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Artigo

O colapso do gelo da Antártica e o aumento do nível do mar, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

 

larsen c ice shelf

 

[EcoDebate] A Antártica, depois de um período de ligeiro ganho na área de gelo, está entrando em fase de degelo acelerado. Uma das constatações é que uma imensa rachadura na plataforma de gelo Larsen C cresceu profundamente em dezembro de 2016 e falta pouco para que um imenso bloco de 5 mil km² (equivalente a área do País de Gales ou da Região Metropolitana do Rio de Janeiro) se desprenda da plataforma Larsen C.

A plataforma tem espessura de 350 metros e está localizada na ponta oeste da Antártida. Pode acontecer o mesmo que já aconteceu com o colapso das plataformas de gelo Larsen A, em 1995, e Larsen B, em 2002. Novas rupturas na plataforma podem provocar que outras geleiras se desprendam em direção ao oceano. Uma vez que esse gelo não seria flutuante, o nível dos mares seria afetado. Segundo estimativas, se todo o gelo da Plataforma Larsen C derreter, o nível global dos mares aumentaria cerca de 10 cm.

O gráfico abaixo (da NSIDC) mostra que, do ponto de vista do gelo marinho, houve expansão de área ao redor da Antártica entre 1979 e 2014. A tendência ao longo de 35 anos foi de uma lenta expansão, da ordem de 0,9% por década. Muitos “céticos climáticos” utilizavam estes dados para questionar o aquecimento global e o processo de desglaciação do mundo. Contudo, o degelo avançou em 2015 e atingiu o maior nível em 2016. Nunca a Antártica perdeu tanto gelo como no ano passado. E o pior é que a desestabilização continua em 2017.

 

southern hemisphere extent anomalies dec1978-2016

 

O gráfico abaixo mostra a variação da extensão do gelo da Antártica nos primeiros 34 dias dos diversos anos desde 1979 e a média do período 1981 a 2010 (com o desvio padrão). Nota-se que a extensão de gelo em 2011 teve um declínio acentuado, mas houve recuperação nos anos de 2014 e 2015, que ficaram acima da média de 1981-2010. O ano de 2016 voltou a ter comportamento parecido com 2011, batendo os recordes de degelo. Mas o mais grave e preocupante está acontecendo nos primeiros 34 dias de 2017, que mostra perdas acentuadas e totalmente distante das tendências dos últimos 37 anos. Parece que a desestabilização do gelo chegou para valer e a Antártica parece entrar no mesmo nível de desglaciação do Ártico.

 

global ice

 

O gráfico seguinte mostra claramente a redução do volume de gelo nos dois hemisférios. Existe uma tendência de longo prazo do degelo que pode ser vista pelas curvas anuais cada vez mais baixas. Mas a queda observada a partir de setembro de 2016 é um fato sem precedentes e mostra que o processo de desglaciação está se acelerando perigosamente. No passado, foi o Ártico e a Groenlândia (hemisfério Norte) que lideraram o derretimento, a partir do segundo semestre do ano passado a Antártica passou a ser o grande destaque para o processo de desglaciação e a elevação do nível dos oceanos.

 

giomas monthli gobal ice volume

 

O jornal New York Times (07/02/2017) atualizou a situação do eminente colapso do grande pedaço da Plataforma Larsen C. Em apenas dois meses, a rachadura aumentou 17 milhas. Faltam apenas 20 milhas para que o gigante iceberg se desprenda da Plataforma. Ou seja, até abril ou maio de 2017 pode ocorrer o colapso deste grande pedaço da Larsen C, mostrando a dramaticidade do processo de degelo da Antártica.

 

Plataforma Larsen C

 

No total, o degelo do Ártico, da Groenlândia e da Antártica pode fazer os oceanos subirem mais de 70 metros. Evidentemente, isto não vai acontecer no espaço do atual milênio. Mas somente 10% de degelo destas áreas pode fazer o nível dos mares subir 7 metros. Ou 5% de degelo pode elevar o nível do mar em 3,5 metros. Isto seria catastrófico para a dinâmica econômica e social e poderia aumentar a pobreza e os conflitos sociais, provocando o colapso da civilização.

 

Plataforma Larsen C

 

Artigo de Robert M. DeConto e David Pollard, publicado na revista Nature (31/03/2016) mostra que no último período interglacial (130.000 a 115.000 anos atrás), com temperaturas pouco acima das atuais, a média global de aumento do nível do mar (GMSLR) foi de 6 a 9 metros. Os autores mostram que, se as emissões de GEE continuarem no nível atual, somente a Antártica tem o potencial de contribuir com mais de um metro de elevação do nível do mar até 2100 e mais de 15 metros até 2500. Assim, no pior cenário de emissões de gases de efeito estufa, o nível médio do mar subiria cerca de 2 metros até o fim do século, extinguindo nações insulares e gerando grande quantidade de refugiados do clima em cidades como Rio de Janeiro, Londres, Miami, Xangai, Mumbai, etc.

Os filmes “Earth Under Water” e “Before the Flood” (ver links abaixo) explicam e ilustram as consequências dramáticas da elevação do nível do mar. A bomba relógio climática está armada. Quando e qual o tamanho da explosão que vai atingir toda a população mundial, dependerá da vontade e da capacidade da humanidade em reverter, deter e minimizar o tamanho do desastre.

Referências:

Filme: Earth Under Water
https://www.youtube.com/watch?v=-twZDMe8tYI

Leonardo DiCaprio. Before the Flood (PT), National Geography, 31 de out de 2016
https://www.youtube.com/watch?v=aV9w_chyuf4

Jugal Patel. A Crack in an Antarctic Ice Shelf Grew 17 Miles in the Last Two Months, NYT, 07/02/2017
https://www.nytimes.com/interactive/2017/02/07/science/earth/antarctic-crack.html?_r=0

Robert M. DeConto & David Pollard. Contribution of Antarctica to past and future sea-level rise, Nature, 531, 591–597 (31 March 2016) doi:10.1038/nature17145
http://www.nature.com/nature/journal/v531/n7596/full/nature17145.html

NASA Earth Observatory. Antarctica’s sea ice is melting to its lowest levels in recorded history, 16/12/2016
http://www.businessinsider.com/climate-change-melting-south-polar-sea-ice-2016-12

Matt McGrath. Iceberg gigante ameaça se desprender da Antártida e gera preocupação, BBC, 06/01/2017
http://www.bbc.com/portuguese/internacional-38528532

Sunshine Hours
https://sunshinehours.net/

NSIDC – National Snow & Ice Data Center
https://nsidc.org/data/seaice_index/

ArctischePinguin
https://sites.google.com/site/arctischepinguin/home/global-sea-ice

 

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 17/02/2017

[cite]

 

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One thought on “O colapso do gelo da Antártica e o aumento do nível do mar, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

  • Opa, só para lembrar:
    Derretimento de gelo marinho como *a parte de Larsen C que está se soltando*, a qual é antes do ponto de ancoragem em terra – não causa aumento do nível do mar *pelo derretimento em si*.
    Derretimento das geleiras continentais – causa aumento do nível do mar.

    O problema de Larsen C não é o volume ou área do gelo a derreter mas o fato de que este gelo serve como “âncora” para impedir que desabem geleiras ancoradas no continente. A parte que está se soltando é logo antes da linha de ancoragem, mas serve como “freio” para impedir o escorregamento do restante da geleira.

    Ou seja: eventos de Heinrich (grandes pedaços das geleiras continentais se soltando, causando aumentos rápidos do nível do mar em pulsos) não são esperados para este ano, mas podem acontecer na próxima década.

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