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Redução da jornada de trabalho. Um avanço para uma sociedade conservadora

No dia 30 de junho passado, a Comissão Especial da Redução da Jornada da Câmara dos Deputados aprovou a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 231, de 1995, que propõe a redução da jornada de 44 horas semanais para 40 horas e o aumento da remuneração da hora-extra de 50% do valor do salário-hora para 75%.

A proposta já está a 14 anos em tramitação no Congresso. Há um ano, as centrais sindicais entregaram um abaixo-assinado com 1,5 milhão de assinaturas, ao então presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), pedindo a redução da jornada sem alteração nos salários. A pressão dos sindicalistas ajudou a retomar o debate sobre a PEC 231. A Comissão de Constituição e Justiça considerou a PEC admissível em 1996.

De acordo com o DIEESE e as Centrais Sindicais, que apóiam e defendem a proposta, a medida, se aprovada, criaria 2,2 milhões de novos empregos.

Para os empresários, a redução da jornada deve trazer aumento de cerca de 10% no custo do trabalho, segundo cálculos da CNI (Confederação Nacional da Indústria). A medida, segundo os empresários, pode comprometer a competitividade, ameaçar o emprego e adiar a retomada do crescimento.

Conforme estudos do economista Cássio Calvete, do Dieese, o impacto da medida no custo da mão-de-obra seria praticamente nulo: “a redução para 40 horas semanais aumentaria o custo da mão de obra em 2%, o que seria absorvido em apenas seis meses, frente ao ritmo de crescimento da produtividade”. Calvete lembra que uma possível redução do crescimento econômico não significa necessariamente queda da produtividade. Na década de 1990, conforme o próprio IBGE, houve grande desaceleração e, mesmo assim, a produtividade industrial cresceu a fortes taxas, em média 8% ao ano.

O secretário geral da CUT, Quintino Severo, ressalta que dados do Dieese apontam que a produtividade da indústria brasileira cresceu 150% em período de 15 anos compreendido até 2001, “o que já é um indicativo e tanto sobre o excedente de capital acumulado por este setor”.

Dados mais recentes levantados pelo IBGE, relativos ao período entre os anos 2000 e 2006, apontam em igual direção, registrando crescimento da produtividade industrial em 30%. Já em 2007, segundo o “Anuário dos Trabalhadores 2008”, publicado pelo Dieese, o crescimento da produção industrial brasileira foi de 6% em relação ao ano anterior, o que representa um outro indicador importante.

Com a aprovação da PEC 231 pela Comissão Especial, abre-se novo campo de batalha: a sua aprovação pelo Congresso. E as centrais sindicais (Força Sindical, CUT, UGT, CTB, Nova Central e CGTB) montaram uma estratégia para pressionar os congressistas a apoiarem a redução da jornada de trabalho. Cerca de 400 sindicalistas se revezaram em agosto para visitar deputados e senadores e buscar o apoio ao projeto de seu interesse.

Mas os empresários não deixaram por menos. Ao se verem pegos de surpresa com o avanço da tramitação da proposta no Congresso, representantes do setor patronal – cerca de 750 pessoas – acorreram a Brasília para dividir com os sindicalistas a lotação do plenário e das galerias da Casa. A Confederação Nacional das Indústrias orquestrou a mobilização dos empresários. Mas longe dali, no Rio de Janeiro, a Confederação Nacional do Comércio de Bens Serviços e Turismo (CNC), em reunião, posicionou-se contra a aprovação da proposta de emenda à Constituição.

De acordo com um estudo elaborado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a jornada de trabalho média no Brasil apresentou redução de 10,7% em um período de 20 anos e já se encontra abaixo de 40 horas semanais. Em apenas seis unidades da federação, a carga horária média ainda é superior a esse patamar, sendo São Paulo o campeão (41,9). Estudo mostra que, entre 1988 e 2007, a jornada de trabalho caiu de 44,1 horas para 39,4. Em 1988, a Constituição fixou a jornada máxima em 44 horas. As centrais sindicais agora reivindicam a redução para 40 horas, apesar de a carga média do brasileiro já estar abaixo desse patamar.

O estudo revela que há, por um lado, um grupo de trabalhadores que tem uma jornada de trabalho acima da oficial e, por outro lado, uma parcela que trabalha bem menos (em média 19 horas semanais). Ou seja, o capital impõe uma redução da jornada de trabalho a seu favor, que faz uma parcela trabalhar muito e outra pouco ou mesmo nada – aqueles que se encontram desempregados. “Temos uma parcela grande dos trabalhadores com uma jornada muito pequena, com menos de 19h por semana, por exemplo. E de outro lado temos quase a metade dos trabalhadores com jornada acima de 44h semanais. Uma melhor redistribuição dessa jornada permitiria mais pessoas ocupadas do que a simples redução da jornada oficial”, argumenta Marcio Pochmann, presidente do Ipea.

“A jornada de trabalho média foi fortemente influenciada pelo aumento do tempo mínimo de trabalho. Mas houve também aumento da jornada extra. O Brasil não só reparte mal sua riqueza mas também seu tempo de trabalho. A nossa jornada de trabalho é mal distribuída”, declarou Marcio Pochmann.

Pochmann exemplifica a sua posição ainda com outros dados. Em 2007, diz, “a cada 10 trabalhadores brasileiros, havia 1 com jornada zero de trabalho (desempregado) e quase 5 com jornadas de trabalho superiores à jornada oficial (hora extra). Além disso, 4 em cada grupo de 10 trabalhadores tinham jornadas de trabalho entre 20 e 44 horas semanais, e 1 tinha tempo de trabalho inferior a 20 horas por semana”.

Para ele, a proposta das centrais de reduzir a jornada como mecanismo para elevar a oferta de emprego não leva em conta fatores como nível de atividade econômica e excesso de horas extras. Pochmann argumentou ainda que a redução da jornada nos últimos anos não conseguiu conter o aumento de desempregados. Mas declarou que, em condições favoráveis da economia e do mercado de trabalho, uma redução para 37 horas poderia acomodar mais trabalhadores. Ou seja, diante dessa proposta, a defendida pelas centrais sindicais que defende a redução para 40 horas semanais é conservadora.

Além disso, para o presidente do Ipea, Marcio Pochmann, a pesquisa mostra que apenas reduzir a jornada de trabalho não basta para gerar empregos. No período pesquisado, o número de desempregados aumentou 331,6% porque a economia brasileira não cresceu tanto. Pochmann defende que a jornada seja alterada a fim de ampliar os postos de trabalho.

José Pastore, professor de relações do trabalho da USP e que presta consultoria para a CNI (Confederação Nacional da Indústria), crítico da redução da jornada de trabalho, levanta outra questão: a de que a redução da jornada legal de trabalho não cria automaticamente novos empregos ou, ao menos, todos aqueles matematicamente possíveis. Outros fatores seriam determinantes para que isso acontecesse. Pastore fez um estudo encomendado pela CNI que indica que os setores de serviços, comércio e agricultura cortariam vagas com a redução da jornada de trabalho. A explicação é que esses segmentos empregam a maior parcela dos empregados do país cuja jornada supera a carga atual.

Esse é também o alerta da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Na opinião de John Messenger, especialistas da OIT, é difícil prever os resultados de políticas que têm o objetivo de reduzir de maneira permanente o tempo de trabalho e afirma que as compensações, tanto para empresas quanto para empregados, dependem da forma como for conduzida.

Mesmo com todas as dificuldades, a redução da jornada de trabalho é necessária, desejável e justa. É um anseio da sociedade. Até porque trabalhar mais não é sinônimo de maior produtividade. Mas, é preciso perceber os limites da redução da jornada. Um deles é reduzi-la unicamente à possibilidade de criação de novos postos de trabalho. Claro está que é preciso redistribuir de maneira mais igualitária o trabalho necessário existente. Mas isso, por sua vez, requer não apenas uma redução legal da jornada de trabalho, mas que as pessoas queiram efetivamente trabalhar menos. E deixar que outros trabalhem. Portanto, há também a tarefa hercúlea de que as pessoas queiram reduzir o tempo efetivo de trabalho, o que fica mais difícil de impor legalmente, pois envolve, além da questão econômica, uma mudança de cunho cultural.

Outro desafio diz respeito ao novo estágio do capitalismo, se se quiser, do capitalismo cognitivo. O capitalismo cognitivo e o trabalho imaterial complexificam o cenário e requerem iniciativas de outras formas de redistribuição social da riqueza socialmente produzida, bem como outros mecanismos de garantia mínima de trabalho para todos. Como constata Pochmann, “avanços técnico-científicos deste começo de século criam nas sociedades modernas condições superiores para a reorganização econômica e trabalhista. De um lado, o aparecimento de novas fontes de geração de riqueza, cada vez mais deslocadas do trabalho material, impõe saltos significativos de produtividade. Isso porque o trabalho imaterial liberta-se da existência prévia de um local apropriado para o seu desenvolvimento, conforme tradicionalmente ocorre”.

Concluindo, a revisão dos índices de produtividade da terra para efeitos de reforma agrária e a redução da jornada de trabalho são temas que voltaram com força na agenda e depois de décadas podem avançar. Destaque-se que, hoje, aprovar a revisão dos índices de produtividade da terra e a redução da jornada para 40 horas representa medidas que assumem um caráter conservador. Nada mais seriam do que mera atualização da própria racionalidade econômica. Mesmo assim, vê-se que as reações são virulentas por parte da elite brasileira. Aqui também se manifesta o caráter “fraco” do governo Lula, que não toma posição e fica arbitrando (na análise de Werneck Vianna). A grande questão é, particularmente no tocante à revisão dos índices de produtividade, se Lula terá coragem de peitar o agronegócio e seus aliados, que se encontram inclusive no seu próprio Governo.

(Ecodebate, 03/09/2009) publicado pelo IHU On-line, 02/09/2009 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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2 thoughts on “Redução da jornada de trabalho. Um avanço para uma sociedade conservadora

  • Jornada , reduzir , motivo:

    Carga de trabalho de um cidadão.
    Desde 1908 quando os anarquistas chegarão ao Brasil eles tinham a tese de que um trabalhador trabalharia 8 h,, as demais horas de um dia se dividia em mais 8 horas para estar com a família ou estudar ou seu lazer para ser explorado no dia seguinte .
    Claro as outras 8 horas e para poder dormir …
    Chegamos ao ano 2009 ainda não se reduziu de forma linear para todos os trabalhadores nem as 40 h semanais tão almejadas , ate por pouco envolvimento do movimento sindical de gabinete e conchavos…Ate porque empresário não tira nada do bolso, tudo que gera custo são repassado para produto final.. e de vez enquanto , se você checar direito o empresário repassa tudo, como por exemplo:
    Se uma categoria de trabalhadores que produzem botões para camisa social , ganham 5 % de reajuste de salário, o empresário repassa os 5 % sobre a camisa social, sendo que o botão e parte do custo e não todo o produto que tem outros componentes.
    Isto se da em diversos setores, vide que os estrangeiros consegue colocar aqui o mesmo ou melhor produto muito mais barato ,porque !!!
    Nesta época agora temos categoria que trabalham 12 horas diretas mais 6 horas gasta com transportes sempre lotados e constantes Se uma categoria de trabalhadores que produzem botões para camisa social , ganham 5 % de reajuste de salário, o empresário repassa os 5 % sobre a camisa social, sendo que o botão e parte do custo e não todo o produto que tem outros componentes.
    Isto se da em diversos setores, vide que os estrangeiros consegue colocar aqui o mesmo ou melhor produto muito mais barato ,porque !!!
    Nesta época agora temos categoria que trabalham 12 horas diretas mais 6 horas gasta com transportes sempre lotados e constantes aguenta tanto tempo sem descansar , alguém faz idéia do péssimo serviço que esta gente da a idéia de estar fazendo… pior o segurança quer trabalhar em dois emprego , o policial sai dali e vai fazer bico , tomando o lugar do segurança em milhares de posto de trabalho que poderia estar um trabalhador regular.. e ele o policial esta la fazendo o bico.
    Nas outras áreas tudo que as empresas conta como gasto, são colocado no preço dos produtos , e quem paga são os compradores ,que somos nos os cidadãos comuns,como nos , por isto a defesa da redução da jornada.

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