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O governo quer privatizar a exploração de serviços turísticos em dez dos 64 parques nacionais. ‘Lucro’ é questionado por ambientalistas

Governo abre pacote de concessão de serviços – O governo quer privatizar até o final de 2010 a exploração de serviços turísticos em dez dos 64 parques nacionais existentes em todo o Brasil. Ainda neste ano, empresas privadas disputarão licitações que serão abertas pelo Ministério do Meio Ambiente para uma série de negócios nos parques da Tijuca (RJ) e Fernando de Noronha (PE). O parque de Foz do Iguaçu (PR) é o único que funciona – desde 1997 – sob contratos de concessão de serviços nas áreas de transporte, estacionamento, elevadores panorâmicos, restaurantes, passeios e centro de visitantes. Da Gazeta Mercantil, 06/10/2008.

Até meados deste mês o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, vai anunciar um pacote de editais de licitação para acesso, estacionamento e transporte nas visitas ao Corcovado, na floresta da Tijuca, no Rio, bem como a cobrança de ingresso e passeios em trilhas em Fernando de Noronha, de acordo com o coordenador geral de unidades de conservação de proteção integral do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Júlio Gonchorosky. Hoje, os cerca de 60 mil visitantes ao ano que vão a Fernando de Noronha pagam taxas ao governo de Pernambuco e de mergulho ao governo federal. Com a privatização, passarão a recolher também uma taxa para o ICMBio, segundo Gonchorosky.

Para 2009 estão programadas as licitações que vão contratar empresas de mergulho e passeios náuticos em Fernando de Noronha; bem como o transporte de turistas de Cabrália (BA), até o Parque Nacional Marinho Abrolhos. Restaurantes, hotéis, lojas temáticas e passeios, entre outras atividades, nos parques nacionais de Serra dos Órgãos (RJ) e Serra de Capivara (PI) estão entre as demais unidades nacionais de conservação que terão parte de sua infra-estrutura transferida do setor público para o privado até o final do atual governo. Também estão avançadas as negociações para convênio com os governos de Minas Gerais e Espírito Santo para estabelecer a gestão compartilhada do Parque Nacional de Caparaó.

O Ministério do Meio Ambiente evita estimar o tamanho do mercado que será criado com a privatização desses serviços nem quanto o governo vai arrecadar por mês com a concessão dos serviços. Por enquanto, sabe-se que para atingir um padrão mínimo de infra-estrutura, o sistema nacional de unidades de conservação precisaria de R$ 1 bilhão em investimentos e mais R$ 460 milhões ao ano em manutenção. O dado foi levantado pelo Instituto Brasileiro de Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) com base em dados de 2006. Naquele ano, o governo federal havia investido R$ 230 milhões nos 64 parques e reservas que compõem o sistema. Valor equivalente à metade do necessário somente para manutenção, segundo o estudo.

Ele afirma que a idéia é amealhar recursos para melhorar a infra-estrutura desses parques e, com isso, dobrar o número de visitantes em dois anos. “Essas medidas estão ligadas à valorização do ecoturismo nos parques nacionais”, afirma Minc. Hoje, das cerca de 3,5 milhões de pessoas que visitam por ano as unidades nacionais de conservação, 90% estão concentradas nos parques do Iguaçu – onde está uma das sete maravilhas da natureza – e Tijuca, que abriga o Cristo Redentor, um dos monumentos mais visitados do mundo. Esse número é muito baixo em comparação com os Estados Unidos, onde em torno de 293 milhões de pessoas visitam os parques ao ano. Somente o Parque Nacional Yellowstone, nos Estados Unidos, recebe 3 a 4 milhões por ano. O equivalente ao movimento anual todos os parques brasileiros.

Por acreditar que o turismo é uma indústria de elevado potencial de geração de empregos sem provocar poluição, Minc defende “investimentos pesados” nessas unidades e avanços em parcerias com governos estaduais para gestão compartilhada, além do processo de terceirização dos serviços. Semanas atrás, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou o decreto que amplia os limites do Parque Nacional da Serra dos Órgãos (RJ) e aprovou o plano selado entre Ministério do Turismo e Ministério do Meio Ambiente para a preservação dos parques nacionais e fortalecimento do turismo nessas áreas, com a destinação de investimentos no valor de R$ 28 milhões a seis unidades de conservação consideradas de alto potencial turístico. Outros 25 parques receberão investimentos nas próximas etapas do programa.

Ele ressalta que a gestão dos parques – a proteção da flora, fauna e a biodiversidade – permanecerá sob a gestão do ICMBio, como manda a lei. “A melhor defesa desse patrimônio natural é o bom uso dessas unidades. Quanto mais visitados, menos destruídos por caçadores, palmiteiros e madeireiros”, afirma o ministro Minc.

São várias as modalidades dos contratos a serem firmados com as empresas vencedoras das licitações, segundo Gonchorosky. Poderá ser arrendamento (caso do consórcio que administra o Parque Nacional do Iguaçu, com pagamento mensal de R$ 400 mil); a exploração de transportes em barcos é paga com um valor mensal fixo, e as trilhas e rapel são remuneradas com um porcentual do ganho. Segundo o coordenador do ICMBio, ganharão a concessão desses serviços as empresas que apresentarem a melhor proposta de preço e técnica, mas se houver necessidade de desempate, o peso maior penderá para os detalhes técnicos. “O objetivo maior é melhorar os serviços para os visitantes dos parques”, conclui.

“Lucro” é questionado por ambientalistas

Quando tornou público o plano de passar à iniciativa privada a concessão de serviços em parques nacionais, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, afirmou que essas unidades de conservação têm de dar lucro. A afirmação causou impacto junto a ambientalistas, que apóiam a terceirização, desde que os termos dos contratos garantam ao poder concedente – o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio)- o controle de qualidade.

“Já está mais do que provado que os parques nacionais, se não dão lucro econômico, dão elevado lucro social, geram empregos e, no mínimo, dão trabalho para muita gente que vive no entorno desses lugares”, afirma Miguel Milano, representante da Fundação Avina para o Sul e Pantanal – entidade que promove a formação de lideranças para o desenvolvimento sustentável em todo o País – e professor visitante da Colorado State University (EUA) na área de conservação.

A preservação das unidades de conservação, uma obrigação do Estado prevista na Constituição federal, tem como objetivo fundamental a proteção da herança natural do País. “Se para cumprir com esse objetivo faltam recursos do orçamento público para infra-estrutura e pessoal e existem empresas privadas e instituições sem fins lucrativos mais capacitadas para exercer essa função, a idéia da concessão é viável para serviços de recreação, transportes, hotelaria, alimentação, passeios”, completa Milano.

Isso, entretanto, não significa que o parque será lucrativa. “Poderá significar que o governo colocará menos dinheiro para a infra-estrutura e operacionalização desses serviços.” O representante da Avina acrescenta que o Parque Nacional de Yellowstone, nos Estados Unidos – criado em 1872 e considerado o primeiro do mundo – recebe cerca de 3,5 milhões de visitantes ao ano e é deficitário. “As receitas da concessão de hotéis, restaurantes, postos de gasolina e até da cobrança de ingressos e lojas de souvenir cobre apenas um quarto das despesas.”

O coordenador de Política e Direito Socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA), Raul Telles do Valle, ressalta que o Ministério do Meio Ambiente deveria priorizar um programa de manejo desses parques, existente para uma minoria deles. “Muitos ainda não foram nem regularizados e a solução dos problemas não passa pela concessão, mas sim pelo reforço do aparato estatal”, afirma. Segundo os ambientalistas, não se conhece o total de recursos que empresas, governo e terceiro setor investem na conservação ambiental.

Telles do Valle simpatiza mais com a idéia de parcerias para gestão compartilhada com organizações não-governamentais e outras instituições capacitadas para essa tarefa. “Como a maioria dos parques é deficitária em termos de visitação, tememos que somente os de maior potencial turístico passem para a iniciativa privada”, completa.

Para a representante no Brasil da The Nature Conservancy (TNC), Ana Cristina Barros, o que vai definir se a concessão de serviços nos parques nacionais ajudará ou não a resolver os problemas atuais é o modelo dos contratos. “Em tese esses contratos vão adicionar capacidade de gestão ao Estado, mas tudo dependerá dos termos dessas concessões”, afirma. “A iniciativa privada não teria motivos para destruir a flora e a fauna desses lugares, pois isso destruiria também sua fonte de renda, mas a presença dos órgãos públicos fiscalizando é de fundamental importância nesse processo”, acrescenta.

[EcoDebate, 07/10/2008]