EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Notícia

Após 8 anos do vazamento de óleo da Petrobras, única punição foi para operador de duto

O CRIME DOS 6 SALÁRIOS-MÍNIMOS – Na madrugada de 18 de janeiro de 2000, o vazamento de 1,3 milhão de litros de óleo de um duto da Refinaria Duque de Caxias (Reduc) transformou a Baía de Guanabara num mar espesso e morto. Em poucas horas, praias, manguezais e a fauna da região sucumbiram à contaminação. Por Daniel Engelbrecht, Elenilce Bottari, Paulo Marqueiro e Tulio Brandão, do O Globo, 20/03/2008.

Aves agonizaram na areia, pescadores perderam o sustento. Oito anos depois, o castigo para o maior dano à baía desde que a Lei de Crimes Ambientais entrou em vigor, em 1998, foi o pagamento de seis saláriosmínimos (R$ 240 à época), pelo operador do duto, José Hermes do Valle Lima, em troca da suspensão condicional de seu processo penal. O valor foi destinado à Pastoral do Menor de São João de Meriti: — Paguei do meu bolso, cumpri a minha parte. Isso trouxe uma série de problemas para a minha vida. Aconteceu comigo o que poderia acontecer com qualquer um.

A ação criminal foi proposta pelo Ministério Público federal também contra outros nove funcionários, incluindo o então presidente da companhia, Henri Philippe Reichstul, e a própria Petrobras. Reichstul e a empresa foram excluídos do processo.

Os demais réus — diretores, superintendentes, coordenadores e outros funcionários que estavam de alguma forma ligados ao caso — ainda figuram na ação.

O processo, que tem mais de 5.450 páginas, corre ainda em primeira instância, na fase de alegações finais. No último movimento, advogados dos réus pediram que fossem oficiadas pessoas jurídicas na Inglaterra, Noruega, França e Estados Unidos para a obtenção de dados como “os maiores acidentes da indústria petrolífera a partir de 1995”. O juiz Márcio Solter negou o pedido — que atrasaria ainda mais o processo — por considerá-lo impertinente. Apesar do esforço do magistrado para dar andamento ao julgamento, especialistas dizem que a ação criminal já está ameaçada pela prescrição.

Empresa diz que agiu rapidamente

Os réus foram indiciados por provocar a morte de espécies da fauna aquática da baía (artigo 33), causar dano direto ou indireto a unidade de conservação (artigo 40), causar poluição que resulte em danos à saúde, impedindo o uso público das praias (artigo 54) e fazer funcionar atividade potencialmente poluidora sem licença (artigo 60). A pena mais alta é de cinco anos de reclusão para os artigos 40 e 54, incisos IV e V.

— Pelos antecedentes e circunstâncias, dificilmente os réus serão condenados a uma pena superior a quatro anos.

Acontecendo isso, a prescrição ocorre em oito anos de processo.

Como é mais ou menos esse o tempo já decorrido desde início do processo, há grande chances de ocorrer a prescrição.

Seria a coroação da impunidade ambiental — diz o advogado Rogério Zouein, especialista em direito ambiental.

A assessoria de comunicação da Petrobras informou, por e-mail, que independentemente da apuração de responsabilidades pelo acidente, a empresa tomou imediatamente as medidas para evitar ou minimizar os danos ambientais. Segundo a estatal, o vazamento de óleo na baía “representou um divisor de águas em sua atuação no que se refere ao meio ambiente”, levando a investimentos para tornar seus processos mais eficientes e seguros.

Se a maioria dos réus ainda não sentiu os efeitos da lei, moradores e pescadores ainda enxergam os fantasmas do desastre ambiental. Dona de uma casa em frente a um mangue ressecado no fundo da baía, em Magé, Maria Helena Augustinho, de 57 anos, só usa a água de seu poço artesiano — a região não tem água encanada — para lavar a casa e molhar as plantas. Repórteres do GLOBO, em visita ao local, perguntaram o motivo: — É que tem óleo, moço. A água desse poço sempre foi cheia de óleo. Quando a gente tomava banho, saía com um cheiro forte. Tomei medo. Agora, construímos uma cisterna que pega a água da chuva. Essa sim é a água de Deus.

Procurada pelo GLOBO, a Feema garantiu que fará análises no local para determinar a origem do óleo. Apesar de a casa estar às margens de um manguezal afetado pelo acidente, ainda não há como relacionar o poço contaminado ao vazamento de 2000. A Petrobras garante que nenhum estudo feito após o acidente indicou contaminação do lençol de água nesta região.

“A empresa financiou um projeto de monitoramento executado e fiscalizado pela Feema no sentido de identificar possíveis focos de contaminação e nenhum foi encontrado”.

Outros moradores reclamam de possíveis efeitos do acidente ambiental. A enfermeira Fernanda Lima, de 25 anos, olha para o mangue devastado com descrença.

— As árvores secaram desde o vazamento do óleo. Não cresceram mais. Antes, o manguezal era vivo.

Nas águas da Baía, está sendo lançado o movimento “Pescadores sem mar”, em protesto contra a escassez de peixes desde o vazamento. Marcos da Silva, de 44 anos, é um dos órfãos dos cardumes da Praia de Ipiranga, em Magé.

— Trabalhava como pescador, hoje sou pedreiro. Com esse fundo cheio de óleo, é muito difícil. Quem ficou na pesca tem outra fonte de renda. Só da pesca na baía é difícil viver — disse Marcos, diante do desolador cenário de uma baía completamente degradada.

Fechado para comentários.