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Premonições, por Nelson Batista Tembra

[EcoDebate] Esoterismo é o termo para as doutrinas cujos princípios e conhecimentos não podem ou não devem ser vulgarizados. Não sou esotérico, mas ao aproximar-se o mês de dezembro, posso arriscar algumas previsões para as declarações que Roger Agnelli deverá fazer durante o balanço de fim de ano da Companhia Vale do Rio Doce, o que provavelmente, a exemplo dos anos anteriores, deverá ser realizado na sede da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan).

Agnelli deverá afirmar que “com os investimentos de bilhões e bilhões de reais da Companhia Vale do Rio Doce no Pará nos próximos anos, é possível que mais de um milhão de pessoas de outros Estados seja atraído para terras paraenses. A multidão de migrantes criará novas demandas de infra-estrutura e serviços ao cidadão que não vêm sendo supridos pelo Poder Público”. “Isso poderá inviabilizar grandes projetos e, em conseqüência, travar o crescimento econômico do País”. “Há grandes projetos que não são viáveis, porque os gastos com o que não é feito pelo Poder Público são imensos”. O gasto social “acaba tendo que ser incorporado pelas grandes empresas e encarecem os projetos. O resultado é o retorno financeiro aquém do esperado devido ao não cumprimento de obrigações por parte das prefeituras, governos estadual e federal”.

Mas o executivo não deverá falar sobre os royalties que geram emprego, mas não garantem o desenvolvimento. Sob o título “O perfil econômico do município de Parauapebas e os reflexos sociais resultantes da compensação financeira pela exploração de recursos minerais”, um estudo conduzido por pesquisadores da UFPA traz duas revelações importantes. A primeira relativa ao distanciamento entre arrecadação e apuração, concluindo a pesquisa com base na análise da legislação e em dados oficiais do DNPM, que valores expressivos deixaram de ser efetivamente recolhidos pela Companhia Vale do Rio Doce. A segunda é referente à estrutura de gastos do município de Parauapebas (PA), que revela que a destinação dada aos recursos oriundos da CFEM está longe de criar as condições básicas para o desenvolvimento social e econômico que inspiraram a sua criação. A CFEM, segundo a pesquisa, pode servir como instrumento econômico para uma política capaz de canalizar parte da riqueza gerada pela mineração, que não é permanente, para outras formas sustentáveis de riqueza, o que faria com que a região continuasse o seu desenvolvimento após o término da atividade mineral. O perfil de gastos, porém, não é nem um pouco animador quanto à possibilidade de que possa vir a ser alcançado esse objetivo. Pelo contrário. Os números mostram que, ao se exaurirem as reservas minerais que hoje se acham em exploração, o município se achará sem perspectivas de crescimento econômico e enfrentando problemas sociais muito graves.

Agnelli deverá dizer que, em 2010, o Pará, que é o sétimo maior exportador do Brasil e o quinto em saldo de divisas, deverá estar gerando bem mais de US$ 8 bilhões líquidos para as contas externas nacionais, uma contribuição que apenas duas ou três outras unidades da federação também poderão dar. Mas não mencionará que, enquanto representa quase 80% do valor do comércio internacional paraense, a produção mineral tem papel pouco expressivo na formação da riqueza interna. A mineração entra atualmente com cerca de 4% da receita estadual de impostos, graças às isenções e vantagens concedidas pela União aos exportadores de semi-elaborados. Mesmo multiplicando por cinco o valor da produção na década, o peso da mineração será de 18% da renda tributária em 2010, segundo estimativa do próprio governo do Estado.

O executivo também não deverá dizer que o Pará não é um dos melhores Estados em Índice de Desenvolvimento Humano, mesmo tendo o segundo maior território e a 9ª população brasileira, e que não avançará muito nesse item se depender do boom mineral, que provoca crescimento e não desenvolvimento. O Pará parece fadado a ocupar seu lugar mineral sujeito à circunstância de ficar grande sem ficar rico.

Agnelli deverá reclamar da insuficiência na oferta de energia elétrica diante dos planos de expansão da empresa, mas outro aspecto que não deverá ser mencionado é sobre quem desembolsa a energia elétrica que é subsidiada para a Vale, que são os pobres consumidores residenciais. O Brasil, particularmente o Pará, estão entre os maiores exportadores de energia elétrica subsidiada na forma de minérios para os países industrializados.

Outra crítica pontual deverá dizer respeito à burocracia em torno da legislação ambiental do País. Ele deverá considerar que há excesso de interlocutores, o que dificulta as decisões sobre questões decisivas para economia e o desenvolvimento brasileiro. “Para dar início a um grande projeto é preciso explicar o mesmo argumento mais de 60 vezes”. “A discussão passa pelas prefeituras, pelas câmaras municipais, pelas secretarias de meio ambiente, pelas assembléias legislativas, Ministério Público, pelo governo federal, movimentos sociais e Funai”. Ele deverá defender ainda que as regras ambientais devam ser aplicadas, mas reivindicará clareza nos procedimentos e na discussão com agentes qualificados que possam debater os projetos com conhecimento técnico.

O ano deverá ser classificado como mais “um ano de recordes”. A Companhia Vale do Rio Doce deverá comemorar o mais alto valor de mercado da história, dezenas e dezenas de bilhões de dólares. A receita bruta, o lucro líquido e a geração de caixa serão de bilhões e bilhões de reais.

Outro destaque que deverá ser feito são os investimentos em projetos de responsabilidade sócio-ambiental, segundo Agnelli uma “prioridade da empresa”. Os números da Vale deverão indicar que em 2007 foram investidas algumas centenas de milhões de reais nessa área. O executivo deverá ressaltar que as ações da Companhia beneficiam mais de três milhões de pessoas em 500 municípios no Pará, Maranhão, Espírito Santo e Rio de Janeiro, Estados em que a Vale está instalada. Contudo, não deverão revelar que tais investimentos correspondem a poucos décimos ou mesmo centésimos percentuais do seu valor de mercado, idem da receita bruta, da receita líquida, dos seus investimentos acumulados e das novas aquisições de empresas. Vamos aguardar para conferir.

Nelson Batista Tembra é Engenheiro Agrônomo e Consultor Ambiental, com 27 de experiência profissional.

artigo publicado pelo EcoDebate.com.br