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Diante da mineração, qual a nossa teologia? artigo de Gilvander Luís Moreira

Diante da mineração, qual a nossa teologia?

Por Gilvander Luís Moreira1

Barragem pertencente à mineradora rompeu-se em novembro de 2015 no distrito de Bento Rodrigues, na zona rural de Mariana, espalhando rejeitos por mais de 40 municípios. Foto. Divulgação/Corpo de Bombeiros de Minas Gerais
Barragem pertencente à mineradora rompeu-se em novembro de 2015 no distrito de Bento Rodrigues, na zona rural de Mariana, espalhando rejeitos por mais de 40 municípios. Foto. Divulgação/Corpo de Bombeiros de Minas Gerais

 

No Seminário Ecoteologia e Mineração: espiritualidades, resistências e alternativas em defesa dos territórios, realizado pela Rede Igrejas e Mineração, no município de Mariana, MG, próximo à lama tóxica do crime continuado da VALE e Estado, dias 5, 6 e 7 de novembro de 2017, na Mesa de Diálogo “Mineração e Teologias em conflito: qual a nossa teologia?”, socializamos como pistas de reflexão e ação o que segue.

O estado de Minas Gerais se constitui de Minas e de Gerais. Na minha infância, há 50 anos, no noroeste de Minas Gerais, no meio de muitas águas, eu me sentia no meio de minas de água. No noroeste o inimigo n. 1 era o latifúndio e os latifundiários, atualmente é o agronegócio e o hidronegócio fomentado pelo Estado e pelo sistema do capital. No quadrilátero ferrífero e aquífero de Minas Gerais, no meio de carretas de minério e de uma infinidade de crateras de mineração, estamos nas minas de minério, onde o inimigo n. 1 são as grandes mineradoras, o Estado acumpliciado e o sistema do capital que continuam insistindo que “o que importa é exportar” minério e muitas outras commodities, dando continuidade ao processo de invasão e colonização iniciado em 1500, mas que se atualiza e se especializa cada vez mais nos dias atuais, produzindo, continuadamente, invasões e explorações, sepultamento de culturas, de pessoas e da natureza. Nesse contexto de injustiça socioambiental alarmante, a missão das Igrejas e das pessoas religiosas é desafiante.

A mineração golpeia os nossos povos, a mãe terra, a irmã água e todos os organismos vivos. No Brasil, em uma sociedade de classes antagônicas, há teologias antagônicas. A nossa teologia deve ser a partir dos injustiçados pela mineração. A mineração em grande porte é idolatria, é algo satânico, diabólico. É impossível ser pessoa seguidora de Jesus Cristo e de seu evangelho e ser, na prática, cúmplice das mineradoras.

No caso da destruição de Bento Rodrigues, há indícios de que as mineradoras Vale, BHP e Samarco estavam tramando comprar todas as casas dos moradores para no local ampliar a área de barragem de rejeitos. Quando as mineradoras e o Estado insistem em açambarcar territórios para ampliação da mineração é preciso recordar que toda reintegração de posse é uma desintegração de sonhos. Em uma sociedade desigual, com relações sociais de opressão não existe omissão, mas cumplicidade. Quem se omite se torna cúmplice dos opressores. Quem fica em cima do muro se abstendo de se comprometer com as causas e os destinos dos injustiçados, faz a pior opção, pois, na prática, fica do lado do opressor. Ações filantrópicas, ações de promoção humana e políticas de assistência social – algo típico dos moderados – criam uma fachada para o capitalismo como se houvesse algo de bom no capitalismo. A lógica e estruturação do capitalismo são competição, concorrência e acumulação de mais-valia, concentrando cada vez mais poder e riqueza em poucas mãos e marginalizando cada vez mais as classes trabalhadora e camponesa. Segundo István Mészáros, dois grupos são responsáveis pela reprodução do sistema do capital: a classe dominante e os moderados.

Devemos sempre cuidar da linguagem que utilizamos. Não há como fazer profecia com linguagem antiprofética e nem com prática antiprofética. Não podemos aceitar e nem navegar na linguagem das mineradoras e nem do sistema do capital. Temos que desconstruir as opressões da prática e as da linguagem das mineradoras e seus arautos. Por exemplo, não existe apenas conflito, mas violência, pois se fosse apenas conflito, dependendo do desfecho, poderia surgir algo positivo; as pessoas e os povos não são apenas atingidos, mas são violentados; os rios não estão secando, mas estão sendo secados. Não houve “crime de Mariana”, nem “crime de Bento Rodrigues”, não foi acidente, mas aconteceu crime hediondo/tragédia da mineradora VALE + Estado (3 poderes) + poder midiático – que sempre enaltece o crescimento econômico sem mostrar as desgraças socioambientais que gera); foi o maior crime ambiental da história; não aconteceu apenas dia 05 de novembro de 2015, mas continua acontecendo todos os dias há mais de 2 anos, já tendo mais de 50 pessoas mortas direta ou indiretamente por causa desse crime. Não obstante a barbárie das mortes, deparamo-nos com a destruição da história de um povo, da sua cultura, a destruição das histórias de vida, os conflitos familiares, a depressão, a amargura… Enfim, é latente a crueldade da lama tóxica que segue consumindo vidas e sonhos. O Estado não é apenas omisso, é também cúmplice.

Como integrante do Movimento Capão Xavier Vivo, logo após 2004, ano da Campanha da Fraternidade “Água, fonte de vida”, testemunhamos o julgamento de um Recurso de Agravo no TJMG que buscava impedir a Licença de Operação para a Mina Capão Xavier, da VALE, em Nova Lima, MG. Após um voto sensato do relator, que em nome dos princípios da cautela, e da prudência e em respeito ao art. 225 da Constituição Federal, defendia que a Mina Capão Xavier não podia iniciar a exploração do minério, os desembargadores, vogais 1 e 2, disseram que não entendiam nada de água e nem de minério. E que se o Governo de Minas tinha concedido o licenciamento ambiental, eles não tinham motivo para impedir a Licença de Operação da mina. Assim, por 2 x 1, o TJMG, na época, liberou o início da operação da Mina Capão Xavier. Seis anos depois, a Justiça Federal deu ganho de causa a uma Ação Popular que questionava a operação da Mina Capão Xavier, porque iria ferir de morte os 4 mananciais de abastecimento público de Capão Xavier, que abastecia 10% da população de Belo Horizonte. Mas era tarde demais! A mineradora Vale já tinha aberto uma cratera de quase 1 Km de diâmetro por 500 metros de profundidade. Esses julgamentos demonstram que juiz que pressupõe que o executivo é infalível e, por isso, não pode ser questionado, e justiça tardia consumam injustiças gritantes. Como dizia Rui Barbosa, “justiça tardia nada mais é do que injustiça institucionalizada”.

Por que ninguém do poder judiciário ainda não julgou e nem mandou prender os que mataram 20 pessoas dia 05 de novembro de 2017, no crime da mineradora Vale? Por que a caneta do judiciário pesa tanto contra o povo da periferia, sobretudo os pretos e pobres? Por que o Sistema de Justiça está mais preocupado em cadastrar e acusar pescadores acusando-os de crime de falsidade ideológica como vergonhosamente vem acontecendo em Governador Valadares e em outras regiões, em uma aparente defesa do patrimônio privado de quem causou, de fato, o pior crime da história da mineração?

Somente discurso não liberta, é necessário conviver com os injustiçados. Só teremos autoridade que inspira confiança, se convivermos com quem realmente padece nas mãos do poder opressor. Só ideias, por mais revolucionárias que sejam, não libertam; só conscientização também não. Para transformar para melhor, é necessário ação concreta que mude as condições objetivas e materiais. Medo e desânimo se combatem com lutas concretas. Quanto mais se luta mais coragem se adquire e menos medo se tem. A verdade que liberta é a palavra e a prática dos violentados que, agindo coletivamente, são capazes de enfrentar as mineradoras.

A lama tóxica do crime da mineradora VALE em Mariana e em todas as comunidades existentes ao longo da Bacia do ex-rio Doce e os golpeados continuam gritando por socorro. O ex-rio Doce se tornou metáfora de todos os rios que também estão sendo sacrificados no altar do deus mercado. Ação minerária é espada que apunhala a mãe terra. Pedir perdão ou as Samarco reiniciar sua operação em Mariana não resolve os graves problemas, nem faz diminuir os conflitos existentes. As Igrejas devem ser coerentes com o Evangelho de Jesus de Nazaré e não há outro caminho que não seja o da opção de luta com e pelos que são vítimas da ganância e da exploração das Mineradoras. Este clamor do povo, dos rios e da mãe terra tem que fazer parte de nossa teologia para que ela seja, de falto, uma ciência a partir da fé no Deus de Jesus Cristo, que não se calou diante das injustiças, mas foi preso político condenado à pena de morte mais cruel de sua época que era a morte de cruz.

Belo Horizonte, MG, 12 de dezembro de 2017

Obs.: O vídeo, abaixo, ilustra o texto, acima: “Depoimento de Marino – 1ª parte – no Seminário Ecoteologia e Mineração, em Mariana, de 06/11/2017.” Assista também a 2ª e 3ª parte do depoimento em outros vídeos.

https://www.youtube.com/watch?v=Ys_DEkRqDLk

 

 

1 Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália;; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. De “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG.

E-mail: gilvanderlm@gmail.comwww.freigilvander.blogspot.com.brwww.gilvander.org.br

www.twitter.com/gilvanderluisFace book: Gilvander Moreira III

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 14/12/2017

[cite]

 

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