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Artigo

direitos trabalhistas no setor sucroalcooleiro: Uma rotina de violações, artigo de Maria Luisa Mendonça e Marluce Melo

[O Globo] A safra brasileira da cana em 2005 foi de 386 milhões de toneladas. Desde então, com o aumento dos incentivos do governo para a produção de etanol, este número teve um aumento impressionante. Previsões do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) indicam que em 2008 o Brasil deve produzir cerca de 561 milhões de toneladas de cana. Em 2008, estima-se que a safra terá um aumento de 9,3% em relação a 2007.

Ao mesmo tempo, multiplicam-se as denúncias de violações de leis trabalhistas e ambientais no setor sucroalcooleiro. Este tema será discutido durante a 30ª Conferência Regional da FAO (Food and Agriculture Organization) para América Latina e Caribe, que acontecerá em Brasília de 14 a 18 de abril. Organizações sociais de diversos países preparam documentos citando os principais problemas do setor, como trabalho escravo, morte de trabalhadores, destruição ambiental e danos à saúde pública.

No Brasil, na medida em que verificamos a expansão da indústria da cana, aumentam seus impactos negativos. Em relação aos danos ambientais, diversos fatos demonstram que os monocultivos de cana expandem-se para áreas de preservação como a Amazônia e o cerrado. “O crescimento das fazendas coloca em risco regiões ecológicas inteiras, como o cerrado”, afirma um relatório do Programa de Meio Ambiente da ONU (Organização das Nações Unidas). Outro estudo elaborado pelo Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) indica que, a cada ano, são destruídos mais de 20 mil quilômetros quadrados de vegetação no cerrado. Esta destruição pode comprometer a maior parte dos rios brasileiros, que têm suas nascentes na região.

A monocultura da cana cresce também na Amazônia legal, nos estados de Tocantins, Amazonas, Pará, Maranhão, Roraima e Rondônia. Segundo dados do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), entre 2004 e 2007, a Região Norte registrou o maior índice de crescimento da produção de cana do país.

No Acre, o Ministério Público chegou a suspender a licença ambiental da Usina Álcool Verde por destruir sítios arqueológicos contendo geoglifos, que são enormes estruturas geométricas construídas na Antiguidade. Há também projetos de usinas no Amazonas, em regiões de floresta nativa às margens da BR-174.

O próprio Grupo Móvel de Combate ao Trabalho Escravo, do Ministério do Trabalho, tem constatado irregularidades em usinas de etanol na Amazônia e no cerrado. Em março de 2007, o Grupo de Fiscalização em Mato Grosso do Sul resgatou 409 trabalhadores no canavial da usina de álcool Centro Oeste Iguatemi. Entre eles, havia um grupo de 150 índios.

Em julho de 2007, ficais do Ministério do Trabalho libertaram 1.108 trabalhadores que faziam a colheita da cana na fazenda Pagrisa, em Ulianópolis (Pará). Outro caso ocorreu na Usina Debrasa, quando cerca de 800 indígenas foram encontrados em condições degradantes. No dia 13 de novembro de 2007, o Grupo Móvel interditou esta usina, que pertence à Companhia Brasileira de Açúcar e Álcool/Agrisul, em Brasilândia, em Mato Grosso do Sul.

A violação de direitos trabalhistas é comum no setor e ocorre em todas as regiões do país. Em São Paulo, a Procuradoria Regional do Trabalho ajuizou mais de 40 ações civis públicas contra usinas, somente em 2007. Em 2006, a Procuradoria do Ministério Público fiscalizou 74 usinas no estado e todas foram autuadas.

Em vez de tentar esconder ou minimizar estes fatos, o governo brasileiro deveria implementar políticas agrárias compatíveis com uma nação que respeita suas leis trabalhistas e preserva o meio ambiente. Somente dessa forma será possível conter os riscos do aquecimento global.

Maria Luisa Mendonça é jornalista e coordenadora da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos. Marluce Meloé engenheira elétrica e coordenadora da Comissão Pastoral da Terra.

Artigo originalmente publicado pelo jornal O Globo, 24/03/2008