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Baixo Parnaíba: Enrolando-se com pouco pano, artigo de Geraldo Iensen

No Povoado Coceira, pertencente ao município de Santa Quitéria, Maranhão as pessoas nos recebem com sorrisos e saudades; é um povo corajoso e lutador, que briga pela certificação de propriedade de suas terras, terras que seus progenitores habitam e cultivam há mais de cem anos. A luta é dura, a exemplo de comunidades vizinhas cujo processo de propriedade definitiva tramita há 19 anos.

Eucaliptos da Suzano nas proximidades das Comunidades Rurais em Santa Quitéria/MA
Eucaliptos da Suzano nas proximidades das Comunidades Rurais em Santa Quitéria/MA

Do Coceira seguimos pro Pau Serrado, assim como seu vizinho, cercado pelos eucaliptos envenenados da Suzano papel e Celulose. Levamos conosco Antonio Anisio, técnico em Agropecuária, pra oferecer um projeto de criação de patos e peixes pra comunidade.

Produção de alimentos em Pau Serrado-Santa Quitéria contrapondo-se a monocultura do eucalipto
Produção de alimentos em Pau Serrado-Santa Quitéria contrapondo-se a monocultura do eucalipto

E a observação do esquecimento e descaso que essas populações tradicionais vivem por parte de todos os âmbitos do poder público é uma coisa que salta aos olhos. A única “manifestação de obra” que se observa são pilhas de postes espalhadas pelas chapadas. É a eletrificação rural que chega para eletrocutar as populações. Sim, porque, no fundo, essa benfeitoria não é pra eles e sim pros projetos do agronegócio que ali se instalam, arrebentando as nascentes, as veredas, os buritizais, os bacurizais, os animais e o que mais se puser diante de seus correntões assassinos.

Se essa “luz” chega às populações é efeito colateral, pois não era pra eles. E assim são todos os outros Direitos Fundamentais e Sociais, tão lindamente postos na Constituição Federal, mas cuja chegada, oferta, acesso, às populações dos cerrados é tardia, deficitária ou inexistente ou… Os quandos se reduzem a nuncas, os nadas são os trambolhos do mundo, os nexos são esdrúxulos cantos pra quem não imagina que país há sob o Brasil da Globo ou dos concursos de miss e de garoto e garota fitness.

Há uns 20 anos, no zumbi Festival Maranhense de Teatro vi uma peça encenada por jovens de uma cidade das cercanias chamada “Assim é a vida no sertão”. Era um pastiche. Como uma novela mexicana levada ao palco e dublada por atores da coxia.

Mas é assim que se apresentam os problemas sociais dos sertões no Brasil: tudo vira um pastiche. Quem não lembra o choro do repórter Francisco José ao entrevistar a criança que transformou um ossuário numa fábula neorrealista? Tenho certeza que o repórter sofreu, mas o que foi no coração dele depois de ver sua dor exibida e apastelada em cadeia nacional? Nem sei! Tirando a Sandra Anemberg, acho que ninguém mais chora. Muito menos os homens. Nesse mundo novo de executivos poderosos com seus jatinhos e bilhões de dinheiros um homem que chora é menor do que o homem do século XIX que assim se comportava. Afinal os homens com H são o Eike Batista e o Bill Gates. O mundo está tão acoronelado quanto sempre.

Qualquer um que fuja do padrão capitalista é um sonhador, um homem das cavernas filosófico, um zinho. O mundo não o quer, só quer fulano, sicrano e beltrano, que são isso ou aquilo e têm isso ou aquilo. No começo dessa viagem pro Pau Serrado eu falava sobre “paradigmas” pro Anísio, um rapaz genial que começou a estudar aos 15 anos e hoje, aos 30, é um técnico do IFMA (Instituto Federal Tecnológico), cabeludo doce e corajoso a ponto de encarar as estradas de terra do nosso condado pra ir tentar melhorar a vida do povo do cerrado, esse cerrado que na concepção do Ministro da Agricultura Clovis Rossi não é nada, é apenas o éter aristotélico. Talvez as pessoas de lá, pra ele não sejam nada, ou pros seus pares sejam cada um, nada mais que um voto.

Enquanto isso, nós, que não temos tsunamis, vulcões ou ciclones, “arranjamos” a “Bancada Ruralista” e, assim, destruímos nossas nascentes, nossos rios e nossa fauna arrastando correntões sobre o verde e o amarelo da nossa bandeira. Sobre tudo isso, imaginem uma voz rouca e de língua presa disparando como padres e pastores disparam pragas e ameaças sobre incautos que “o brasileiro precisa consumir”. Só se for gastando o dinheirinho do bolsa-família em produtos chineses gentilmente recebidos via Porto de Santos, Punta del Leste; por que commodities não distribuem renda!

Nos caminhos do cerrado, que cortam as veredas, os buritizais, estradinhas infames que só carros traçados enfrentam, pelas beiradas, pilhas de postes anunciam a eletrificação rural. Bom pra eles, que pelo menos podem ter um congelador pra guardar a polpa de bacuri que gera renda nos primeiros quatro meses do ano. Pois bem, a energia chegou, mas no momento que os bacurizeiros são derrubados pra plantar eucalipto, pra fazer papel pra europeu e chinês limpar o… ou seja, a energia não é para as populações tradicionais que ocupam o cerrado do baixo Parnaíba há mais de cem anos, é pra Suzano Papel e Celulose, é para os grileiros-aríetes-do-liberalismo abocanharem mais terras e espantar mais gente dali pra fora.

Tudo que se faz, tudo que chega, toda benesse, não é para as populações do cerrado, por que estas, na concepção dos defensores do agronegócio são, antes de tudo, um empecilho para o “desenvolvimento” da região. São empecilhos pras monoculturas (de grãos, celulose e de paradigmas, afinal é uma visão só: de que é preciso derrubar o cerrado, não importam as nascentes, as populações, a Lei).

Mas nós vamos lá. Essas pessoas existem e são tão boas quanto os executivos dos jatinhos. Não é o ministro da agricultura, ou a senadora Katia Abreu (que quer detonar as matas ciliares), ou qualquer outro político Sassá Mutema de araque que vai apresentar um novo paradigma pro desenvolvimento do cerrado, da Amazônia ou do Nordeste. O projeto liberal taí, é herança capital, filhote das sesmarias, das capitanias hereditárias… nada mudou, principalmente aqui no condado.

Caminhar pelo cerrado, conversar com o povo, abrir o coração. Falar a gente simples e com os companheiros, trocar conhecimento e esperança. Foi assim que ao fim da viagem o Anísio me falou: “É… a gente olha e só vê aquilo que todo mundo vê, mas tem muitas outras coisas lá pra se ver; é só olhar e ver”. Caminhar pelo sertão é um choque de realidade, mexe com os paradigmas. Essa realidade que passa longe dos estrategistas políticos que “renovaram” a realidade brasileira.

Por isso que eu prefiro o Deusinho, o Sebastião, o Xavier, o Crispim, o Anísio… Que nem tem jatinhos!

Por: Geraldo Iensen – Jornalista/fotógrafo
Fotos: Fórum Carajás
http://www.forumcarajas.org.br/
Artigo publicado no blogue Territórios Livres do Baixo Parnaíba e enviado por Mayron Régis, articulista do EcoDebate.

EcoDebate, 28/07/2011

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2 thoughts on “Baixo Parnaíba: Enrolando-se com pouco pano, artigo de Geraldo Iensen

  • Antônio Batista Sousa Medeiros

    Muito bom e oportuno este artigo, que denucia e desabafa!
    Quem dera o Brasil todo pudesse ler e compreender! Teríamos um norte e mudaríamos essa rota.

  • Valdeci Pedro da Silva

    O artigo apresenta, com clareza, a lógica capitalista. Considero que estão de parabéns aqueles que não a compreendem, e, acredito que, para desgraça de todos, são poucos.

Fechado para comentários.