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Caso Chevron: Negligência e ausência do Estado

 

Festival de negligência cerca o caso Chevron

Os desdobramentos do vazamento de petróleo num dos poços na bacia de Campos (RJ) operado pela empresa americana Chevron, se caracterizou no caso da petroleira, por absoluta falta de transparência, mentiras, omissão, arrogância e prepotência. Por parte do governo, reação tardia, desinformação, despreparo e falta de indignação.

A empresa desde o início omitiu e mentiu acintosamente. As informações do vazamento de petróleo vieram à tona apenas alguns dias após o acidente. Quem avisou à Chevron sobre o vazamento foi a Petrobas, sobrevoando o local em atividade rotineira da empresa. Tudo indica que a petroleira de capital americano – quarta maior produtora de petróleo do mundo entre as companhias privadas – escondia o vazamento para ganhar tempo.

Quando a empresa americana veio a público falar sobre o vazamento minimizou a gravidade do acidente. Primeiro disse que o volume de vazamento se limitava a 60 barris/dia, depois admitiu que poderia ser maior e falou em 400-650 barris/dia. O desmentido veio através de uma ONG americana SkyTruth que com base em imagens captadas pela Nasa, calculou o vazamento em 3.738 barris por dia, isso entre 9 e 12 de novembro, o mesmo período em que a Chevron insistia que o vazamento já se encontrava em queda.

Na sequência veio a segunda mentira. A empresa americana alegou a existência de uma falha geológica na região do vazamento. Botou a culpa na natureza: “Lidamos com a mãe natureza, e a mãe natureza é complicada”, disse Ali Moshiri, presidente da Chevron para África e América do Sul.

Os problemas de falha geológica foram minimizados posteriormente pela propria empresa e pela Agência Nacional do Petróleo – ANP, que constatou que o problema estava associado a um vazamento na extremidade do revestimento (sapata) de um dos poços perfurados pela Chevron. Isso significa que o vazamento ocorreu provavelmente por erro de operação do poço e não por falha natural alheia à responsabilidade da empresa.

O suposto problema ocasionado por falha geológica foi desmascarado pelo Greenpeace: “A Chevron declara que o vazamento é resultado de uma falha natural na superfície do fundo do mar, e não no poço no campo de Frade. Mas essa falha não aparecia no EIA (Estudo de Impacto Ambiental). O que aconteceu? Onde está o EIA de Frade?”, disse Leandra Gonçalves, da Campanha de Clima e Energia do Greenpeace.

Na realidade, a Chevron omitiu problemas no poço que vazava petróleo. A Chevron já havia detectado um vazamento de óleo no fundo do poço do campo de Frade, mas só mencionou o problema dias mais tarde. Até então, a empresa afirmava apenas que o óleo escorria por “falhas [fissuras] no fundo do mar” e chegava à superfície da água.

As mentiras por parte da Chevron continuaram, bem como sua postura negligente. Dias após o vazamento, a empresa afirmou à Polícia Federal que 18 embarcações cuidavam da limpeza na região. Em sobrevoo realizado na área, os agentes federais encontraram apenas uma embarcação cuidando da limpeza.

A empresa americana sequer dispunha de material e equipamento adequado para dar conta da gravidade do problema. O robô da empresa tinha capacidade limitada de atuação a uma profundidade de 1.200 metros. Por isso, ela teve de recorrer à Petrobras, sócia minoritária do Frade e operadora de um campo vizinho, para identificar a fonte do vazamento com precisão. Foi a estatal que emprestou à petrolífera americana equipamentos mais modernos para que ela pudesse pôr em prática seu plano de contenção, destaca Aristides Soffiati, do núcleo de estudos socioambientais da Universidade Federal Fluminense – UFF.

A empresa mentiu também quando afirmava dispor de plano de segurança em caso de acidentes. Segundo David Zee, doutor em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e perito responsável designado pela Polícia Federal para averiguar o vazamento de petróleo no Campo de Frade, “no plano dizia que a empresa exploradora de petróleo teria de ser capaz de monitorar qualquer tipo de vazamento”. Entretanto, diz ele, “quem descobriu o vazamento não foi a empresa, mas sim a Petrobras”.

Sobre as negligências da Chevron, há outros aspectos destaca o geógrafo em entrevista especial para o IHU: “O segundo item do plano de estratégia e emergência diz que a empresa tem que ser capaz de monitorar quanto óleo está sendo despejado no mar e até hoje nós não sabemos esse percentual. O terceiro item menciona que a empresa tem que ser capaz de remover o máximo possível de óleo que esteja contaminando o meio marinho. No entanto, não houve barreiras de contenção do óleo e muito menos barcos para retirá-lo do mar. O quarto item fala na dispersão do óleo residual que não se consegue retirar. Portanto, o plano está escrito no papel, mas não funciona. Em vez de a empresa seguir a sequência desses quatro itens, ela pulou imediatamente para o último deles e passou a dispersar o óleo no mar”, afirmou.

Uma sucessão de erros e mentiras foi o caminho adotado pela Chevron comenta Fernando Siqueira, presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras: “Primeiro a Chevron não percebeu o vazamento, que foi detectado pela Petrobras. Depois a empresa insinuou que o óleo era do campo de Roncador, da própria Petrobras, o que foi descartado pelo nosso centro de pesquisa [da estatal] após análise do DNA do petróleo. Confirmado a origem, a Chevron ainda subdimensionou o vazamento”.

As causas do vazamento foram ainda associadas à desconfiança de que a empresa americana estivésse querendo avançar no pré-sal. A Polícia Federal abriu uma linha de investigação se a Chevron tentou atingir pré-sal ao perfurar poço que vazou. Na tentativa, teria ocorrido a ruptura de alguma estrutura do poço perfurado, dando origem ao vazamento de petróleo na Bacia de Campos (RJ).

O ex-presidente da Associação Brasileira dos Geólogos de Petróleo, Nilo Azambuja afirma que as conjecturas que surgem em relação às causas do vazamento na Bacia de Campos, até mesmo as que vêm sendo investigadas pela ANP, não podem ser consideradas definitivas. Segundo ele, a Chevron poderia estar tentando alcançar o pré-sal, sem que isso represente uma irregularidade. “A área é dela, se quiser pode ir ao Japão”, afirmou ele.

Essa hipótese é contestada pelo presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras, Fernando Siqueira, para quem “a sonda que eles estavam usando tem mais de 35 anos e, portanto, é obsoleta para o pré-sal”. Tudo indica que a empresa trabalhava no limite para reduzir gastos e com equipamentos superados, e essa teria sido mais uma das causas do acidente. Desconfia-se ainda que a empresa operava com mão-de-obra imigrante que sequer passou pelo controle de entrada de estrangeiros nos aeroportos. A empresa refuta a acusação e diz que seus terceirizados estão dentro da lei.

A cada dia que se passa, os detalhes do vazamento dão conta que a empresa se orientou pela total falta de transparência e de forma arrogante e prepotente.

Sobre o comportamento da Chevron, comenta o jornalista Flávio Tavares: “Estão todas as safadezas conhecidas ou não, todos os crimes previstos ou possíveis, encobertos ou visíveis. As mentiras da empresa, o desprezo pela natureza e a arrogância de seus dirigentes pelo nosso país, a omissão e negligência de ministros e altos funcionários, a simulação dos laudos técnicos ou o silêncio em denunciar que nenhuma norma se cumpria e que o mar iria degradar-se por derrame de petróleo – tudo isto é demasiado para ser apenas soma de coincidências.

A propósito emenda o jornalista Elio Gaspari: “Alguém precisa avisar a Chevron que se ela se comportar nos Estados Unidos como vem se conduzindo no Brasil desde que começou a vazamento de petróleo no campo do Frade, arrisca sair do mercado. Passou seis dias calada e, quando abriu a boca, limitou-se a dizer que respeita as leis dos países e está mantendo diálogo constante com as agências competentes do governo brasileiro. Para a patuleia incompetente, nem uma palavra”.

A reação tardia e titubeante do governo brasileiro

Ao lado da absoluta falta de transparência, das mentiras e da omissão por parte da Chevron, viu-se uma reação tardia do governo brasileiro, beirando até mesmo a falta de indignação com o fato ocorrido. Manifestação dessa postura foi dada pelo ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, que disse mais de dez dias depois do vazamento que “a empresa está fazendo de tudo e que a Chevron não foi punida ainda porque há trâmites a seguir”.

Uma semana depois do ocorrido, o Ibama – um dos responsáveis pela verificação das dimensões do vazamento de petróleo – mantinha-se em silêncio. Limitou-se apenas a informar que os seus técnicos acompanhavam o cumprimento do plano de emergência da petroleira que, como depois se verificou, sequer existia.

A Agência Nacional do Petróleo – ANP, outro órgão responsável por monitorar, acompanhar e cobrar responsabilidades se mostrou desinformado, confuso, titubeante e apenas dias depois esboçou uma reação “indignada” pouco condizente com sua postura inicial vacilante e conivente diante da gravidade do problema. O jornalista Flávio Tavares destaca que a ANP “só se mexeu depois do feriado de 15 de novembro, e com absurda mansidão”.

A inércia do governo foi criticada pelo movimento ambientalista: “Até agora, a única fonte [informações do vazamento] é da própria empresa, que já deu várias informações desencontradas. A falta de transparência dos órgãos oficiais é um absurdo. É o fim do mundo o Ministério do Meio Ambiente não se pronunciar para dar uma satisfação à sociedade”, disse Leandra Gonçalves, coordenadora da campanha de oceanos do Greenpeace.

O primeiro balanço efetivo apresentado pela ANP saiu dez dias após o início do problema. A agência afirmou que as causas “parecem ter sido as operações realizadas pela Chevron”. Mais tarde, ingenuamente, o presidente da ANP Haroldo Lima disse: “Trabalhamos com informações falsas”.

Após os estragos verificados e apenas depois da amplitude e da repercussão do acidente ambiental, é que o Ibama e a ANP resolveram multar a empresa. O dirigente da ANP para minimizar a postura vacilante do órgão disse que a Chevron poderá perder o direito de participar da exploração do pré-sal.

Destaque-se que a multa contra a Chevron que pode chegar a R$ 150 milhões é considerada irrisória. “Para se ter uma ideia, 150 milhões representa 50 minutos de faturamento da empresa, ou seja, representa 1% dos investimentos que ela fez para a produção de petróleo na Bacia do Frade”, afirma o geógrafo David Zee em entrevista ao IHU. O mesmo comentou o jornalista e ambientalista André Trigueiro em seu Twitter: “Chevron responde por 4% do petróleo brasileiro, faturou U$8 bilhões no último trimestre.R$50 milhões de multa é #pinto”.

A análise da conjuntura da semana é uma (re)leitura das ‘Notícias do Dia’ publicadas, diariamente, no sítio do IHU. A análise é elaborada, em fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT – com sede em Curitiba, PR, parceiro estratégico do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

(Ecodebate, 29/11/2011) publicado pela IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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