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Artigo

Os verdes e a mudança climática, artigo de John Gray

“Do ponto de vista político, Bush e os verdes não podem estar mais afastados entre si; entretanto, estão unidos na sua resistência à verdade mais fundamental na crise do meio ambiente, que é o fato de que não pode ser resolvida sem reduzir drasticamente o nosso impacto sobre a terra. Isto significa diminuir a produção de gases de efeito estufa, mas, neste aspecto, as políticas de moda até podem ser contraproducentes”, alfineta John Gray, para em seguida arrematar: “as panacéias verdes convencionais não se diferenciam tanto das políticas de Bush”. Isso porque acredita que “os verdes têm a fé posta no crescimento sustentável e nas energias renováveis”, que também não são tudo isso.

“A incômoda realidade, que ambos os lados do debate ambiental ignoram ou negam é que um estilo de vida tão necessitado de energia com esse que as zonas ricas do mundo desfrutam não pode se ampliar a uma população de 9 ou 10 bilhões de seres humanos”, escreve Gray.

“Qualquer remédio factível para a crise do meio-ambiente tem que contar com soluções de alta tecnologia. Se tivermos em conta as aspirações legítimas das pessoas que vivem nos países em desenvolvimento, as estratégias de alta tecnologia são as únicas que dispõem de alguma possibilidade de reduzir a pegada humana. Mas também será necessário romper o tabu supremo e enfrentar a realidade das pressões da população”, defende Gray. Concretamente, entre as propostas de Gray para a solução da crise da mudança climática estão o uso da energia nuclear e o controle de natalidade.

John Gray é autor de Black Mass: apocalyptic religion and the death of utopia [Missa negra: a religião apocalíptica e a morte da utopia] e de Cachorros de Palha [Record, 2006], entre outros.

Segue a íntegra do artigo de John Gray publicado no El País, 17-03-2008. A tradução é do Cepat.

Se alguma vez houve um exemplo de como a humanidade é incapaz de suportar o excesso de realidade, é o atual debate sobre a mudança climática. Nenhuma pessoa razoável duvida de que o mundo está se aquecendo, nem de que essa mudança se deve às ações humanas. Com exceção de um grupo cada vez menor que não aceita as descobertas inequívocas da ciência, todo o mundo está de acordo em que enfrentamos um desafio sem precedentes.

Na hora de decidir o que fazer, a maioria das pessoas – incluídos quase todos os ecologistas – evita os incômodos que acompanham o pensamento realista. Tudo indica que George Bush já se convenceu de que a ciência do clima não é uma conspiração da esquerda para destruir a economia norte-americana. Entretanto, tanto ele como o resto dos nossos dirigentes políticos, continuam insistindo em que o crescimento não tem limites. Se adotarmos novas tecnologias que se supõem inócuas para o meio ambiente – como os biocombustíveis –, a expansão econômica pode continuar. No outro extremo do espectro, os verdes têm a fé posta no crescimento sustentável e nas energias renováveis. As raízes da crise ambiental, dizem – e aqui estão de acordo com Bush –, estão na nossa adesão aos combustíveis fósseis. Desde que passemos ao vento, às ondas e à energia solar, tudo irá bem.

Do ponto de vista político, Bush e os verdes não podem estar mais afastados entre si; entretanto, estão unidos na sua resistência à verdade mais fundamental na crise do meio ambiente, que é o fato de que não pode ser resolvida sem reduzir drasticamente o nosso impacto sobre a terra. Isto significa diminuir a produção de gases de efeito estufa, mas, neste aspecto, as políticas de moda até podem ser contraproducentes. A passagem aos biocombustíveis, encabeçada por Bush, mas em andamento também em várias partes do mundo, significa mais destruição de florestas tropicais, que são um importantíssimo regulador natural do clima. Reduzir as emissões ao mesmo tempo em que se destroem os mecanismos naturais de absorção do planeta não é uma solução. É uma receita para o desastre.

As receitas habituais dos verdes não costumam ser muito melhores. Muitas energias renováveis não são tão eficientes nem tão inócuas como se diz. Fazendas eólicas antiestéticas e ineficazes não vão nos permitir renunciar aos combustíveis fósseis, e a produção de energia hidroelétrica em grande escala tem tremendos custos ambientais. Os métodos orgânicos de produção de alimentos podem ter benefícios significativos no sentido de que melhoram o bem-estar dos animais e reduzem os custos de combustível. Ora, não contribuem para deter a destruição da natureza que acompanha a expansão da agricultura para alimentar uma população humana cada vez mais numerosa.

Ou seja, as panacéias verdes convencionais não se diferenciam tanto das políticas de Bush. Nos dois casos, o resultado não pode ser senão um planeta que terá perdido sua biodiversidade e uma humanidade exposta a um contexto cada vez mais hostil. A tecnologia, até certo ponto, pode substituir a biosfera destruída, mas, como acontece com um paciente que vive ligado às máquinas, viveremos com os dias contados. Um dia, a máquina parará.

A incômoda realidade, que ambos os lados do debate ambiental ignoram ou negam é que um estilo de vida tão necessitado de energia com esse que as zonas ricas do mundo desfrutam não pode se ampliar a uma população de 9 ou 10 bilhões de seres humanos, nível previsto nos estudos da ONU para meados do século. No que diz respeito aos recursos, os números humanos já são insustentáveis. O aquecimento global é o outro lado da moeda da industrialização mundial, e as reservas de gás natural e petróleo que a indústria necessita estão chegando ao seu nível máximo exatamente no momento em que sua demanda aumenta a toda velocidade.

Ao contrário do que dizem os verdes, não existe a menor perspectiva de que o mundo vá abandonar o uso dos combustíveis fósseis. Não há mais que perguntar a qualquer economista competente, e se verá que, por mais que se aumenta a produção de energias renováveis, é impossível satisfazer a demanda de energia gerada na China e na Índia. E, de todas as formas, acaso alguém acredita que os países que estão enriquecendo graças aos hidrocarbonetos – a Rússia, o Irã, a Venezuela e os Estados do Golfo – vão renunciar a eles? Enquanto houver demanda suficiente de combustíveis fósseis, esses países continuarão extraindo, independente das conseqüências para o clima mundial.

A única forma de avançar é diminuir a necessidade de combustíveis fósseis e, ao mesmo tempo, dado que é impossível renunciar a eles por completo, fazer com que sejam mais limpos. Isso significa utilizar sem restrições tecnologias que muitos ecologistas vêem com pavor supersticioso. A energia nuclear tem os conhecidos problemas da segurança e do tratamento dos resíduos, e não é, nem muito menos, uma panacéia. Contudo, sua demonização é típica das piores idéias fantasiosas dos verdes. Mesmo que a energia solar tenha possibilidades, não há um tipo único de energia renovável que possa substituir os combustíveis sujos do passado industrial.

Se rechaçarmos a opção nuclear acabaremos inevitavelmente voltando ao carvão. Existem novas tecnologias que podem fazer com que o carvão seja mais limpo. Mas essa não é razão para dar as costas à energia nuclear, que já está praticamente livre de emissões. O mesmo acontece com os transgênicos. A engenharia genética supõe um tipo de intervenção humana em processos naturais cujos riscos ainda não são totalmente conhecidos. Mas sua alternativa é prosseguir com a agricultura de estilo industrial, cujos efeitos destruidores na biosfera são muito visíveis.

Qualquer remédio factível para a crise do meio-ambiente tem que contar com soluções de alta tecnologia. Se tivermos em conta as aspirações legítimas das pessoas que vivem nos países em desenvolvimento, as estratégias de alta tecnologia são as únicas que dispõem de alguma possibilidade de reduzir a pegada humana. Mas também será necessário romper o tabu supremo e enfrentar a realidade das pressões da população.

Os ativistas verdes, os economistas do livre mercado e os fundamentalistas religiosos podem dar a impressão de não ter muito em comum. Não obstante, todos estão de acordo em que não há nada que não possa ser resolvido com uma melhor partilha, um crescimento mais rápido e uma transformação dos valores humanos. Na realidade, o eternamente impopular Malthus se aproximava bastante da verdade quando, no final do século XVIII, afirmou que o crescimento da população acabaria por superar a produção de alimentos. Supunha-se que a agricultura industrial fosse resolver o problema da fome. Mas acontece que depende muito do petróleo barato, e, com as terras que estão se perdendo para outros cultivos em conseqüência da passagem aos biocombustíveis, estão reaparecendo os limites para a produção de alimentos.

Mais que nos centrar em programas fantasiosos sobre energias renováveis, devemos garantir métodos anticoncepcionais e abortos livres e gratuitos em todas as partes. Um mundo com menos gente estaria muito melhor preparado para abordar a mudança climática do que o mundo superpovoado para o qual nos encaminhamos.

Ainda vale a pena lutar por um mundo habitável e humano. Mas necessita-se pensar com realismo, e esse não é o forte do movimento ecológico. Seria irônico que, por culpa de sua hostilidade irracional em relação às soluções de alta tecnologia, os verdes acabassem sendo uma ameaça para o planeta equivalente àquela representada por George W. Bush.

(www.ecodebate.com.br) artigo publicado pelo IHU On-line, 24/03/2008 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]