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O futuro cada vez mais incerto das economias carbonizadas

 

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O futuro cada vez mais incerto das economias carbonizadas, artigo de Maurício Antônio Lopes

Governos e empresas recalcitrantes e negacionistas das mudanças climáticas tem cada vez mais razões para rever sua rejeição à descarbonização

As emissões globais de gases de efeito estufa aumentaram em dois terços desde que as negociações internacionais sobre as mudanças climáticas começaram, há três décadas. De acordo com o Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, limitar o aquecimento global à prudente marca de 1,5°C exigirá o corte das emissões de dióxido de carbono – relativos aos valores de 2010 – em 45% até 2030, e 100% até 2050. Um enorme desafio que se aplica a todos coletivamente – países, empresas e indivíduos, que precisarão se unir em torno de uma agenda de descarbonização em praticamente todos os setores da sociedade – energia, agricultura, transporte, infraestrutura, sistemas industriais, dentre outros.

Ao contrário de muitos outros problemas, como drogas, violência e pobreza, as mudanças climáticas tem alcançado crescente prioridade na agenda da sociedade, mobilizando pensamento estratégico e diplomacia para a tão necessária mudança de comportamento que leve à descarbonização da economia global. E a engenharia de sistemas de baixa emissão tem dado sinais animadores de progresso, na medida em que empresas, governos e consumidores estão cada vez mais dispostos a testar e implantar inovações. Avanços tecnológicos já são observados em setores como geração de eletricidade, agricultura, automóveis, edifícios, navegação, aviação e siderurgia, que juntos produzem cerca de 80% das emissões mundiais.

Embora os esforços diplomáticos e os acordos internacionais sejam muito importantes para apontar direções e buscar consensos em torno do complexo desafio de descarbonizar a economia global, é cada vez mais claro que mecanismos acessórios serão necessários para tornar mais célere o processo de mudança. O Acordo de Paris, principal compromisso mundial sobre as alterações climáticas, envolve quase duas centenas de países, cada um com suas próprias agendas e interesses, o que limita a capacidade da diplomacia para produzir mudanças na velocidade que a crise climática exige. É por isso que tais acordos globais terão, cada vez mais, a função de definir referências e trajetórias possíveis, assumindo no aspecto operacional mais o papel de seguidores que de líderes.

A boa notícia é que líderes mais visionários tem conseguido canalizar a energia que emerge da crescente preocupação da sociedade com o tema para o desenvolvimento de inovações, de políticas públicas e de incentivos à descarbonização. Um bom exemplo vem do setor automotivo, com o desenvolvimento de veículos elétricos, além de políticas e subsídios que estimulam mais inovação – como baterias mais potentes e sustentáveis, abastecidas com energia de baixo impacto e ampla infraestrutura de recarga. Tais avanços estão ganhando força e extravasando de nichos mais capazes e motivados para uma difusão mais ampla. Vários sinais já indicam que a centenária e carbonizada indústria automobilística está se preparando para a inevitável mudança.

O fato é que governos e empresas recalcitrantes e negacionistas das mudanças climáticas tem cada vez mais razões para rever sua rejeição à descarbonização. Líderes empresariais em todo o mundo estão aderindo ao conceito ESG (Environmental, Social and Corporate Governance) centrado no fortalecimento de práticas ambientais, sociais e de governança dos seus negócios, em resposta às expectativas de investidores cada vez mais exigentes em sustentabilidade. A premissa por trás do conceito ESG é que a riqueza tenderá a fluir na direção daqueles que estão dispostos a aderir a um novo mundo, que valoriza a sustentabilidade e o impacto social. É esperado que a crise climática e as metas globais de descarbonização tenham crescente impacto na definição das métricas ESG que passarão a aferir o desempenho de empresas, negócios e investimentos.

Outra preocupação para países que insistem em não tomar medidas para a redução das suas emissões é a decisão recente da União Europeia (UE) pela implementação de um “mecanismo de ajuste de carbono na fronteira”. Quando adotado, tal mecanismo dará aos países importadores condições de impor tarifas a empresas que se aproveitam de regulações ambientais frouxas nos seus países de origem. Após o anúncio da UE, o partido democrata nos Estados Unidos também propôs a criação de uma versão americana de imposto sobre as importações de carbono de países que carecem de políticas climáticas robustas. Canadá e Japão já sinalizam interesse em mecanismo semelhante.

O Brasil tem razões de sobra para se preocupar com a conformação da agenda climática e das expectativas e metas de descarbonização em âmbito global. As temáticas relacionadas a desmatamento ilegal e à integridade de biomas sensíveis e críticos para toda a humanidade, como a Amazônia, colocam o país em grande evidência. Evidência que enseja intenso escrutínio sobre as questões ambientais brasileiras, nem sempre com narrativas e avaliações corretas e justas, o que exige de nós substancial esforço em inteligência estratégica e diplomacia.

A perspectiva da consolidação de tributos sobre as importações de carbono, em diferentes países e mercados é clara indicação de que a política climática estará cada vez mais entrelaçada à política comercial, com repercussões certas para a agricultura e os sistemas alimentares no futuro. Razão por que o assunto demanda especial atenção, considerando a nossa posição de grande exportador agrícola, crescentemente pressionado a retomar uma agenda climática ousada.

Maurício Antônio Lopes, Pesquisador da Embrapa

 

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in EcoDebate, ISSN 2446-9394

 

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