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Watson não é racista, é eugenista, por Pietra Diwan

[Correio Braziliense] As últimas declarações de James Watson, de que “negros são menos inteligentes de que os brancos”, surpreendeu o mundo, mas não todos. Geneticistas que consideravam o co-descobridor do DNA um semideus ficaram numa saia justa após essas declarações embaraçosas. E isso num tempo em que se discute a bioética na pesquisa genética e a ética no desenvolvimento de tecnologias ligadas à ciência da vida, a biologia. No entanto, essa não foi a primeira declaração polêmica da celebridade dos genes. Em 1998, numa conferência na Universidade da Califórnia, Watson declarou: “Se pudermos fazer um ser humano melhor por meio da manipulação do gene, por que não o faríamos? O que há de errado nisso? Quem está nos dizendo para não fazê-lo?” Ora, há um erro de entendimento nisso tudo. James Watson não foi racista nas últimas declarações, simplesmente porque James Watson é eugenista.

A eugenia foi a teoria de melhoramento da raça criada no final do século 19 pelo inglês Francis Galton, primo do naturalista Charles Darwin. O problema é que, nos Estados Unidos, na Escandinávia e na Alemanha, centenas de milhares de pessoas foram esterilizadas entre 1907 e 1983, sem contar as vítimas da hedionda política de extermínio adotada pelos nazistas entre 1939 e 1945.

Na década de 1950, depois do final da Segunda Guerra Mundial, e por toda a segunda metade do século 20, eugenistas órfãos e desconfortáveis com suas crenças reorientaram seus interesses para os estudos de demografia e biotipologia, variações de pesquisa que mesclam antropometria e psicologia e não lidam mais com a categoria raça mas tipos sociais. O termo eugenia não seria mais usado por cientistas pela lembrança do horror nazista. Mas as formulações e os problemas de um século de pesquisas continuariam.

Não foi à toa que James Watson foi o primeiro diretor do Projeto Genoma Humano. Seu conhecimento na área permitiu o desenvolvimento de novas tecnologias de análise do gene por parte de cientistas ávidos. Muitos desses cientistas contribuem para salvar vidas e trabalham com ética e respeito ao corpo e ao patrimônio genético. No entanto, há geneticistas que ainda tentam comprovar as teses dos eugenistas do início do século 20 e dão suporte científico a políticas de exclusão e controle social. Um exemplo disso é a lei aprovada recentemente na França que requer teste de DNA para imigrantes que queiram se juntar às famílias já residentes. É importante lembrar que essa lei foi aprovada num governo de fama eugenista, sob a qual a questão imigratória sempre foi vista com extrema importância.

James Watson era diretor-executivo — porque foi afastado recentemente — do Cold Spring Harbor Laboratory, entidade que nasceu eugenista em 1890. O CSHL foi a sede da eugenia norte-americana, responsável pela divulgação da eugenia radical no mundo todo na primeira metade do século 20. A reputação de Cold Spring Harbor é anterior a Watson. Ela foi dirigida mais de 30 anos por Charles Davenport, eugenista radical que divulgou essas idéias na América Latina, presidiu dois dos três congressos internacionais (sediados no mesmo Cold Spring Harbour) na década de 1930 e tinha sua pesquisa na análise do grau de desenvolvimento intelectual dos negros da região do Caribe.

Temos a mania de separar homens de ciência de homens de humanidades, e esquecemos que somos todos simplesmente humanos e nada de sagrado reveste o trabalho de médicos e biólogos. Certamente muitos dos funcionários que atendem o sr. Watson são negros. Mas isso nada tem de cientifico. Isso tem de histórico. A surpresa nas declarações de Watson não devia existir já que ele fala de um lugar conhecido. Ele está sendo coerente com suas crenças científicas e históricas.

Se Bruce Lahn, especialista na pesquisa entre genes e inteligência, disse que foi censura o cancelamento da palestra de Watson no Museu de Ciência de Londres, é importante que a sociedade afirme aos brados que repudia as declarações de Watson, pois não queremos que a história se repita como farsa — parafraseando o filósofo Karl Marx. A tragédia da Segunda Guerra Mundial e o horror da eugenia não podem se repetir jamais, sob nenhuma forma, mesmo que aparentemente cientifica.

Pietra Diwan – Mestre em história pela PUC (SP) e autora de Raça pura: uma história da eugenia no Brasil e no mundo (Editora contexto, 2007)

(Blog EcoDebate) artigo originalmente publicado pelo Correio Braziliense – 05/110/2007