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Capobianco diz que o mercado deve ajudar a floresta

Brasil não pode abrir mão da ajuda do setor empresarial em favor da Amazônia – O biólogo João Paulo Capobianco, braço direito da ex-ministra Marina Silva durante os seis anos e meio à frente da pasta ambiental, voltou entusiasmado do período de quarentena na Columbia University, em Nova York.

Durante nove meses como professor-visitante, deu e escutou dezenas de palestras sobre Amazônia, clima, biodiversidade e biocombustíveis. Acompanhou o debate efervescente sobre mudança climática que surgiu com a administração Obama e o trâmite no Congresso da lei de energia e clima dos democratas Edward Markey e Henry Waxman, aprovada há poucos dias na Câmara e que agora passa pelo Senado. Matéria de Daniela Chiaretti, no Valor Econômico.

Nos EUA, o ex-secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente mergulhou no estudo de possibilidades para a Amazônia inseridas em uma sigla de quatro letras – Redd, ou Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação, mecanismo que vem sendo desenhado nas negociações internacionais sobre mudança climática e poderá ser usado para preservar a floresta.

O biólogo que ajudou a fundar ONGs como a SOS Mata Atlântica e o Instituto Socioambiental não via com simpatia, à época de governo, o elo entre a diminuição de emissão de gases-estufa do desmatamento e sua transformação em créditos de carbono vendidos no mercado. Esta discussão ferve nos EUA e Capobianco reviu sua posição. Ele estima que o dispositivo pode representar bilhões de dólares no futuro, num fluxo dos EUA para a Amazônia.

“Não é migalha”, registra. “O mercado está superaquecido, está todo mundo buscando achar a forma de trazer a floresta para a mesa no sentido de reduzir desmatamento e emissão. Não dá para ser autista e olhar para o lado e dizer não, eu sou contra.”

De volta ao Brasil, Capobianco termina um livro sobre a experiência desenvolvida no ministério e tem sido sondado tanto por ONGs como por empresas. “Tenho interesse em projetos onde possa ajudar a conter o desmatamento”, diz.

Seu trabalho como pesquisador-associado do Instituto de Pesquisas Ambientais, o Ipam, um dos centros que mais estimula a política de Redd no Brasil, dá pistas de onde quer atuar. A seguir trechos da entrevista na qual fala, também, das negociações do acordo internacional climático que se espera seja fechado em dezembro, em Copenhague, e que nos próximos dias pode ter rounds importantes com a reunião dos países do G-8 e economias emergentes na Itália:

– O sr. foi convidado a trabalhar no Frigorífico Bertin?

O que existe são conversas com diretores do Bertin, em que me pediram para ajudá-los a implementar um sistema de gestão ambiental. O problema deles é a rede extremamente capilarizada de fornecedores. Estamos vendo a dimensão disto e como resolver de forma lucrativa e ambientalmente adequada. O setor privado tem papel fundamental na solução do problema da Amazônia. Falta ali o desenvolvimento de uma economia de escala do uso sustentável dos recursos naturais. A região não pode ser mais só fornecedora de matérias-primas para o Brasil e o exterior, tem que processar, agregar valor.

– Como o sr. avalia a aprovação da lei de mudança climática pela Câmara dos EUA?

Foi uma vitória incrível que coloca os EUA numa outra posição neste debate. Nas reuniões internacionais, havia expectativa de que rapidamente a equipe de Obama faria diferença. Como isso não ocorreu, começou um anticlímax. Mas eles não poderiam avançar antes de ter um marco legal interno que desse suporte à ação externa. Aconteceu agora.

– Mas as metas que a lei estabelece não são muito tímidas?

Os EUA não estão acenando com uma redução de 30% nas emissões de gases-estufa como os europeus, é verdade. A meta deles não é radical. Mas cortar 17% em 2020 em relação a 2005 é dificílimo para um país que não fez quase nada neste campo, foram oito anos de omissão completa. Eles não participaram de Kyoto, não tiveram redução de emissão, aumentaram. Terão que fazer investimentos fortes, o que pode significar uma redução maior no fim das contas. Vão ter que encontrar uma forma de entrar no jogo que seja viável e todo mundo quer que eles entrem. Não tem convenção climática nem um acordo respeitável sem os EUA. Diria mais: sem que estejam liderando. Imagine o que seria se a lei não tivesse sido aprovada… Obama, ao assumir, destampou a panela, mas os EUA têm uma sinuca para resolver.

– E o Brasil neste processo?

Está numa posição muito fragilizada. O Brasil vinha crescendo nas negociações externas baseado no seu desempenho no combate ao desmatamento. Mas a aprovação da MP 458 foi medida arriscada, que vai exigir muita explicação. E sempre que se vai a uma reunião destas tendo que explicar muita coisa não é bom.

– Vocês, no governo, foram cobrados para terem metas…

Nossa meta era o desmatamento ilegal zero. O governo não pode ter uma meta que inclui algo ilegal. Tínhamos que pensar num cenário de redução abrupta do desmatamento e mudar a situação na Amazônia de forma estrutural, para que a redução não fosse episódica. Porque o grande problema do desmatamento é a montanha-russa: sobe e todo mundo grita, desce e todo mundo faz “ufa”. O aumento coincide com a eleição e tem forte impacto o preço das commodities. No ano da eleição e no seguinte o desmatamento explode.

– Por que o sr. foi aos EUA?

Primeiro, fui me afastar. Quando você sai do governo e ocupou uma posição de certa importância, as pessoas querem que você continue dando palpite e isso é muito desagradável. Fui aos EUA também fazer uma reflexão sobre o nosso período no ministério, estou escrevendo um livro sobre nossas ações. Também fui estudar umas coisas que a gente avançou, mas podia ter feito mais. Como a questão climática.

– O Brasil tem progredido?

Sim. O Brasil quer reduzir o desmatamento e isto custa caro. Porque não é colocar mais polícia, é mudar o modelo de desenvolvimento. Exige investimento em tecnologia, capacitação, desenvolvimento de alternativas econômicas, dar escala a práticas sustentáveis. Temos na Amazônia um desafio civilizatório. É mudar a concepção que os outros países usaram e nós também, até agora, que é “tira floresta e bota pecuária” ou “tira floresta e põe cidade”. A Amazônia exige outra economia. Que existe e vem sendo desenvolvida há muitos anos, mas só no campo dos programas-piloto. Como faz manejo florestal comunitário? Faz, mas é um negocinho. Dá para explorar castanha sem dar dinheiro ao intermediário? Dá, mas é outro negocinho. Como se dá escala a esta economia? Porque apesar de existir tudo isso, o que move a economia da Amazônia é a madeira predatória e a agropecuária. Isso só muda com muito investimento.

– Como o sr. vê o elo entre o clima e a preservação da floresta?

É uma relação direta: a redução da emissão por desmatamento ganhou uma dimensão fundamental. Todos os estudos mostram que se forem adotadas todas as tecnologias disponíveis e as em potencial, mesmo assim vai precisar cortar mais. Então as florestas têm um peso fenomenal e a redução da emissão por desmatamento faz parte da equação. Portanto terá que haver mecanismos. Se nós formos inteligentes, existe a oportunidade de juntar a fome com a vontade de comer.

– Esta oportunidade está no mercado de carbono?

Sim.

– O sr. não gostava da ideia.

Não havia como sair de uma posição sem nenhuma vinculação aceitável entre floresta e clima, como era a do Brasil, e partir para o mercado. Mas a coisa evoluiu rapidamente. Claro, isto está em discussão, ainda está sendo desenhado nas negociações do acordo internacional do clima. Fala-se muito em Redd nos EUA, neste mecanismo que permite ter redução de emissão por desmatamento ou por degradação da floresta. E que depende da existência de um mercado de carbono e de um acordo internacional para canalizar recursos. E encontra problemas graves.

– Quais?

Três problemas fundamentais. A adicionalidade, a permanência e o risco de “vazamento” do desmatamento.

– O sr. pode explicar?

Capobianco: A adicionalidade, para mim, é uma ideia furada. É preciso demonstrar que só se pode fazer aquela redução de emissões com aquele recurso financeiro. Não tem como fazer se não tiver apoio do Redd, então é um esforço adicional. Isso é um absurdo, o desmatamento é inexorável.

– Como assim, inexorável?

Historicamente. Qual a diferença da emissão entre uma jazida de petróleo e uma floresta? Só uma. Na jazida, para emitir, tenho que tomar a decisão de explorar, extrair, refinar, colocar no mercado, fazer o carro e emitir. Preciso investir para emitir. No caso da floresta eu preciso investir para não emitir. O risco do estoque de carbono que está na floresta ser degradado é enorme. Não existe floresta imune ao desmatamento, o processo de ocupação do território é muito veloz e atual.

– O que é a permanência?

O risco do Redd é o seguinte: eu investi na preservação, mas a floresta foi queimada e o carbono, emitido. Não teve permanência. Mas o Brasil criou um número de áreas protegidas na Amazônia que representa 50% da região, ou seja, 50% do estoque de carbono da Amazônia está sob áreas protegidas, federais ou estaduais. Mais uma vez, é o contrário. Sem investimento não haverá permanência. E o desembolso tem que ser de longo prazo, 30 ou 50 anos, para garantir a floresta.

– E o vazamento?

É o desmatamento que vaza para outras áreas. Protege-se um lugar, mas começa a acontecer no vizinho, que não está protegido. Aí sim, na minha visão, depende de um plano regional. O Brasil adotou como proposta a redução do desmatamento na Amazônia, não o projeto A, B ou C. “Ah, mas eu posso ter vazamento para o cerrado”, dizem. A perspectiva é iniciar na Amazônia e estender depois. “Mas pode ter vazamento na Bolívia”. Aí depende de um acordo internacional. Dá para resolver todos estes pontos, o que não se pode fazer é levantar argumentos para que não aconteça, para não discutir a solução. A redução do desmatamento é uma necessidade para a melhoria do quadro geral.

– Quem investe na conservação das áreas? Os países ricos?

Quem estiver precisando de créditos. Eu compro um crédito seu e você protege a área, sem desmatamento e degradação, por um longo período. Este é o Redd, uma enorme oportunidade. Devemos entrar neste grande debate de cabeça para garantir que o mecanismo adotado na negociação internacional seja uma resposta positiva, de capacitação de recursos não apenas para áreas críticas, mas para qualquer estoque florestal. Qualquer floresta deveria poder concorrer a um recurso para que seja preservada em benefício do clima.

– O sr. era contrário à ideia de vincular a preservação da floresta ao mercado. Por que mudou?

Acho que o Brasil deveria ter um sistema misto. O sistema do Fundo Amazônia, onde o dinheiro vai para o Fundo, um recurso não vinculado a projetos. Mas temos que abrir uma parte para o mercado para não deixar de fora os atores econômicos. O setor empresarial tem interesse em preservação, mas lida com custo-oportunidade. É preciso criar opções para o setor privado que vai para a Amazônia e que não sejam soja e pecuária. Temos que ter outros caminhos e um deles é o serviço ambiental. E o principal serviço ambiental hoje, mais perto de se transformar em recurso financeiro, é o carbono. A negociação da Convenção do Clima é uma enorme oportunidade para um país que tem uma massa de cobertura vegetal como o nosso.

– Mas a floresta não vai inundar o mercado de créditos?

A solução é a limitação. A lei em tramitação nos EUA prevê um limite para o que se pode compensar de emissões com a preservação das florestas.

– O tal “cap-and-trade?”

É. Eu emito, tenho que reduzir e recebo um limite, que é o “cap”. Emito x, vou ter que emitir x/8. Qual é o caminho ideal para o clima e para a empresa? É eu mudar meu sistema de produção e reduzir a emissão. Mas não consigo, porque tenho uma limitação tecnológica. Para isso tem o “trade”: o que não conseguir reduzir, tenho que comprar como crédito e compro de quem deixou de emitir. Se todo o comércio fosse em crédito de carbono florestal, certamente teríamos um tremendo impacto e iríamos desviar recursos voltados para a transformação energética, porque o carbono florestal é mais barato. Então tem que ter um limite. Nos EUA está se discutindo uns 5%, no máximo. E quem compra, compra crédito, não a propriedade. Não tem nada a ver com internacionalização da Amazônia.

– Isto pode significar muito dinheiro para a floresta?

Muito. Só o caso da Califórnia, que já assinou um protocolo de cooperação com o Mato Grosso, Pará e Amazonas para criar um sistema entre a redução do desmate e o “cap-and-trade”, pode significar algumas centenas de milhões de dólares por ano. Não é migalha. E a lei federal americana, se aprovada como está, vai gerar alguns bilhões de dólares por ano passíveis de serem usados para floresta. É uma disponibilidade de recursos que não existia. O mercado está superaquecido, todo mundo busca a forma de trazer a floresta para a mesa no sentido de reduzir desmatamento e emissão. Não dá para ser autista e olhar para o lado e dizer não, eu sou contra.

– O Brasil é autista?

O Brasil precisa se rever no processo. Fez, avançou, isso tem que ser reconhecido, mas está longe da posição que deveria ter. O Brasil é um líder na Convenção. Agora, lidera para onde? Enquanto se mantiver na posição de “isso aí não é minha responsabilidade” vamos ficar isolados. Não faz mais sentido o Brasil, e outros, se sentirem vítimas desta situação com o argumento que não são responsáveis pelo aquecimento.

– Não há razão nisso?

Temos que discutir o futuro. Não se trata de dizer “não criamos este problema, não temos nada a ver com ele e não vamos aceitar nenhum tipo de limitação ao nosso desenvolvimento”. Está errado. Este problema nos diz respeito, vamos ser afetados, estamos sendo e seremos. E não é verdade que o Brasil não contribui. Se historicamente temos uma contribuição relativamente pequena, hoje o Brasil é um ator importante e emite muito. Não é mais realidade que os países desenvolvidos são responsáveis pela grande parte do carbono emitido. Os emergentes estão ali, empatados. Se, num cenário absurdo, os ricos zerarem as emissões e os em desenvolvimento continuarem emitindo, vamos superar os 2oC de aumento em 2100, que é considerado o máximo que o planeta suportaria.

– Que conta é esta?

É simples. O IPCC [Painel Internacional de Mudanças Climáticas das Nações Unidas], definiu 2oC como aquilo que é “suportável”. Para isto o mundo teria que limitar a emissão de gases-estufa em 1.800 Giga toneladas em 2100. Isto quer dizer, teoricamente, 18 Gt por ano de emissão. Hoje o mundo emite 45 Gt/ano e metade vem dos países em desenvolvimento. Mesmo que os outros zerassem as emissões e só os em desenvolvimento emitissem, e estabilizassem – o que não vai acontecer, eles vão crescer – estaríamos emitindo mais que 18 Gt/ano.

– O que é necessário?

O Brasil deixar de considerar a Convenção e sua consequência como ameaça e passar a ver como oportunidade.

– Isso não é só retórica?

É absolutamente realidade. Falando pragmaticamente, o Brasil quer eliminar o desmatamento. Não é algo que queremos manter e que impulsiona o nosso desenvolvimento, ao contrário. A posição hegemônica hoje, até dos ruralistas, é que a eliminação do desmatamento é uma aspiração nacional.

– Mas não é isso que a bancada ruralista questiona?

O que eles mais querem é anistia. Não terem que cumprir ou arcar com as consequências de terem implementado suas operações à revelia da lei.

– Então é uma luta pelo passado, não pelo futuro..

Alguns querem desmatar mais, mas o que predomina entre as lideranças do setor é “não podemos condenar todo o café de Minas à ilegalidade, não podemos condenar as maçãs de Santa Catarina, proibir o arroz do Rio Grande do Sul”. Isto está acontecendo porque existe empenho crescente dos órgãos públicos e do Ministério Público de fazer cumprir, punir e recuperar.

– É muito caro recuperar?

O problema é o chamado custo-oportunidade. Não é só a recuperação, mas o que chamam de perda de área de produção. O Código Florestal é um negócio lindo e desrespeitado. Mas com os avanços do monitoramento por satélite e GPS, em meia-hora os técnicos sabem se a propriedade está legal ou não. Nos últimos anos foram criados mecanismos em que os bancos não podem financiar na Amazônia sem a comprovação da reserva legal. O Código Florestal começou a valer e levanta um pesadelo para os que até hoje agiram na impunidade.

– E o pré-sal? O Brasil acaba de descobrir esta jazida enorme…

O desafio é saber usar, aumentar a eficiência. Obama quer reduzir o consumo, não acabar com a indústria de carros. Não se pode tratar o pré-sal assim: “esquece e tampa o poço.” É loucura. O pré-sal é uma oportunidade para o Brasil. Mas este recurso estratégico deveria ser usado gerando impactos positivos em energia alternativa, eficiência, na captura de carbono. Usar, mas tendo uma equação que ligue com a questão climática. Não pode ser “agora eu tenho petróleo à vontade e não tenho que me preocupar com carro eficiente”. Este é um raciocínio tacanho e que mira para trás.

[EcoDebate, 08/07/2009]

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