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Notícia

As águas do rio Grande

São José do Rio Preto, 22 de fevereiro de 2009

Rubens Cardia
Usina hidrelétrica de Marimbondo; força hidráulica do rio causou mudanças

Nilce Lodi

09:00 – O rio Grande que divide os Estados de São Paulo e Minas Gerais com suas águas, cachoeiras e saltos, faz parte da memória histórica coletiva e do imaginário dos rio-pretenses. O Grande, ao longo do século 20, sofreu transformações radicais com a hidrelétrica, porém continua a atrair aqueles que desejam conhecer suas belezas naturais. No “Diário de uma viagem pelo sertão paulista, realizada em 1904”, de Cornélio Schmidt, em viagem feita com o norte-americano Thomaz Canty, é descrito um rio muito diferente daquele que podemos ver hoje. Cornélio Schmidt era formado pela Escola de Minas de Ouro Preto. Acompanhou o norte-americano Thomaz Canty durante dois meses e meio, percorrendo a cavalo a respeitável distância de 350 léguas em busca de terras públicas do Estado, ainda pouco povoadas, que pudessem ser adquiridas para a formação de um núcleo de colonização, com imigrantes norte-americanos. O diário de Schmidt é um documento importante, produto de uma visão particular do sertão, porém não deve ser considerado documento definitivo e portador de “verdade” absoluta. No Correio Web, 22/02/2009 09:00:58.

A viagem
Schmidt e Canty partiram de São Paulo no dia 13 de julho com destino à Franca, seguiram para Nuporanga, atravessaram o Turvo e chegaram a Barretos, a 21 de julho. No dia 25, foram para o Arraial da Prata, um arraial pequeno com uma fila de casas acompanhando a margem direita da Água da Prata, uma capela, umas 20 casas distantes umas das outras e um comércio pequeno sem sortimento.

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Cachoeira do Ferrador com os paredões descritos por Schmidt



No dia 27 de julho, dormiram na casa de Benedito de Deus, descrito como um bom caboclo, que se ofereceu para mostrar-lhes as cachoeiras dos Patos e do Ferrador, que juntas são conhecidas por Marimbondo. Nessa empreitada, Benedito convidou seu compadre Jonas, que morava meia légua atrás. Depois do almoço, saíram para os Patos com intenção de ver tudo, naquele mesmo dia. Passaram por terras brancas, atravessaram o espigão e desceram no vale do córrego Rico. Continuaram o caminho (“passamos mais duas aguinhas”). Junto à segunda morava “um caipira, Caipôro” que tinha um engenho de cana. Subiram o espigão e desceram nas cabeceiras da água dos Patos, foram até a casa do Messias (um morador do local) a 1,3 mil passos da Cachoeira. Pararam para tomar café e mandaram o cargueiro adiante, para o lugar do pouso. Após 7 minutos de marcha, alcançaram a cachoeira dos Patos, que salta da margem esquerda para a direita do rio Grande, formando um canal no meio, em frente à ilha dos Patos.

O rio tem 1,6 mil metros. A queda dos lados tem seis metros de altura. Antes do salto existem duas ilhas, a de cima chama-se Escura e a de baixo Pelada, e para baixo do salto, mais duas também. A primeira chamada dos Patos, e a de baixo, Ferrador, que dizem ser a causadora da cachoeira do Ferrador. Apreciaram a paisagem e voltaram para a casa do Messias, que fez questão de servir-lhes leite. Depois do jantar, subiram o Barreirinho acima até a estrada real, que de Barretos vai a Marimbondo. Aí se arrancharam. Os animais foram mandados para o pasto de um bom caboclo que lhes oferecera pasto e milho. Na casa do Benedito de Deus, Canty achou muito engraçado o modo de os caipiras sentarem-se sobre os calcanhares e ficou admirado ao ouvir o barulho da cachoeira dos Patos a três léguas de distância.

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Cachoeira dos Patos,um dos locais visitados durante expedição



No dia 28 de julho, bem “cedo, depois de chegarem os animais que tinham ido ficar no pasto do JM (Joaquim) Peroba” tomaram café e seguiram para a casa de Antonio Patrício onde almoçaram. Camillo Carrett, o Francês, mostrou-lhes o Ferrador e guiou-os até sua casa, três quilômetros além do Porto Velho, durante 30 minutos de marcha, por picada. Para passá-los no Braço Morto acima da queda contaram com José Bento e sua canoa, que era pequena e rachada. Desembarcaram “num lagedo de 3.500 passos até o paredão que forma o canal chamado Ferrador, que é constituído por dois paredões a prumo e de 28 metros mais ou menos de altura”. Eles “formam um corredor no qual toda a água do rio Grande (que não é fundo) passa em caxões e embates violentos numa largura de 20 metros e na extensão de um quilômetro e meio mais ou menos. Tem diversas ilhas, em cima e embaixo.

Nas enchentes, o lagedo fica coberto com um metro de água, mais ou menos, mas as ilhas nunca ficam cobertas, existindo facilidade para construir uma ponte que seria de interesse para o Estado”. Schmidt descreve a paisagem como desoladora, causando a impressão de uma grandeza triste com seus paredões altos e pedras, muitas pedras. Observou que não tinha nenhuma ave nas cachoeiras e que a região era paupérrima de caça, porém constatou a presença de antas e veados. Quanto à vegetação, registrou a presença de grande quantidade de baunilha, salsaparrilha, saborosa, etc…” Retornaram pelo mesmo caminho e, mais tarde, na companhia do Camilo Francês, que era oleiro, partiram para o Porto Velho, barranqueando o rio Grande, coisa de um quilômetro, e depois subiram o espigão para descer na Água Doce e atravessar outro espigão até chegar na Água Taboca.

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Restaurante às margens do rio era atração turística em 1945


Visita à fazenda do Marimbondo
Cornélio Schmidt Thomaz Canty andaram pela Fazenda do Marimbondo que “tem perto de 20 mil alqueires de terras boas e regulares, roxa e massapé, mato e cerrados e cujos primeiros donos ou possuidores estão todos ausentes ou mortos, de modo que se pode considerá-las devolutas”. No dia seguinte, levantaram cedo, pois queriam partir logo, mas conforme o costume dos moradores, o almoço lhes foi dado tarde e o Camilo, alegando estar muito cansado, comunicou-lhes que não os acompanharia até a Fazenda Nova, na vertente do rio Preto e ao Ananias, na Fortaleza vertente do Turvo. Por isso, Schmidt foi “obrigado a tratar um vadio por 6$000 (seis mil réis) por dia” para os guiar. Como almoçaram às 10h, só às 10h30 puderam partir.

A viagem prosseguiu em direção ao rio São José dos Dourados e ao Avanhandava, onde chegaram em agosto, e depois foram para Novo Horizonte e em seguida para Bauru, Campos Novos, Mateus e Anhumas. Em setembro, chegaram à Santa Cruz do Rio Pardo e Cerqueira César, ponto extremo da Sorocabana, e dali embarcaram para São Paulo. Prosseguiram sempre em busca de terras para a instalação de imigrantes norte-americanos e terminaram no dia 29 de setembro de 1904.

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Construção da usina de Marimbondo teve início em 1927


Construção da usina começa em 1927
A força natural das águas do rio Grande gerada por uma das maiores quedas d’água do Estado era vista como a fonte a ser aproveitada no futuro para a eletrificação indispensável ao desenvolvimento de toda a região. Em 1912, Jesuíno da Silva obteve concessão (Decreto nº. 9.403) para o aproveitamento da força hidráulica da Cachoeira do Marimbondo no rio Grande, entre os Estados de São Paulo e Minas Gerais. O projeto ficou apenas no papel, não foi concretizado e a concessão expirou.

Somente a partir de 1927 a usina começou a ser construída. Em 1929, em um dos artigos do Álbum Illustrado da Commarca, ficou registrado o desabafo da população: “Que importam as nossas quedas d’água se ninguém as aproveita? Que importa toda energia hidráulica que se esperdiça aqui, se não temos força regular para tocar um cavallo e nem mesmo para o funcionamento regular de uma lâmpada? Que importa tudo isso? Nada! Tudo são riquezas perdidas que Deus ou o diabo aproveitará no futuro com o concurso de homens mais lúcidos e experientes do que nós”.

Comentário de Jorge Gerônimo Hipólito em As águas do rio Grande

Caríssima Nilce Lodi, o seu texto sobre as águas do Rio Grande enriqueceu o domingo, principalmente daqueles que concretamente o amam, diga-se de passagem, ao ponto de até hoje empreenderem esforços no sentido de preservá-lo.

Infelizmente, a preservação dos nossos rios, hoje é quase que impossível, mas, felizmente, perceba que ainda existe o quase. Esse se continua a existir deve-se ao privilégio de poder contar com pessoas que ainda contam histórias. A história nos conduz para uma viagem, onde nas nossas telas particulares testemunhamos o avanço, bem como o retrocesso da vida. Eu quero ousar e solicitar para que conte também alguma história sobre o Rio Tiete em especial naquele trecho, aonde havia o Salto do Avanhandava. Certa vez, logo que cheguei ao policiamento ambiental (1977) me interessei por pilotar embarcações e, de pronto, fui escalado para fazer o itinerário entre a Barragem de Promissão (jusante) até o Salto. Eu nunca havia ali navegado. O rio era turbulento, ou seja, predominavam as corredeiras. Eu penso que naquela época, muito raramente, o policiamento ambiental por ali fazia presença e isso se devia ao fato de contarem com efetivo reduzido. O meu auxiliar conhecia menos ainda. Navegamos o dia todo e encontramos inúmeras irregularidades ambientais. Os pescadores ficavam surpresos com nossa presença e até indagavam: vocês são de onde? Por volta das 18h30min nem sabíamos onde estávamos, mas sabíamos que descíamos e que deveríamos aportar na margem direita junto a um porto de areia. Quando me dei conta avistei o porto, porém com visão um pouco prejudicada, vez que o sol ainda estava escaldante e atrapalhava olhar em frente. De repente, meu auxiliar me chamou a atenção e disse: o rio parece que termina logo ali na frente! Levantei-me da popa e olhe por cima da proa e percebi que cinqüenta metros a frente havia uma espécie da barragem, ou seja, por sorte não nos despencamos barragem abaixo. Aliás, a minha pouca experiência aumentou o risco, pois consegui retornar a embarcação bem próxima da barragem. O tempo passou muita coisa aconteceu até que em 1.983, com o fechamento da Barragem de Nova Avanhandava, as águas ficaram lisas e eu naveguei no mesmo local, no entanto, com muita saudade das águas turbulentas, onde dourados, caranhas, piaparas, piaus, pintados e lambaris promoviam shows nos períodos de piracema. Infelizmente, eu não tenho fotografias, mas presumo que aqueles pescadores freqüentadores do Clube de Pesca que também foi coberto pelas águas devem tê-las. Por oportuno, eles também poderiam contar as suas histórias, bem como mostrar suas fotografias. No futuro, as histórias e as fotos promoverão as viagens dos nossos descendentes, pois a continuar essa corrida desenfreada pelo progresso, eles, certamente, não navegarão em águas lóticas e muito menos em águas lênticas.

[EcoDebate, 25/02/2009]

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