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Artigo

A crise hídrica perfeita, artigo de Roberto Malvezzi (Gogó)

 

seca

 

[EcoDebate] São cinco fatores fundamentais que geram a atual crise hídrica brasileira.

O primeiro, alertado por vários cientistas, é a possível ruptura no ciclo de nossas águas. Em resumo, grande parte delas tem origem na evapotranspiração da floresta amazônica, sendo carreada para o sul, centro-oeste e sudeste pelos rios voadores. Com a derrubada da floresta amazônica os rios voadores estão perdendo força.

Completa essa ruptura o desmatamento do Cerrado, que tem como consequência sua impermeabilização. O Cerrado não está na origem do ciclo de nossas águas, mas tem o papel fundamental de armazená-las em tempos de chuva e depois liberá-las para nossas bacias hidrográficas em tempos de estiagem. É o que os técnicos chamam de vazão de base. Ela garantia a perenidade de nossos rios, a exemplo do São Francisco. Hoje porém, com menos absorção, não garante mais.

O segundo fator é a escassez qualitativa. Destruídos, poluídos, muitas vezes os mananciais estão ao lado de nossas casas, cortando nossas cidades, mas impróprios para o consumo humano e doméstico. O exemplo mais clássico são as águas do Tietê do Pinheiros em São Paulo. Mas podemos estender essa lógica a todos os rios que atravessam centros urbanos, desde os pequenos até os grandes.

O terceiro fator é a expansão do uso da água para fins econômicos, particularmente a agricultura irrigada. Hoje temos 6 milhões de hectares irrigados e eles são responsáveis por 72% da água doce consumida no Brasil. Entretanto, estudiosos dizem que temos potencial para mais 29 milhões de hectares – outros falam em 60 milhões -, sobretudo no território do agronegócio chamado de MATOPIBA, iniciais de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.

O quarto fator é o hidronegócio. A mercantilização da água despertou cobiça no mundo inteiro em seus múltiplos usos, particularmente dos serviços de abastecimento urbano e na água envazada. Quando um bem essencial à vida como a água é apropriado privadamente e mercantilizado, passa a ser gerido pelas regras absolutistas do mercado. A consequência é o preço exorbitante da água para populações mais pobres e o lucro soberbo das empresas que adquirem esses serviços. O que aconteceu em Itu e nas periferias da grande São Paulo ilustram esse fator de forma cabal.

Finalmente, o descuido. Não temos nenhuma política de educação, ética do cuidado com nossos mananciais ou a utilização de nossas águas. Mesmo quando a questão é abordada, simplesmente prefere-se transferir o problema para os consumidores domésticos, exatamente a parte menos influente na crise.

A ruptura do ciclo das águas + escassez qualitativa + expansão da demanda + hidronegócio – cuidado. Eis a equação da crise perfeita e perversa.

Roberto Malvezzi (Gogó), Articulista do Portal EcoDebate, possui formação em Filosofia, Teologia e Estudos Sociais. Atua na Equipe CPP/CPT do São Francisco.

 

in EcoDebate, 05/08/2015

[cite]


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3 thoughts on “A crise hídrica perfeita, artigo de Roberto Malvezzi (Gogó)

  • O Roberto Malvezzi toca em assuntos muito oportunos.
    No entanto, penso que a atual crise da água não está sendo gerada tanto por esses fatores, mas, principalmente, pela maior seca da história.
    A ruptura do ciclo das águas está longe de acontecer. Temos a maior floresta tropical do mundo apesar dos desmatamentos já feitos. Tivemos recentemente a boa notícia de que os desmatamentos estão reduzindo sensivelmente. No ano passado, foi verificada a menor taxa de desmatamento das últimas décadas.
    A escassez qualitativa é realmente preocupante, mas nada que não possa ser solucionado com o tratamento eficaz do esgoto sanitário que, infelizmente, não está sendo feito como deveria, porque ainda não se vislumbrou seu valor econômico.
    A expansão da demanda pela agricultura irrigada é algo facilmente solucionável. Israel consegue produzir tomates no deserto com agricultura irrigada. A questão é qual o modelo de agricultura irrigada vamos adotar. Vamos continuar usando pivô central ou será generalizado o uso do gotejamento?
    O hidronegócio é, a meu ver, algo imprescindível para o progresso do país. Na atual crise econômica, a agricultura em geral e o hidronegócio em particular foram as únicas atividades que não mostraram redução no último ano.
    A questão é a reutilização da água, o que não vem sendo feito de forma adequada.
    Quando vejo a utilização de grandes volumes de água em minerodutos sem qualquer preocupação de reúso, entendo que devemos pressionar nossos representantes a legislar contra tal absurdo.

  • De fato, percebo que o problema tem sido transferido principalmente para o consumidor doméstico, que é como o autor comentou, a parte menos influente na crise.
    Segundo a ONU, 70% do consumo de água é consumida na agricultura, 22% na indústria e apenas 8% no consumo doméstico. Logo, se o consumidor doméstico economizar 20% do consumo diário, que já é percentualmente relevante e muitos já alcançaram esta meta, a economia no volume total oferecido será de apenas 1,6%. Portanto, para onde deveriam se concentrar as ações que promovam o uso racional de água? Para a agricultura e indústria. É principalmente estes setores que têm de buscar a eficiência hídrica em seus processos. Parabéns àqueles que conseguiram efetuar a necessária economia no seu consumo doméstico, mas os esforços devem ser direcionados principalmente ao que é mais representativo. Outro dado que pode deixar os consumidores domésticos mais frustrados, é que o Brasil registra também elevado desperdício: de 20% a 60% da água tratada para consumo se perde na distribuição.

  • O CAPITALISMO É O RESPONSÁVEL.

    Parabenizo o autor pelo excelente artigo, mas considero que faltou apontar o verdadeiro responsável por este enorme desastre, que se encontra em fase inicial e deverá evoluir até instalar-se um colapso planetário total. O nome do responsável por essa onda de calamidades é REGIME CAPITALISTA, o qual, apoiado pelas religiões, promove o crescimento populacional da espécie humana, sem o qual seu intuito principal – desenvolvimento econômico constante e contínuo, segundo sua lógica – não poderá ser alcançado.

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