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Aracruz: Quilombolas vivem de sobras

Enquanto esperam que a Justiça defina a posse de suas terras, comunidades sobrevivem com o aproveitamento dos fachos, nome dado aos restos de eucaliptos. Em alguns casos, derrubam clandestinamente árvores. Por Lúcio Vaz, do Correio Braziliense, 03/06/2008.

Fachos
Miúda, líder da comunidade de Linharinho, recolhe galhos de eucaliptos abandonados pela indústria. Eles são usados para abastecer as carvoarias artesanais dos remanescentes de quilombos

Além de reivindicar as terras ocupadas pela Aracruz Celulose, as comunidades quilombolas denunciam a degradação ambiental na região, que apresenta lagoas e riachos secos entre as plantações de eucaliptos. Enquanto esperam pelos processos de identificação e delimitação de suas terras, além de decisões judiciais, as comunidades vivem basicamente de carvoarias que são abastecidas por restos de eucaliptos (fachos), muitas vezes colhidos furtivamente nas plantações da Aracruz. Vários quilombolas já foram presos nessa atividade. O clima de conflito e tensão vivido na década de 70 voltou à região.

Líder da comunidade Angelim 2, em Conceição da Barra, Domingo Firmiano dos Santos, o Chapoca, de 48 anos, conta como os quilombolas teriam perdido suas terras para a Aracruz. “Isso aconteceu no início da década de 70. Mais de 95% do pessoal era analfabeto, não conhecia os seus direitos. Chegou aqui um militar, conhecido como tenente Merson. Ele vinha fardado. Seduziu um negro comerciante de Conceição da Barra, chamado Pelé, que fazia negócios com a comunidade. Esse negro fazia os primeiros contatos. Depois, vinha o tenente Merson.”

Segundo afirma Chapoca, Merson dizia que aqueles terras eram devolutas (de propriedade do Estado). “Se o morador tinha título, eles tentavam comprar. Se não queriam sair, eles expulsavam ou pagavam um preço simbólico. Diziam que a gente tinha que sair porque a empresa (Aracruz) precisava das terras para desenvolver a região. Eles faziam terrorismo. Quando não vendiam, ele falava que ia prender. Era a época da ditadura militar.” Questionada sobre a suposta participação de Merson na aquisição de suas terras, a Aracruz não se manifestou.

Trabalho duro
Parte da comunidade foi cadastrada pela empresa para colher os fachos, por intermédio da Associação de Pequenos Agricultores Lenhadores de Conceição da Barra. Mas nem todos os quilombolas conseguiram o cadastro. O Correio acompanhou um grupo na coleta de fachos no dia 21 de maio, nas proximidades da comunidade de Linharinho. Vermino dos Santos, de 41 anos, explica por que se dedica a essa atividade: “A gente ficou confinado entre os eucaliptos. O que planta não dá. A gente foi obrigado a pegar esses restos de madeira’.

Embaixo de sol escaldante, a líder comunitária Miúda, de 49 anos, trabalha junto com os homens. “A gente planta mandioca e faz farinha, mas não dá pro sustento da família. A gente entrava e pegava os restos. Aí, eles criaram um cadastro de catadores de facho, mas não dá para todos, porque entrou muita gente de fora”. Chapoca afirma que havia muita caça na mata nativa. “Tinha tatu, onça, anta, gambá (a melhor caça), catitu e veado. Agora, com os eucaliptos, só tem tatu e alguma paca”. O líder também se preocupa com a degradação ambiental. Mostra uma lagoa e dois riachos secos entre as plantações. “O eucalipto chupa muita água. Tá tudo seco. Mas a gente vai conquistar a área e recuperar as nascentes, mata nativa”.

Mais adiante, ele mostra a carvoaria da comunidade de São Domingos, em Conceição da Barra. Jorge Brandino, de 53 anos, fala da escassez de madeira. “Eles não deixam a gente pegar facho. Eles vigiam, alguns já foram presos, mas a gente não vai ficar com fome.” Ele serra algumas toras de eucaliptos. Pachoca explica que eles também recolhem algumas toras. “A gente entra e pega mesmo. Ninguém vai passar fome. Isso aqui é nosso”.

No final do ano passado, oito negros foram presos nas florestas da Aracruz. Após uma manifestação em frente à delegacia de polícia, com cerca de 100 quilombolas, todos foram soltos. A Aracruz afirma que a Justiça vai resolver o conflito, mas acrescenta: “Independentemente dessa solução, a Aracruz vem desenvolvendo trabalhos com as comunidade negras do norte do estado, buscando melhorar o seu padrão de vida. Este é um esforço do qual também estão participando as prefeituras da região, o governo do estado e o governo federal”. Sobre a existência de rios e lagoas secas, a empresa diz: “A questão de secas periódicas em alguns rios não está restrita a essa região, alcançando diversas regiões do Espírito Santo, e tendo como principal causa o desmatamento nas áreas das nascentes”.

Muito eucalipto, nenhum emprego

Madeira cortada em Conceição da Barra é levada para Aracruz

Cerca de 60% do território de Conceição da Barra (104 mil hectares) está ocupado com plantações de eucaliptos. O Correio perguntou à secretária municipal de Agricultura, Gisani Baldotto, quantos empregos diretos e indiretos essa atividade gera no município. “Nenhum”, responde a secretária. Ela explica que o corte de eucaliptos, atividade mais trabalhosa, é mecanizada e feita por empresas prestadores de serviços sediadas em São Mateus. O secretário de Finanças, Djalma Cosme, acrescenta: “O que está errado é essa concentração de terra na mão de poucos. Mas é um erro do passado. Isso tem 30 anos”.

Cosme lembra que “a riqueza é produzida aqui, mas gira em outros municípios. Isso enfraquece o comércio, a cadeia produtiva não gira. A empresa grande ganha o dinheiro aqui e vai gastar lá na conxinchina”. Mas ele não responsabiliza as empresas de celulose. “Não é culpa deles. Nós é que não nos preparamos para mexer com eucaliptos”. Duas empresas, Aracruz e Suzano, têm plantações no município. A Suzano tem fábrica de celulose no sul da Bahia. A atividade desses empresas no município gera R$ 10,3 milhões em Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS), mas esse tributo é recolhido pelo governo do estado.

O secretário de Finanças é contrário à reivindicação das comunidades quilombolas. “Aquilo é uma das coisas mais nojentas que eu conheço. Essas terras não valiam nada. Então, as pessoas começaram a vender para a Aracruz. Sou contra isso. Não tem assentamento para outros? Por que não para eles? Eles não sabem trabalhar a terra, vão derrubando e tocando fogo.”

Odor e renda
A Aracruz Celulose ocupa 40% do território do município de Aracruz, distante 79 quilômetros de Vitória, incluindo as instalações da fábrica de Barra do Riacho, as plantações de eucaliptos, as reservas naturais, as represas e as estradas. Só a área de plantio representa 23,4% do município. A prefeitura considera favorável a presença da papeleira, que gera empregos diretos na fábrica e indiretos nas empresas prestadoras de serviços.

A única queixa é o mau cheiro da fábrica: “O odor atrapalha sim. De acordo com o Instituto Estadual do Meio Ambiente, a emissão de odores está dentro das normas estabelecidas, mas mesmo assim incomoda”, afirma o secretário municipal do Meio Ambiente, Valber Campores. Ele acrescenta que “todo o efluente da fábrica é lançado no mar e não nos rios”.

O prefeito, Ademar Devéns, diz que “a Aracruz não é uma empresa isolada. Há uma rede se serviços em seu entorno, de grande contribuição para o município na geração de tributos, desenvolvimento e empregos. A companhia atua em parceria, o que a torna um exemplo em desenvolvimento”.