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Artigo

Fórum Mundial da Água: o gato se veste de lebre, artigo de Flávio José Rocha da Silva

 

artigo de opinião

 

[EcoDebate] A cidade de Brasília sediará o 8º Fórum Mundial da Água entre os dias 18 e 23 de março de 2018. No site do evento podemos ler que “O Fórum Mundial da Água é o maior evento relacionado à água do mundo e é organizado pelo Conselho Mundial da Água (WWC), uma organização internacional que reúne todos os interessados ??no tema da água.” Há até mesmo uma consulta online onde todos são convidados a sugerir ideias a serem discutidas e a promessa de que as vozes dos participantes serão possivelmente adicionadas às discussões durante as datas do evento na capital brasileira. Vale ressaltar que 40% dos gastos com o Fórum serão bancados pelos governos federal e do Distrito Federal. A promessa é discutir como a água pode chegar ao maior número possível de pessoas no mundo. Parece coisa boa falar de acesso a água para todos, mas o gato se disfarça de lebre com mais frequência do que imaginamos. Será que as vítimas da privatização da água no planeta também serão convidadas para contar as suas histórias?

Comecemos por conhecer um pouco mais sobre a entidade organizadora do evento, o Conselho Mundial da Água (CMA). Esta organização é presidida atualmente pelo brasileiro Benedito Braga, que também é o Secretário de Saneamento e Recursos Hídricos do Estado de São Paulo. Esta secretaria estadual paulista é a responsável pela Sabesp, órgão que ficou bastante conhecido durante a crise da falta de água nas torneiras de São Paulo há poucos anos e foi acusada por vários especialistas na questão hídrica de não ter investido o necessário na infraestrutura de abastecimento de água para privilegiar os seus acionistas (49% da Sabesp pertence a empresas privadas) em detrimento dos usuários, sendo essa uma das causas da crise.

O CMA afirma em seu site que é financiado por taxas pagas pelos seus membros e doações de governos e organizações internacionais, embora não cite os nomes das organizações doadoras ou a quantia por elas doadas. Entre os membros listados estão governos, grandes ONGs, empresas que controlam a distribuição de água em várias partes do planeta, entre outros. Sabe-se que o Banco Mundial é muito próximo ao Conselho, assim como é de conhecimento público que o Banco Mundial lidera uma campanha internacional pela privatização da água difundindo a ideia de que a esta tem um valor econômico como qualquer outro recurso natural e que a única forma de fazer com que seja acessível a todos é sendo administrada pela iniciativa privada.

Em seus documentos, o CMA prega a busca pela boa gestão da água para alcançar a universalização do saneamento básico. Também externa a preocupação com o que pode acontecer ao setor produtivo caso haja um colapso no acesso a água. Para que uma boa gestão aconteça, recomenda que o setor privado seja parte integrante do sistema de distribuição da água. Sabemos que o setor público não pode gerir todas as demandas da sociedade, mas será a água uma demanda qualquer? Por que então mais de 200 cidades no mundo inteiro que tinham a água distribuída por empresas privadas retomaram o seu controle nos últimos anos, a exemplo de Paris? E o que dizer de cidades nos Estados Unidos, Honduras ou aqui no Brasil que estão em luta para que suas cidades não tenham a distribuição dos seus recursos hídricos privatizados?

A ausência sobre o gasto de água com a irrigação do agronegócio industrial também é notada nos documentos e nas discussões do CMA, sendo que este setor sozinho gasta cerca de 70% da água doce no mundo. Este seria um tópico essencial para ser discutido em Brasília se realmente o CMA estivesse preocupado em preservar os nossos mananciais e promover o acesso a água de qualidade às populações carentes.

Há algo mais a se ressaltar sobre o Conselho Mundial da Água e os fóruns por ele organizados. Eles nunca mencionam a água como um direito humano que deve ser garantido pelo Estado. Por isso é preciso tomar muito cuidado com a promessa da pretensa universalização do saneamento básico preconizada por estas organizações. Não por coincidência, o governo Temer, através do BNDES, está forçando estados a privatizarem as suas companhias de distribuição de água com a desculpa de que isto aliviará as contas públicas estaduais e que as empresas compradoras melhorarão o serviço de abastecimento nestes estados. O Rio de Janeiro foi o primeiro a privatizar a sua companhia, a CEDAE, mesmo sendo ela uma empresa lucrativa.

Sabendo que o gato pode vestir uma fantasia de lebre para encantar o público, movimentos sociais estarão organizando, nas mesmas datas, o Fórum Alternativo Mundial da Água. Será uma forma de confrontar o discurso neoliberal, lutar contra a privatização do nosso patrimônio hídrico e mostrar que o miado pode até ser diferente, mas o gato sempre vai ser o gato, independente da fantasia que esteja vestindo.

Flávio José Rocha da Silva é doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP e administra a página OPA -Observatório da Privatização da Água – no Facebook

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 11/07/2017

[cite]

 

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2 thoughts on “Fórum Mundial da Água: o gato se veste de lebre, artigo de Flávio José Rocha da Silva

  • Flávio, muito obrigado por nos informar sobre o Fórum Mundial de Águas a se realizar em Brasília.
    Você saber se faz parte dos tópicos de discussão algo a respeito do reúso da água?

  • Para o oficial de Meio Ambiente da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no Brasil, Massimiliano Lombardo, é muito importante aumentar a aceitação pública do reúso da água. “No mundo, já há experiências de reúso em larga escala, inclusive para o consumo humano”, diz. Um dos porta-vozes dessa prática é o fundador da Microsoft e filantropo Bill Gates. Há dois anos, ele anunciou o desenvolvimento, no Senegal, de uma máquina que transforma detritos em água potável em segundos. Em seu blog, ele postou uma foto na qual aparece tomando a água produzida pelo chamado Omniprocessor, que, além de filtrar e tratar o líquido, reaproveita o resíduo como adubo e gera energia.
    De acordo com o oficial da Unesco, em Cingapura, a população bebe água reciclada dos esgotos, completamente renovada e segura. Porém, Lombardo esclarece que, no Brasil, onde a escassez não é tão grave, o foco do reúso de águas residuais não é o consumo humano. Aqui, os principais alvos são a indústria e a agricultura, como no caso da Aquapolo Ambiental do Polo Petroquímico da Petrobras, que estima ter economizado em 2015 35 bilhões de litros de água doce.

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