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Plantas brasileiras recém-descobertas já correm risco de extinção

 

Plantas brasileiras recém-descobertas já correm risco de extinção. Entrevista especial com Renato Goldenberg

 

Plantas brasileiras recém-descobertas já correm risco de extinção
Foto: IHU

 

IHU

Apesar de a biodiversidade brasileira ser conhecida no mundo todo como a mais rica e diversificada do planeta, ainda existem enormes dificuldades e desafios quando se trata de conhecer a flora de regiões como o Sul da Bahia, o Espírito Santo e a Amazônia, diz o engenheiro agrônomo e biólogo Renato Goldenberg à IHU On-Line, na entrevista a seguir, concedida por telefone.

Pesquisador do projeto “Diversidade da flora vascular e status de conservação das espécies endêmicas em três unidades de conservação da Floresta Atlântica Montana no estado do Espírito Santo”, Goldenberg tem pesquisado e classificado novas espécies de plantas no Espírito Santo e afirma que mesmo espécies recém-descobertas já correm risco de extinção. Segundo ele, isso ocorre, de um lado, porque há dificuldades em estudar as plantas dessas regiões, visto que o “histórico de coletas é muito pobre” se comparado a grandes centros como São Paulo e Rio de Janeiro e, de outro, porque as espécies descobertas “ocorrem em uma área intensamente habitada na periferia da região metropolitana de Vitória, e é muito difícil conservar qualquer espécie da biodiversidade em regiões como essa por conta da superpopulação”.

Na entrevista a seguir, Goldenberg também comenta a necessidade de se pesquisar a biodiversidade da Amazônia e do Cerrado. “É mais urgente estudarmos a flora da Amazônia, justamente porque não a conhecemos completamente. De outro lado, em razão da taxa de destruição, é urgente estudarmos o Cerrado, porque em meio século ele deixará de existir”, aconselha. Apesar dessa demanda, frisa, “agora existe o risco de não conseguirmos tocar os projetos” por conta da crise brasileira.


Renato Goldenberg | Foto: UFPR

Renato Goldenberg é graduado em Engenharia Agronômica pela Universidade de São Paulo – USP, mestre e doutor em Biologia Vegetal pela Unicamp. Atualmente é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como está sendo feita a sua pesquisa de identificação e classificação de novas plantas em três unidades de conservação no Espírito Santo? Essa pesquisa se restringe a áreas do Espírito Santo ou envolve outras regiões do país?

Renato Goldenberg – O projeto do qual essa pesquisa faz parte foi financiado pela Fundação Grupo Boticário da Natureza em 2008. O projeto financiou a coleta, por parte da nossa equipe, de plantas em três Unidades de Conservação – UCs no Espírito Santo. Depois que essas plantas são coletadas, há um longo processo de maturação e identificação de todas elas, justamente porque a identificação das espécies é muito demorada. Uma planta coletada em 2009, por exemplo, há sete anos, fica num herbário pelo qual passam especialistas do mundo todo. No Brasil, em geral, essas plantas ficam no herbário do Jardim Botânico do Rio de Janeiro.

Para saber se uma determinada espécie de planta é nova ou não, primeiro temos que ter acesso a toda a bibliografia já publicada sobre esse gênero, e isso inclui analisar os materiais fundadores, ou seja, trabalhos sobre tipos nomenclaturais publicados em francês, em 1850, em inglês, em 1871, e em latim, em 1828, os quais nos permitem identificar as famílias das plantas. A maior parte desses trabalhos não está no Brasil e essa é uma grande dificuldade que temos ao trabalhar com diversidade, justamente porque as primeiras espécies descobertas no Brasil foram descritas no final do século passado, e os primeiros coletores e botânicos não eram brasileiros, mas alemães, franceses, ingleses ou norte-americanos. Logo, os tipos nomenclaturais estão listados no exterior e a pesquisa sobre a identificação de novas espécies se torna mais difícil.

Para saber se a espécie de uma planta é nova, tenho que compará-la com toda a bibliografia existente, ou seja, não pode ser com 99% da bibliografia, mas com 100%. Além disso, é preciso comparar todos os tipos nomenclaturais, e com base nessas comparações chegamos à conclusão de se a espécie é nova ou não. Apesar de todo esse processo, nossa finalidade não é descrever uma espécie nova, e sim compreender quais são as espécies que existem.

Biodiversidade desconhecida

Feita essa explicação inicial sobre como funciona o processo de descobrir e descrever novas espécies, posso dizer que a Mata Atlântica é um ambiente biodiverso e algumas regiões da Mata Atlântica são mais bem amostradas do que outras regiões do país, justamente porque toda a região do Rio de Janeiro, principalmente a que está localizada atrás dos morros cariocas, foi o primeiro lugar em que se começou a coletar espécies no Brasil. O Rio de Janeiro tem dois dos cinco maiores herbários do país. Do mesmo modo, São Paulo e os estados do Sul têm várias universidades que possuem herbários importantes. O problema começa justamente quando queremos conhecer a biodiversidade de estados como o Espírito Santo ou de regiões como a do sul da Bahia, que são lugares extremamente diversos desses estados que mencionei anteriormente e onde o histórico de coletas é muito pobre.

A verdade é que nós botânicos – e com isso vou fazer uma autocrítica -, costumamos sempre coletar as espécies nos mesmos lugares, o que dificulta a descoberta de novas espécies

Sabemos que existem diversas espécies restritas que ocorrem só nesses lugares e que nunca foram coletadas. Logo, tentando responder a sua pergunta, a pesquisa foi realizada no Espírito Santo justamente para tentar identificar a biodiversidade da região. Entretanto, o ritmo de descrição das espécies novas é proporcional ao conhecimento da flora. Assim, a quantidade de espécies novas descritas para São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul é superbaixa, enquanto a quantidade de novas espécies existentes no Espírito Santo e na Bahia é enorme. Nos últimos 15 anos pesquisando a biodiversidade do Espírito Santo, só eu, trabalhando individualmente com uma família, já descrevi entre 20 e 30 espécies. Na Bahia, por exemplo, também foram encontradas entre 20 e 30 novas espécies.

IHU On-Line – Que outras regiões do Brasil ainda são potenciais para o descobrimento de novas espécies, além da Bahia e do Espírito Santo?

Renato Goldenberg – A verdade é que nós botânicos – e com isso vou fazer uma autocrítica -, costumamos sempre coletar as espécies nos mesmos lugares, o que dificulta a descoberta de novas espécies. Ainda existem vários locais ao longo da Mata Atlântica que são pouco coletados por dificuldade de acesso. Mesmo nos estados em que são feitas muitas coletas, como no Rio de Janeiro e em São Paulo, muito material novo e desconhecido ainda pode ser coletado. Além do Espírito Santo e da Bahia, existem algumas regiões mais ao Norte, no Nordeste, de altitude mais elevada, onde existem florestas mais úmidas, que também são lugares ricos em biodiversidade, mas onde são realizadas poucas coletas. Especialmente nas montanhas do Espírito Santo e da Bahia e ao Leste e ao Sul de Minas Gerais, ainda existem bastantes espécies para serem conhecidas.

IHU On-Line – Em quais biomas brasileiros as plantas são mais desconhecidas?

Renato Goldenberg – No Brasil como um todo, certamente na Amazônia e, nesse sentido, é mais urgente estudarmos a flora da Amazônia, justamente porque não a conhecemos completamente. De outro lado, em razão da taxa de destruição, é urgente estudarmos o Cerrado, porque em meio século ele deixará de existir.

IHU On-Line – Um dos fatos que chamam a atenção na sua pesquisa é que algumas das plantas recém-descobertas correm risco de extinção. Já é possível identificar os fatores que põem essas plantas em risco e que medidas poderiam ser tomadas para que a espécie possa se desenvolver?

Renato Goldenberg – Primeiro vou explicar como analisamos e como entendemos o risco de extinção e depois vou comentar o tópico da conservação. Existem critérios técnicos que determinam se uma espécie corre ou não risco de extinção: o primeiro deles leva em conta a distribuição geográfica da espécie, e o segundo critério considera o local onde essas plantas ocorrem, justamente para verificar se a quantidade de plantas no local é pequena ou não, se o local é ameaçado por algum tipo de empreendimento, por mudanças climáticas ou pelo que quer que seja.

O que acontece com essas espécies descobertas no Espírito Santo é que elas ocorrem em uma área intensamente habitada na periferia da região metropolitana de Vitória, e é muito difícil conservar qualquer espécie da biodiversidade em regiões como essa por conta da superpopulação. Nós coletamos essas espécies no campo e encontramos, para duas dessas espécies, populações superpequenas. As duas espécies que estão ameaçadas têm pelo menos uma população de cada uma delas dentro de uma Unidade de Conservação, que é a Reserva Biológica de Duas Bocas, no município de Cariacica. Ainda assim elas estão sob risco porque a quantidade de plantas existentes é muito pequena. É possível que daqui a alguns anos alguém colete plantas iguais em outros lugares e, por conta disso, podemos mudar a estatística em relação ao risco de extinção delas, embora seja pequena a probabilidade de plantas como essas serem encontradas em outros lugares.

Então, devido à distribuição geográfica restrita, à ocorrência de pouquíssimas espécies e à pressão que ocorre sobre essas áreas naturais onde essas plantas se desenvolvem, elas têm um risco de extinção bastante alto. Elas só não estão criticamente em perigo porque existem populações dentro das Unidades de Conservação. Apesar disso, há uma preocupação com o desenvolvimento dessas espécies, justamente porque está em curso uma revisão de áreas de proteção ambiental no país para atender a interesses econômicos.

É necessário minimamente mantermos as Unidades de Conservação tais como elas estão

Sobre a segunda parte da sua pergunta, acerca de como preservar essas espécies que estão em extinção, eu diria que em primeiro lugar é preciso conter o que o governo está querendo fazer, ou seja, é fundamental não intensificar a atuação humana sobre as Unidades de Conservação. É necessário minimamente mantermos as Unidades de Conservação tais como elas estão. Em segundo lugar, diria que existem ações individuais que podemos efetuar sobre essas plantas. Essas ações envolvem a conscientização das pessoas que vivem ao redor dessa biodiversidade, e a conscientização da administração das UCs de que existem plantas que só ocorrem em determinadas Unidades.

IHU On-Line – Há um discurso recorrente sobre a importância de se conhecer e preservar a biodiversidade brasileira. Nesse sentido, quais são os incentivos dados para a realização desse tipo de pesquisa no país?

Renato Goldenberg – Você me faz essa pergunta em uma época muito difícil para nós. Sempre foi difícil fazer pesquisa no Brasil, porque nunca recebemos muitos incentivos, principalmente em termos financeiros, mas pelo menos existiam instituições com um peso e com recursos humanos suficientes para manter esse tipo de pesquisa andando. Hoje em dia não sabemos se teremos universidade pública e financiamento do CNPq para os próximos anos; aliás, não sei se terei meu emprego como professor da universidade pública daqui a cinco anos, porque a pressão atualmente é muito grande. Os cortes recentes no CNPq não são restritos à nossa área; os cortes de verbas e de financiamento do CNPq são para o país inteiro, para todos os pesquisadores. Portanto, não é só esse tipo de pesquisa que desenvolvo que está correndo perigo, na verdade é todo o sistema de ensino e pesquisa no Brasil que está em risco.

O incentivo e o investimento sempre foram insuficientes no país, mas era um insuficiente com o qual conseguíamos dar andamento aos trabalhos. Agora, no entanto, existe o risco de não conseguirmos tocar os projetos. Desculpe meu pessimismo, talvez seja exagerado, mas hoje temos, basicamente, financiamentos do governo e de algumas poucas fundações particulares. Inclusive, no Brasil há muito poucas fundações particulares que apoiam a pesquisa. Existem alguns programas da Fundação Boticário e da Natura, principalmente da Fundação Boticário que, tradicionalmente, financia pesquisa, especificamente, de conservação e em alguns casos de conhecimento das espécies nativas para a conservação. Fora isso, a maior parte dos programas de financiamento é feita pelo CNPq.

IHU On-Line – De outro lado, existem financiamentos de fundações estrangeiras que têm interesse em estudar a biodiversidade brasileira?

Renato Goldenberg – Não. O que existem são iniciativas individuais de alguns poucos pesquisadores. São projetos de pesquisadores estrangeiros, que envolvem pesquisadores brasileiros, e eu mesmo faço parte de um desses projetos. Cada país financia a sua pesquisa com restrições ao financiamento de pesquisadores estrangeiros, e isso é completamente compreensível. Eu participo, por exemplo, de um projeto com um grupo de pesquisadores do Jardim Botânico de Nova York. Não recebo nenhum incentivo financeiro para isso. Eles me dão apenas um “apoio moral”, e a nossa produção científica é boa por causa deles, porque eu posso enviar alunos para trabalhar nos laboratórios de lá, o que é bastante importante, e eles financiam pesquisas de campo quando vêm fazer alguma pesquisa no Brasil.

No país existe um grande preconceito e medo em relação aos pesquisadores estrangeiros que vêm para cá, porque em geral se acha que eles vão roubar nossas pesquisas ou a biodiversidade, mas não é o caso, eles não têm a intenção de levar o nosso patrimônio para fora.

(EcoDebate, 12/05/2017) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

 

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