EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Notícia

Artigo sobre remédios alternativos conclui que remédios inócuos se espalham mais facilmente

remédios

Com muita frequência, remédios alternativos falham em mostrar sucesso ao serem submetidos a testes clínicos. Mesmo assim, produtos de eficácia duvidosa –como extrato de Gingko biloba (receitado contra demências) e raspas de barbatana de tubarão (contra câncer)– parecem estar proliferando cada vez mais. Segundo um novo estudo, porém, não há contradição aí: é justamente pela qualidade de serem inócuas que essas “receitas milagrosas” ganham terreno.

Essa conclusão “contraintuitiva”, conforme reconhecem os autores do trabalho, saiu de um modelo matemático que simula como a adoção de um determinado tratamento se dissemina numa sociedade. Em artigo científico [From Traditional Medicine to Witchcraft: Why Medical Treatments Are Not Always Efficacious] na revista “PLoS ONE” o biólogo e matemático Mark Tanaka, da Universidade de Nova Gales do Sul (Austrália) explica com mais dois colegas como chegou a esse resultado. Matéria de Rafael Garcia, da Folha de S.Paulo, com informações complementares do EcoDebate.

Segundo o pesquisador, a disseminação de práticas médicas sem comprovação de eficácia é, por um lado, um fenômeno ligado à automedicação. Por outro, inclui práticas de curandeirismo em comunidades onde não há médicos. Como pessoas tendem a aprender as coisas por imitação, os remédios que são usados de maneira crônica sem nunca levarem à cura tendem a ganhar mais propaganda, porque passam mais tempo sendo usados.

“Nós mostramos que os tratamentos que proliferam não são necessariamente aqueles mais eficazes em curar a doença”, escrevem Tanaka e colegas. “Explicamos por que “tratamentos supersticiosos” com pouca eficácia e mesmo práticas inadequadas podem se espalhar em diversas condições.” Assinam também o estudo o antropólogo Jeremy Kendal, da Universidade de Durham, e o biólogo Kevin Laland, da Universidade de Saint Andrews, ambas no Reino Unido.

A união de três especialidades científicas em um mesmo estudo ocorreu porque o trabalho é uma simulação estatística aplicada a fenômenos evolutivos de comportamento.

Os pesquisadores partem do princípio de que existe um tipo de “seleção natural” entre boas e más práticas. Quando se trata de interação social, porém, práticas nocivas podem ser mais “adaptadas” a sobreviver numa comunidade, desde que consigam se disseminar rápido.

Para formular a equação que levou a essa conclusão, os pesquisadores partiram do princípio de que o que torna um remédio popular é a “cópia não enviesada”, ou seja, quanto mais um remédio aparece sendo usado por alguém, mais ele tende a ser adotado por outros.

Propaganda prolongada

“A cópia não enviesada de novos tratamentos pode frequentemente levar à prevalência de práticas ineficazes porque tais tratamentos são demonstrados com mais persistência do que as alternativas eficazes”, escreve Tanaka.

Segundo o pesquisador, quando um remédio se mostra ineficaz para uma pessoa por longo tempo, é claro que tende a ser abandonado. No caso de alguns tratamentos, porém, a “propaganda” que o doente faz da droga inócua se prolonga por tanto tempo que a desistência só ocorre depois de muitas pessoas terem sido influenciadas, indica a simulação.

É um efeito estranho, similar às bizarrices descritas no best-seller “Freakonomics”. A cópia não enviesada, porém, é uma “suposição simples” usada para a simulação, reconhece Tanaka. Ele defende, contudo, que o fenômeno “está próximo da realidade”. O mesmo se aplica à popularidade de nomes de bebês e de raças de cachorros, diz o cientista.

O artigo “From Traditional Medicine to Witchcraft: Why Medical Treatments Are Not Always Efficacious” está disponível para acesso integral no formato HTML. Para acessar o artigo clique aqui.

Para maiores informações transcrevemos, abaixo, o abstract:

From Traditional Medicine to Witchcraft: Why Medical Treatments Are Not Always Efficacious
Mark M. Tanaka1*, Jeremy R. Kendal2, Kevin N. Laland3
1 Evolution & Ecology Research Centre, School of Biotechnology & Biomolecular Sciences, University of New South Wales, Sydney, New South Wales, Australia, 2 Department of Anthropology, University of Durham, Durham, United Kingdom, 3 School of Biology, University of St Andrews, Fife, United Kingdom

Abstract

Complementary medicines, traditional remedies and home cures for medical ailments are used extensively world-wide, representing more than US$60 billion sales in the global market. With serious doubts about the efficacy and safety of many treatments, the industry remains steeped in controversy. Little is known about factors affecting the prevalence of efficacious and non-efficacious self-medicative treatments. Here we develop mathematical models which reveal that the most efficacious treatments are not necessarily those most likely to spread. Indeed, purely superstitious remedies, or even maladaptive practices, spread more readily than efficacious treatments under specified circumstances. Low-efficacy practices sometimes spread because their very ineffectiveness results in longer, more salient demonstration and a larger number of converts, which more than compensates for greater rates of abandonment. These models also illuminate a broader range of phenomena, including the spread of innovations, medical treatment of animals, foraging behaviour, and self-medication in non-human primates.

Citation: Tanaka MM, Kendal JR, Laland KN (2009) From Traditional Medicine to Witchcraft: Why Medical Treatments Are Not Always Efficacious. PLoS ONE 4(4): e5192. doi:10.1371/journal.pone.0005192

Editor: James Holland Jones, Stanford University, United States of America
Received: November 13, 2008; Accepted: February 28, 2009; Published: April 15, 2009
Copyright: © 2009 Tanaka et al. This is an open-access article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License, which permits unrestricted use, distribution, and reproduction in any medium, provided the original author and source are credited.

Funding: The work was supported by the Australian Academy of Sciences, the Research Councils UK, Biotechnology and Biological Sciences Research Council UK and the European Union. The funders had no role in study design, data collection and analysis, decision to publish, or preparation of the manuscript.

Competing interests: The authors have declared that no competing interests exist.

* E-mail: m.tanaka{at}unsw.edu.au

Nota do Ecodebate: esta pesquisa aborda um tema complexo, não apenas relacionado à eficácia dos medicamentos, como também com o comportamento das pessoas, principalmente à vista da automedicação. Sugerimos, ainda, que leiam as matérias:

New York Times questiona a segurança dos suplementos alimentares“;
Pesquisadores estudam genes responsáveis pelo ‘efeito placebo’”
Nova pesquisa conclui que os complexos multivitamínicos não previnem doenças
Estudo diz mais de 1/3 das crianças e adolescentes saudáveis dos EUA tomam vitaminas desnecessariamente
Suplementos de vitaminas C e E não são eficazes na prevenção de doenças cardiovasculares
Suplementação de cálcio e vitamina D não está associada à redução do risco de câncer de mama
Vitamina B pode não prevenir problemas cardíacos, diz pesquisa
Produtos ‘desintoxicantes’ não funcionam, dizem cientistas
Estudo afirma que o ginkgo biloba não tem qualquer efeito na redução de demência e doença de Alzheimer
Chumbo, mercúrio, arsénio nos medicamentos Ayurveda vendidos através da Internet

[* **]

[EcoDebate, 05/05/2009]

Inclusão na lista de distribuição do Boletim Diário do Portal EcoDebate
Caso queira ser incluído(a) na lista de distribuição de nosso boletim diário, basta que envie um e-mail para newsletter_ecodebate-subscribe@googlegroups.com . O seu e-mail será incluído e você receberá uma mensagem solicitando que confirme a inscrição.

Fechado para comentários.