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Artigo

O Baixo Parnaíba e o agronegócio, artigo de Mayron Régis

[EcoDebate] Frente o avanço do agronegócio da soja, do eucalipto e das carvoarias sobre as áreas de chapada no Baixo Parnaíba maranhense, a criação de reservas extrativistas como a da Chapada Limpa – município de Chapadinha – lograria a façanha de reter parte do Cerrado leste maranhense para usufruto da agricultura familiar do Baixo Parnaíba, região que se notabiliza como uma das mais povoadas do estado do Maranhão e que, historicamente, enfeixou e vem enfeixando uma verdadeira confraria de tipos e biótipos nos biomas Cerrado, Semi-Árido, Amazônia, Mata dos Cocais e Litoral.

Era bem típico do esponjoso Baixo Parnaíba maranhense que as suas famílias de agroextrativistas e quilombolas se recolhessem a dez, vinte ou trinta hectares bem grudados a cursos de água que escorriam o ano todo, porque em qualquer discrepância sobre a real posse da terra eles pediriam a intromissão de um político ou de um proprietário de terras – personalidades que se confundem – para continuarem sendo pequenos agricultores e nada mais e nada menos que isso e, em razão dessa intromissão, eles seriam gratos pelo restante de suas vidas; quem se atrevesse a nodoar o real valor desse bem-feitor na frente da comunidade ficaria sapecado de fogo amigo.

Pelo que se sabe, os agricultores do Baixo Parnaíba são gente egressa do Ceará e do Piauí que, desfolhados pela seca e alquebrados pelos conflitos agrários, ingressaram calados no Maranhão na freqüência de roçarem aquela terra de poucos ventos, mas muita água e muita mata, de comerciarem umas sacas de arroz, feijão, milho e farinha de mandioca e umas latas de azeite de babaçu em suas quitandas e de apassivarem a sua excitabilidade causada pela saudade, por doenças, por brigas, pela pouca comida e pelo esforço físico inglório.

Em suma, transferir-se para uma área muito distante de onde mora e por motivos alheios a sua vontade só para melhorar de vida e nesse efeito, em certas regiões do Brasil, a melhor forma disso acontecer era agregar agricultura e comércio. Quem podia enviava os filhos para São Luís ou para uma capital maior do tamanho de um Rio de Janeiro para serem educados como filhos da elite e formarem-se em direito ou medicina. Eles salvaguardariam a família no futuro. Nas viagens de férias ao reduto da família a melhor lição de todas as lições : a sua formação se deve ao que foi erigido ou economizado por décadas. Em outras palavras, influência política e apropriação de parte da renda das famílias de agregados que plantavam naquelas terras com consentimento do patriarca da família.

Acaso essa estrutura agrária e social permanecesse no Baixo Parnaíba pelas mãos dos doutores da lei e da saúde, conceder-se-ia um atenuante para a dificuldade em modificar os baixos índices de desenvolvimento humano da região e para o flerte com setores da soja, do eucalipto e da cana-de-açúcar por parte do governo. O que se vê, entretanto, é que, mesmo não permanecendo com a mesma força de outrora, essa estrutura esquentou a entrada do agronegócio no Baixo Parnaíba com documentos falsos e coisa que o valha para enfim se retirarem do setor primário e investirem a receita obtida da venda de terras no setor de serviços.

Entrementes, afora a defensiva do discurso de que a produção de soja alimentará o mundo desenvolvido e subdesenvolvido, como se o problema da humanidade fosse um mero problema de mercado, a introdução de culturas exóticas nos Cerrados brasileiros escancarou a agricultura familiar para a providencial modernização predicada pelos organismos financeiros multilaterais e pelas agências de cooperação.

Numa sociedade com fortes vínculos escravagistas e autoritários, como a maranhense, intrometer-se em assuntos como reforma agrária e reforma do Estado é sofrer retaliações e, nesse caso, a intromissão do agronegócio no Baixo Parnaíba possibilitou uma relação trabalhista mais “moderna” desse setor com a classe trabalhadora e uma “desapropriação” de terras do Estado com vistas ao mercado agroexportador. Em geral, sociedades conservadoras e conformistas vêem a modernização sócio-econômica como o derradeiro sopro de vida que as impulsionará para longe da miséria. Um dos municípios com mais propriedade no trato com a soja no Baixo Parnaíba desde o final dos anos 90 tem sido Anapurus. Com tal propriedade que a soja e as carvoarias enfartaram o Cerrado do município que alguém pergunta: “Se não desmatamos, fazemos o quê?”

Qual tropeço fez com que as elites revogassem as suas expectativas perante o Baixo Parnaíba, afinal foram tantos tropeços? Quantas injustiças se completaram no repasse de áreas para o agronegócio da soja, como no caso da Guadalupe em Anapurus? No município de Chapadinha, o agronegócio da soja acalenta a posse da chapada dos Remédios com o aval dos proprietários tradicionais que esculacham comunidades de posseiros que pagaram renda por anos. Como em outros casos, a existência de posseiros e agroextrativistas em áreas da Chapada dos Remédios contraria os interesses da família do antigo proprietário Manoel Lyra que pretende despachar a comunidade da Vila Chapéu e vender a área para um plantador de soja.
Despachando a comunidade fica fácil para a transferência de terras acontecer e fica mais fácil dos plantios de soja e das carvoarias rifarem os Bacurizeiros e os Pequizeiros.

Mayron Régis, jornalista Fórum Carajás.
*Esse texto faz parte do projeto Chapada Limpa, financiado pelo Casa (Centro de Apoio Sócio-Ambiental).