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Notícia

Movimentos sociais denunciam prisões arbitrárias de lideranças populares no Oeste da Bahia

A luta contra a grilagem de terras no Oeste do Bahia sofreu mais um golpe ontem, 25/03, em Santa Maria da Vitória, com a prisão de  João Cerrano Sodré, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais da região, e Marilene de Jesus Cardoso Matos, agente da Comissão Pastoral da Terra. A prisão é uma clara represália à atuação de ambos e das entidades que representam na luta pela sobrevivência das comunidades de fundo e fecho de pasto do Estado; o juiz argumenta que está sendo coagido por eles e usou isso  como fundamento para decretar a prisão preventiva dos dois.

Esta não é a única decisão desfavorável para os trabalhadores no Judiciário nos últimos anos; o mesmo juiz deferiu contra eles uma liminar de interdito proibitório em 2008 que tem sido usada por jagunços para impedir o livre trânsito dos posseiros. Além disso, quando estes denunciaram a violência há algumas semanas, o juiz preferiu entender que os posseiros haviam descumprido a liminar e determinou a penhora de cabeças de gado e outros bens necessários à sobrevivência dos agricultores.

O que teria motivado a prisão seria o envio de um ofício assinado por CPT e STR à Ouvidoria Agrária Nacional e à Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia denunciando estas ações. Segundo os pequenos agricultores das comunidades de Salobro, Quatis, Mutum e Pedra Preta, tratam-se de terras devolutas (de propriedade do Estado) griladas por grandes fazendeiros da região. Estes mesmos fazendeiros seriam responsáveis por ameaças e depredações a roças e animais dos posseiros, ao mesmo tempo em que entram na justiça contra eles para impedi-los de acessar seu próprio território.

O ofício acabou repercutindo também na Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, que enviou um pedido de esclarecimento ao juiz da comarca de Santa Maria da Vitória, responsável por emitir uma decisão que estava sendo usada como justificativa pelos fazendeiros para impedir o acesso dos pequenos agricultores à sua área. O juiz, alegando que teria sido intimidado por Marilene e João Sodré e que eles estariam se valendo de órgãos públicos para ameaçá-lo no cumprimento de sua função, decretou a prisão dos dois mesmo que não houvesse qualquer ameaça, explícita ou não, contida no ofício enviado por eles. Pior, o juiz atuou ao mesmo tempo como autor da ação penal e como juiz da causa, o que é proibido pela Constituição Federal e pela legislação.

Os pequenos agricultores vivem já há décadas na área, criando animais na solta, em regime de fundo de pasto, e cultivando pequenas roças. Em 2008,  a Coordenadoria de Desenvolvimento Agrário do Estado da Bahia começou a verificar se as terras de propriedades de grandes fazendeiros da região são ou não griladas e a regularizar as terras dos posseiros. A partir de então, tanto os pequenos agricultores quanto os próprios funcionários da CDA passaram a ser ameaçados por pistoleiros e jagunços supostamente a serviço dos fazendeiros, e estes entraram com uma ação de Interdito Proibitório para impedir as atividades dos primeiros. O juiz que está atuando neste processo, o mesmo que decretou a prisão de Marilene e João, decidiu em favor dos fazendeiros em processo sumaríssimo, sem possibilidade de recurso, mesmo com circunstâncias que impediriam que essa decisão fosse tomada dessa forma (interesse do Estado na área, valor da causa muito elevado). Além disso, determinou a penhora de bens dos posseiros e pequenos proprietários logo depois que eles denunciaram à Polícia as violências praticadas por jagunços.

Mais informações podem ser obtidas com a CPT (cptlapa@yahoo.com.br), o STR de Santa Maria da Vitória e São Félix do Coribe (strsmv@hotmail.com) ou a AATR-BA (aatrba@terra.com.br).

Nota do EcoDebate (1): Às 22:30hs de 26/03, veio finalmente a noticia que todos esperávamos: Marilene e João foram soltos da cadeia, graças ao habeas corpus impetrado e entregue ao Desembargador de plantão no Tribunal de Savador às 18.30.

Nota do EcoDebate (2): Vejam a transcrição literal do mandado de prisão do juiz de Santa Maria da Vitória – Bahia, após ter lido o ofício (transcrito abaixo) que Marlene da CPT de Bom Jesus da Lapa e João Sodré do STRs de Santa Maria da Vitória publicaram.

Santa Maria da Vitória-BA, 09 de março de 2010.

Ofício s/n

URGENTE!

O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santa Maria da Vitória e São Félix do Coribe – BA (STR) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT), preocupados com as arbitrariedades que vem sendo cometidas contra  pequenos proprietários e posseiros de Fundo e Fechos de Pasto das localidades de Salobro, Quatis, Mutum, Pedra Preta e outros, neste município, vem expor e requerer o que segue:

1 – Em abril de 2009, a Ouvidoria Agrária Nacional realizou audiência pública neste município, com o escopo de garantir os direitos das pessoas envolvidas em conflitos fundiários e zelar pela paz na zona rural, inclusive expedindo ofícios a diversos órgãos públicos para que auxiliassem a Ouvidoria no alcance do seu objetivo. Houve até mesmo solicitação ao Comando de Operações da Polícia Militar na Bahia para que adotasse “providências no sentido de promover rondas policiais  para minimizar a situação reinante de inquietação junto as Comunidades do Gerais e Fundo e Fecho de Pasto, localizados no município de Santa Maria da Vitória, que vem sofrendo ameaças, danos materiais e psicológicos promovidos por mílicias armadas/pistoleiros supostamente contratados por fazendeiros da região”( OFÍCIO/AUD/DOAMC/Nº 218). Providências estas que não foram adotadas até a presente data;

2 – A Coordenadoria de Desenvolvimento Agrário do estado da Bahia (CDA) está desenvolvendo trabalhos nas localidades acima indicadas, com o objetivo de proceder a Ação Discriminatória Administrativa Rural, a fim de efetivar a regularização fundiária da área em favor dos posseiros. Ressalte-se que pistoleiros armados já intimidaram os técnicos do Estado, retardando a conclusão dos trabalhos topográficos, o que motivou a impetração do Alvará Judicial tombado sob nº 20/2008 pelo Procurador do Estado;

3 – Tramita, no Juizado Especial Cível da Comarca da Santa Maria da Vitória, Ação de Interdito Proibitório tombada sob nº 211/08, movida contra os trabalhadores . Ocorre que nesta ação foi deferida “liminar para determinar que os réus se abstenham de ameaçar, turbar ou esbulhar a posse dos autores, sob pena de multa fixa de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais)”- decisão esta insuscetível de recurso por tramitar em Juizado Especial (Lei 9.099/95);

4 – Em 28/02/2010, um grupo de 05 pessoas fortemente armadas, incluindo autores da ação acima referida, dirigiu-se à região, interpelando e ameaçando lavradores que encontraram na estrada, dizendo que eles estavam proibidos de trafegar na região, bem como de usar da solta que os mesmos utilizam tradicionalmente há mais de um século, sob pena de forte reação daquele grupo armado, que “mataria animais ou mesmo pessoas acaso encontradas na área”;

5 – Tais fatos foram devidamente relatados na Delegacia de Polícia Civil de Santa Maria da Vitória (03/03/2010) e no Ministério Público (05/03/2010), inclusive com apresentação de fotografias do grupo armado;

6 – Após este incidente, houve nova decisão no Interdito Proibitório acima referido, determinado que “fosse realizada a penhora de cem reses de cada requerido”, que fosse oficiado a ADAB para bloquear o cadastro dos lavradores, bem como que fosse realizada busca e apreensão de bens supostamente roubados dos autores (Paulo de Oliveira Santos e Maria do Socorro Sobral Santos). Alertamos para o risco do cumprimento da decisão judicial, com auxílio da força policial da CIAC, conforme foi deferido pelo magistrado, acirrar o conflito e violar garantias constitucionais dos cidadãos envolvidos;

7 – Saltam aos olhos as ilegalidades perpetradas contra as comunidades tradicionais de Fundo e Fechos de Pasto:

a) Há claro interesse do Estado da Bahia na área em conflito, como comprova a deflagração da Ação Discriminatória Administrativa Rural.

b) A área em questão tem valor superior ao limite máximo permitido para ser processado ante o Juizado Especial.

Tais fatos comprovam, por si só, a incompetência absoluta do juiz para atuar no feito e a conseqüente nulidade de suas decisões.

c) Ademais, nenhum dos posseiros e proprietários possui cem reses, como determina a penhora, o que pode ser confirmado pelo próprio cadastro da ADAB. O rebanho de tais pessoas é pequeno e suficiente apenas para garantir a sua subsistência.

d) Por outro lado, trata-se de pessoas de bem, de reputação ilibada, que até hoje nunca se apropriaram de bens alheios. E mais, não seria razoável que se arriscassem a roubar objetos de pessoas que andam freqüentemente armadas pela região, ameaçando-os. Além de tudo isto, não há qualquer prova de autoria e/ou materialidade da referida acusação.

Ante o exposto, e diante da iminência de violência desregrada no campo, solicitamos de V. Sa. a adoção das medidas judiciais e extra judiciais cabíveis, visando garantir os direitos fundamentais dos agricultores familiares da região, que estão com suas vidas ameaçadas pelo cumprimento da descabida e injusta decisão judicial.

Estamos à disposição para maiores esclarecimentos porventura necessários, nos telefones/fax 77-3483-2840 (João Sodré, Laurindo ou Enelito) ou 77-3483-1143 (Julita ou Tânia) ou através dos correios eletrônicos strsmv@hotmail.com ou cptlapa@yahoo.com.br.

Certos que contaremos com a colaboração deste órgão, agradecemos antecipadamente.

JOÃO CERRANO SODRÉ

SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE SANTA MARIA DA VITÓRIA E SÃO FÉLIX DO CORIBE

MARILENE DE JESUS CARDOSO MATOS

COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

Transcrição literal do mandato de prisão

I  –  AUTUE-SE

II

Os termos utilizados, no meu entender, configuram grave ameaça contra este magistrado  no exercício funcional.

Resta, portanto, caracterizado indício de prática do crime tipificado no art. 344 do CP, além de crime contra a honra.

Como se trata de coação no curso do processo, inclusive valendo-se de órgão público e levando em conta a utilização de armas pelos interessados, determino a abertura de inquérito policial e decreto a prisão preventiva  dos representantes.

Expede-se mandado de prisão.

25.03.2010

Assinatura ilegível do juiz Eduardo Pedro Nostrani Simão

* Informações enviadas por Ruben Siqueira, CPT/BA para o EcoDebate, 29/03/2010.

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