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Brasil está preparado para o pré-sal?

 

“O acidente da Chevron é um cartão amarelo, uma sinalização muito explícita e evidente. Agora todos estão avisados de que a exploração do pré-sal e em águas oceânicas brasileiras precisa ser feita com mais cuidado do que em relação a como vem sendo conduzida. Uma mudança radical precisa ser feita, e a sociedade precisa cobrar isso”, comenta o geógrafo David Zee em entrevista ao IHU.

Com a ampliação da exploração no pré-sal, em profundidades ainda maiores, a possibilidade de acidentes graves irá aumentar. O Greenpeace a partir do vazamento na bacia de Campos colocou em dúvida o aproveitamento do pré-sal.

Para Carlos Minc, ex-ministro do meio ambiente, o acidente foi um sinal vermelho: “Não existe risco zero. O pré-sal vem aí”, disse ele, reconhecendo a necessidade de “medidas mais preventivas e rigorosas”. A jornalista Cristina Grillo comenta: “ Se um erro desses acontece no pós-sal, território razoavelmente conhecido pelas petroleiras, fico imaginando o que poderia acontecer no ainda desconhecido mundo do pré-sal”.

David Zee alerta: “Esse acidente vem corroborar ainda mais a ideia de que é preciso desenvolver novas tecnologias, aperfeiçoar a segurança e, principalmente, investir recursos na manutenção, prevenção e compra de equipamentos e treinamento de pessoal para saber agir nesses momentos de acidente. Quanto mais investimentos forem feitos, menores serão os riscos”.

O geógrafo, porém, faz um adendo: “Entretanto, jamais poderemos dizer que será possível zerar o risco porque, a cada dia, avança-se mais na exploração de petróleo no fundo do mar. Antes, perfurava-se a 1000 metros de profundidade e se pensava que perfurar a 1200 metros era algo fenomenal. Entretanto, hoje já estão perfurando a 2000 metros de profundidade. Então, o homem é muito ousado e está em constante avanço. É preciso aliar a ousadia do desenvolvimento com a prudência da precaução”.

A preocupação com o Pré-Sal aumenta na medida em que o acontecido com a Chevron na Bacia de Campos revela que o país sequer tem um plano de contingência contra o derramamento de óleo.

O Plano nunca saiu do papel – apesar da potência da petrobras. O governo mantém em banho-maria desde 2003 um plano nacional de contingência contra vazamentos de petróleo de grandes dimensões. “Com um plano, a ação de resposta a esse vazamento [na bacia de Campos], poderia ter sido mais rápida”, diz Rômulo Sampaio, coordenador do Programa em Direito e Meio Ambiente da FGV.

Na época da tragédia do golfo do México (2010), o governo brasileiro reafirmou o seu compromisso com a elaboração de um plano de segurança contra o derramamento de óleo. Porém, pouco se fez de lá para cá. “O Brasil não está preparado para evitar ou conter vazamentos de petróleo: o investimento em tecnologia preventiva é exíguo e o Plano Nacional de Contingência, embora previsto em lei, nunca saiu do papel”, diz o historiador ambiental Aristides Soffiati, do núcleo de estudos socioambientais da UFF de Campos.

Segundo Soffiati, “governo e empresas têm dado ênfase na pesquisa de prospecção de petróleo e pouco se tem avançado no desenvolvimento de tecnologia preventiva. Precisamos de robôs, sensores e outros equipamentos que consigam identificar vazamentos com precisão, de modo a permitir uma rápida reposta”.

O biofísico José Luiz Bacelar Leão, que era consultor do Ibama na época em que a instituição estava desenhando o atual marco regulatório, frisa que as leis e decretos não saíram do papel “por falta de vontade política” e por pressão das empresas. “Investir em emergência é sempre uma despesa a mais. É tradição no nosso país evitar esse tipo de desembolso, e a ANP acaba trabalhando em prol das empresas”, destaca.

Curiosamente, o pré-sal ao contrário de reforçar medidas de segurança pode até abrandá-las, destaca Michael Kepp, jornalista americano radicado há 28 anos no Brasil. Segundo ele, “a ideia de que o vazamento de petróleo da Chevron pode fazer o Brasil adotar regras mais rigorosas para a exploração e produção (E&P) de petróleo em águas profundas não passa de fantasia”.

E explica porque: “Um Brasil autossuficiente em petróleo esquecerá esse vazamento muito menor da Chevron por motivo diferente: o pré-sal. As reservas podem em dez anos fazer do Brasil um grande e rico exportador de petróleo. E esses potenciais petrodólares não permitirão que o país reconsidere os riscos de exploração dos campos do pré-sal, que ficam a profundidade seis vezes maior que a da área que a Chevron explorava”.

Segundo o jornalista que acompanha a temática, o Brasil está preocupado mesmo é em aumentar a produção e explorar o pré-sal. Uma manifestação evidente disso é o debate em torno dos royaltes. A questão da segurança na exploração não é um tema que se encontre na ordem do dia.

O alerta do biólogo Salvatore Siciliano, coordenador do Grupo de Estudos de Mamíferos Marinhos da Região dos Lagos (GEMM-Lagos), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) faz pensar: “Estamos às vésperas do Rio +20 e o Brasil está seguindo na contramão ambiental muito séria. Voltamos ao tempo do desenvolvimento a qualquer custo. Estamos pensando no pré-sal mas ainda não conseguimos lidar com vazamentos”.

Ainda mais grave: o incidente foi com uma petroleira americana e se fosse com a Petrobrás? A tendência a minimizar o problema seria ainda maior. Registre-se que a Petrobrás tem o seu quinhão de responsabilidade, uma vez que detinha percentagem societária na exploração do poço.

Nos últimos dias, aliás, veio à tona o fato de que vazamentos de petróleo no Brasil são mais comuns do que se pensa e a Petrobrás não é tão “limpa” como se acredita. A empresa brasileira, um dos orgulhos nacionais, encerrou o ano passado poluindo mais e recebendo um grande volume de autos de infração dos órgãos de fiscalização. Em 2010, a estatal registrou 57 vazamentos, contra 56 ocorrências em 2009. O volume de petróleo e derivados derramado cresceu cerca de 163%, pulando de 1.597 mil barris, em 2009, para 4.201 mil barris espalhados na natureza no ano passado, quase o dobro dos 2.400 barris que teriam vazado do poço da Chevron no campo de Frade (Bacia de Campos), onde a Petrobras tem 30%.

Após o caso Chevron se reavivou também o debate ideológico acerca de quem deve ficar com pré-sal. O presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras, Fernando Siqueira, espera que o vazamento sirva de impulso para a revisão da lei do pré-sal, com o objetivo de garantir exclusividade à Petrobras na exploração da área. A lei, sancionada em 2010 pelo presidente Lula, determina a realização de leilões para definir qual empresa explorará cada poço, mas caberá à Petrobras o papel de operadora, com 30% da futura sociedade exploratória. Para Siqueira, o know-how da Petrobras em águas profundas diminui os riscos do processo e garante que o produto será utilizado em benefício dos brasileiros.

A análise da conjuntura da semana é uma (re)leitura das ‘Notícias do Dia’ publicadas, diariamente, no sítio do IHU. A análise é elaborada, em fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT – com sede em Curitiba, PR, parceiro estratégico do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

(Ecodebate, 29/11/2011) publicado pela IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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