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Carta a um jovem ‘foca’, artigo de Nara França

 

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[EcoDebate] Para os que ignoram a expressão “foca”, em redação de jornal, vou logo esclarecendo que trata-se do jornalista iniciante, que chega, na maioria das vezes, achando até que vai ensinar os colegas ‘dinossáuricos’. Também fui “foca” – por isso mesmo, reconheço a arrogância e a presunção, misturadas ao idealismo, desses jovens. Achamos sempre, no início da carreira profissional, que podemos mudar o mundo.

O “foca” chega, quase sempre, com vocabulário próprio (“avançado”), decorado na semana que passou, ensaiando a entrada triunfal na redação. Aos poucos, “cai na real”, e não há meio termo de sobrevivência, na redação do jornal: ou assume o trabalho, ou desiste e procura outra função.

Em razão de estar sempre respondendo perguntas de jovens profissionais da área do jornalismo, resolvi esboçar, aqui, uma carta a um jovem “foca”, sem qualquer pretensão de ser levada a sério por isso. Talvez, eu consiga reunir o que já falei sobre, nesses contatos que mantive e mantenho com os jornalistas iniciantes.

Lembro agora que, numa dessas vezes, inclusive, um professor amigo reuniu diversas turmas do último ano do ensino médio, e me chamou para falar-lhes sobre jornalismo, junto com um colega fotógrafo que trabalhou em jornal comigo. A experiência foi uma das mais engraçadas que já tive, pois meu colega falou coisas, no microfone, que nunca havia me dito. Feitas as apresentações, meu colega começou logo dizendo que “por diversas vezes, a Nara me colocou em situações extremas, que nunca imaginei, e, literalmente, caguei de medo, enquanto ela cochichava: mantenha o equilíbrio, vai acabar tudo certo”. Como se não bastasse o riso geral do público, meu colega ainda me instigava, fazendo eu lembrar as ‘aventuras’ a que eu o levara, já que ele estava sempre ‘a tiracolo’ comigo. Sem poder mais me calar, eu perguntei: Você ficava com medo mesmo?… E ele: “Claro, até os índios, os sem terra, os grevistas e os policiais ficavam; só você que não. Pra trabalhar com a Narinha, você precisa ter seguro de vida”.

Claro, passamos a maior parte do nosso tempo com os estudantes, lembrando fatos e matérias que fizemos juntos. Pelo visto, o papo com os adolescentes foi legal, mais ainda para mim e o meu amigo, que me agradeceu, no final (ainda no microfone), por ensinar-lhe a “valorizar mais a vida”. Entre aplausos e risos, o encontro foi encerrado, fugindo completamente do protocolo.

Deixando a prolixidade de lado, eis minha carta a um jovem “foca”:

Em primeiro e único lugar, paixão – sinta paixão pelo jornalismo. Sem paixão, você acabará na mesa da mediocridade, selecionando releases sem criatividade alguma, ou selecionando textos, e clicando “Ctrl C” – “Ctrl V” -, pela internet. Se você não tem paixão, desista – faça, seja o que for, com paixão, por paixão, pra apaixonar-se mais ainda.

Tenha como definitivo: não existe imparcialidade, em jornalismo. Por isso, mantenha-se atento, pois você precisa saber sempre o que faz, por que faz, por quem faz. Se você se predispõe ficar alerta, logo saberá a posição do dono do jornal, ou do chefe de redação, e até do chefe da gráfica do jornal. Sabendo disso, você precisa ter consciente até onde a posição do jornal e a tua posição pessoal se coadunam. Tendo sintonia, trabalha muito, se esforça, pra trabalhar ainda mais. Não havendo aspectos consideráveis em comum, nem assuma o trabalho na redação; ou, então, faça como alguns profissionais da área, que deixam de lado, princípios próprios, para seguirem a ‘boiada’.

O ato de escrever é tão – ou mais – particular que a alma de cada ser humano. Por isso, não tente imitar quem escreve e publica. Leia muito, leia tudo – lista telefônica, classificados, bulas de medicamentos, gibis, e até dicionários. Leia literatura que você gosta, e literatura que você não gosta também (aos poucos, você aprende aguçar a visão critica).

Um aspecto valioso: expectativas. Não tenha expectativa alguma – nem quando for ‘a campo’, nas reportagens, muito menos quando apresentar o resultado do seu trabalho ao chefe da redação. Se alguém está, e se mantém, no cargo de chefia, é por que tem visão critica exacerbada, dentro de uma inquietação permanentemente insatisfeita. Afinal, alguém precisa te instigar ir adiante, não é mesmo?…

Pense que desafio não é só o “furo de reportagem”. Há mais – e maiores – desafios internos e externos do que se possa imaginar. Talvez, um dos maiores desafios internos seja justamente o orgulho, que trava muitas possibilidades de realização profissional. Despoja-te, ao máximo, de todo orgulho. Isso não quer dizer que tenha de reduzir sua autoestima. Pelo contrário. Reconheça-te profissional ‘aberto ao novo’, sem conceitos e preconceitos de toda ordem. Em jornalismo, não existe a conhecida frase: “Essa matéria eu não faço”. Por isso, a importância de, antes mesmo de você “abraçar a profissão”, considerar o que faz, por que faz, por quem faz.

Na primeira página de toda ‘cartilha’ jornalística, constam aquelas perguntinhas básicas:
A – O que?
E – Quem?
I – Quando?
O – Onde?
U – Por quê?

O diferencial da matéria fica por sua conta (e risco). Numa reportagem, considere e reconsidere o que todo mundo conceitua “aspecto irrelevante”. Às vezes, o que está em torno do fato, que não seja mero boato, tem mais a dizer que o próprio (fato), o qual torna-se consequência, efeito. Toda reportagem envolve pessoas, obviamente. Por isso, ouça o máximo possível – e impossível – de pessoas: as testemunhas, e também as envolvidas no fato (direta, ou indiretamente). Fazer pensar – uma das minhas preocupações primeiras, enquanto profissional do jornalismo.

Ainda resta redigir a matéria – a maior responsabilidade do jornalista, que, além da informação, contribui na formação dos leitores. Reúna todas as informações que conseguiu, dentro de uma ordem que interesse mais – normalmente, o fato em si, depois, os ‘arredores’. Aquela antiga dica de ter sempre gravador ‘a tiracolo’, para provar a veracidade da matéria, continua valendo, há décadas. Importante não deixar o texto ‘capenga’ (inconcluso), ou inconcludente. Eu costumo criar uma ‘linha’ de texto – sigo por ela, até o final, e ‘funciona’, por que torna-se compreensível à leitura, por mais diversificada que seja.

Recorra ao máximo da tua imparcialidade, na narrativa dos fatos e dos envolvidos. Tanto quanto você enxergar necessário, ‘enxugue’ o texto, faça uma redação ‘econômica’, objetiva, e, ao mesmo tempo, dinâmica, para que, de algum jeito, torne-se atemporal, fazendo parte da historia humana. Não há tempo (relógio), nem espaço (página), para divagações. Na dúvida sobre como escrever determinada palavra, ou o significado dela, apela ao “amansa burro”, que toda redação “que se preze” deve ter. Outro recurso é perguntar ao chefe da redação, e/ou aos colegas, sobre algum fato que diga respeito à matéria que você está redigindo, para ‘nutrir’ as informações.

Do inicio ao final do texto, paixão, muita paixão pelo profissionalismo, pela ética e por tudo de melhor que você possa acreditar em você mesmo. Não imagine receber prêmios, pelo teu trabalho. Faça o melhor do teu melhor, o impossível do teu possível. Reconheça – você mesmo – o teu valor. E, na próxima edição, faça melhor ainda.

Num dia qualquer, você descobre que já não é mais “foquinha de redação”. Mas guardará lembranças que te farão rir muito, a vida inteira…

Nara França é jornalista gaúcha, tendo sempre trabalhado em redação de jornal, e hoje atuando em entidades sindicais e movimentos sociais, no sul do Brasil. Também, mantém o blog http://ironia-cronica.blogspot.com.br/

EcoDebate, 15/06/2012

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