizant, uma das maiores empresas de tecnologia de informação do mundo, se baseou em macro tendências atuais em diversas áreas, como meio ambiente, migração, biotecnologia e demografia, para criar possibilidades. Todas as profissões atuais serão readequadas, ou customizadas para estar em harmonia com a revolução tecnológica. Não é só o processo judicial que será digital, mas todas as audiências serão feitas por teleconferência. O coach será digital, as consultas médicas serão digitais e haverá, nas empresas, gestores responsáveis por integrar máquinas e pessoas. Robôs trabalharão ao nosso lado e compartilharão o mesmo espaço físico. A agronomia sofrerá enorme interferência da tecnologia e a engenharia, idem.

De acordo com o estudo The Future of Jobs Report 2018, do Fórum Econômico Mundial, sete milhões de empregos serão extintos até 2021. Por outro lado, essa “revolução” criará 58 milhões de novos empregos líquidos em 2025, na área da tecnologia. Os robôs cumprirão 52% das tarefas profissionais correntes, ou seja, mais da metade de todas as atividades realizadas nos locais de trabalho serão feitas por máquinas, contra 29% atualmente.

A automação não será destrutiva, mas gradativa. Não sem considerar que esta revolução está sendo feita através do cérebro humano, responsável por desenvolver e alimentar as máquinas, que hoje criam novas tecnologias. Haverá espaço para o homem e um leque inimaginável de novas possibilidades. Ninguém imaginava que digital influencer fosse ser profissão algum dia. Hoje é, e são muitíssimo bem remunerados. O porvir está acontecendo.

Mas é preciso fazer uma reflexão sobre o trabalho da atualidade. Apesar de todos os avanços tecnológicos e dessa verdadeira revolução industrial, o trabalho continua sendo marcado por servilismo e alienação, e, na realidade, não tem nada de inclusivo e humano. Tentaram sim, mascarar a exploração e a violência, inclusive psicológica, com o uso de sistemas de metas e pagamento de prêmio, variáveis e bônus. Mas as metas são inalcançáveis e implantadas através de psicoterror. Criaram a figura do team líder, mas as avaliações são subjetivas e manipuladas, o que retira toda sua credibilidade.

Ainda que se possa andar de skate ou deitar em piscinas de bolinhas, ou que a as estantes estejam lotadas de post its e que todo mundo tenha um notebook, tudo isso não passa de um discurso criado para tamponar a verdade. O trabalho continua sendo palco de exploração, a linha de montagem foi substituída pelas metas. A cronometragem do tempo agora é feita através de tablets e smartphones. O trabalho nunca termina às 18 horas, está em todo tempo e lugar. Ou seja, mudaram-se os atores, mas o filme é o mesmo. Que venham todas as novas profissões, mas que, junto, se garanta a liberdade e o espaço para, pelo menos, ser e existir ao lado dos novos colegas, os robôs.

Maria Inês Vasconcelos – Advogada trabalhista, palestrante, pesquisadora e escritora.

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 25/11/2019

[cite]

 

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