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A importância da Glaciologia para entendermos as mudanças climáticas no Brasil. Entrevista especial com Jefferson Simões

As geleiras dos pólos estão derretendo? O nível do mar está subindo? As áreas terrestres serão submersas pelos oceanos em alguns anos? Essas são algumas das questões que estão sendo amplamente discutidas pela população depois da ampla publicação de informações e análises sobre as mudanças do clima na Terra. Para entender o que é mito e o que é verdade em relação a este problema, é preciso entender como o clima se comportava antes. Isso é possível verificar após muitos estudos e pesquisas no gelo dos próprios pólos, onde estão armazenadas as informações químicas e climáticas de grande parte da história do planeta. Assim, a IHU On-Line entrevistou, por telefone, o professor Jefferson Simões, o primeiro glaciólogo brasileiro, especialista no estudo do comportamento do gelo e da neve na natureza.

Jefferson fala da importância de entender a paleoclimatologia e geografia polar para se pensar no meio ambiente da Terra, e dos estudos e pesquisas na Antártida para compreender a variabilidade do clima e os resultados do aquecimento global.

Jefferson Simões é graduado em Geografia, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com especialização em Geografia Marinha, pela mesma universidade. Realizou doutorado em Glaciologia, pela Universidade de Cambridge, na Inglaterra. Fez seu pós-doutorado no Laboratoire de Glaciologie et Géophysique de l’Environnement du CNRS, na França. Atualmente, é membro do Fórum Gaúcho de Mudanças do Clima, representante brasileiro do Grupo de Trabajo de Nieves y Hielos del Programa Hidrológico Internacional e da Commission for the Cryospheric Sciences, membro do comitê gestor de pesquisa do Ministério de Ciência e Tecnologia do Brasil e professor da UFRGS.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O senhor é o primeiro glaciólogo brasileiro. Qual é a importância de estudar essa e outras áreas, como a Paleoclimatologia e a Geografia Polar, para entendermos os problemas com o meio ambiente e com o clima da Terra?

Jefferson Simões – Glaciologia é a ciência que estuda o gelo e a neve na natureza. Essa é uma área de estudo muito importante para o Brasil, pois estamos mais perto da Antártida do que outras áreas do mundo e, assim, o ambiente brasileiro é afetado por essa grande massa de gelo. É importante salientar que a Antártida representa 90% da massa das geleiras do mundo. São mais de 25 milhões de quilômetros cúbicos de gelo. É tanto gelo que se fossemos passar para cima do território brasileiro nós teríamos algo em torno de 2.800 a 3.000 metros de cobertura de todos os 8,5 quilômetros quadrados do Brasil. Ou seja, essa massa enorme controla a circulação dos oceanos e da atmosfera no hemisfério sul. Pequenas variações que ocorrem lá, na sua morfologia, na mudança da extensão, como por exemplo, mudanças de clima, afetam o clima da América em geral, mas especificadamente do Brasil. Afetam, também, o nível médio dos mares e, portanto, nossa costa. Então, é essencial, se nós quisermos ter modelos climáticos adequados, prever o clima para os próximos anos, modelarmos e entendermos como o nosso cotidiano é afetado pela variabilidade climática. Passa a ser importante sabermos também que nós temos uma integração do ambiente brasileiro com a Antártida e, claro, basicamente, com o gelo da Antártida.

Por outro lado, a Antártida, também como a Groenlândia, guarda em suas camadas o melhor registro da história da composição química da atmosfera e, obviamente, da história do clima. Basicamente, a neve, nessas duas enormes massas de gelo, que nós chamamos de mantos de gelo, é formada pela precipitação e acumulação de cristais. Esses cristais de neve quando precipitam e acumulam nas geleiras guardam toda a composição da química do passado, da atmosfera. Então, nós podemos reconstruir muitas informações. Como, por exemplo, erupções vulcânicas que aconteceram no passado, as temperaturas médias do planeta, se o planeta era mais úmido ou menos úmido, se os ventos eram mais fortes ou mais fracos, como o homem mudou a composição química através da poluição global, e assim por diante.

IHU On-Line – Qual é o impacto das mudanças globais na Antártida?

Jefferson Simões – Ao contrário do que muitas vezes se anuncia, o impacto das mudanças climáticas no interior da Antártida não é claro. Basicamente, nós não estamos vendo nenhuma modificação de grande porte, pelo contrário. As mudanças continuam no estado igual ao anterior à presença do homem, há mais de 30 mil anos. O que é importante é que a periferia da Antártida, a parte mais amena, a parte mais quente, exatamente onde o Brasil trabalha, está a cerca de 3.100 quilômetros do Rio Grande do Sul. Trata-se da área que mostra os primeiros sinais às respostas das mudanças do clima. Nós não gostamos de falar em mudanças globais, porque ainda não temos, no caso da Antártida, esse final bem claro, mas certamente regional e ali é o lugar que mais aqueceu em todo o mundo, aumentando a temperatura média em três graus centígrados. Isso é muito durante os últimos 50 anos. E, é claro, o gelo daquela região, dessa parte mais quente, está com um rápido processo de derretimento, mas eu volto a enfatizar que é uma parte muito pequena da Antártida e do gelo do planeta. É menos de 1%. A grande parte, a parte interior da Antártida, é muito estável.

IHU On-Line – O senhor pode nos contar como foi a participação brasileira na travessia até a Antártida junto aos pesquisadores chilenos?

Jefferson Simões – No verão de 2004-2005, foi realizada uma grande expedição chilena com a participação de dois brasileiros, que tinha como objetivo científico coletar uma série de amostras de gelo e neve que caíram lá nos últimos 300 anos e, portanto, reconstruir a variabilidade do clima e a participação do homem na atmosfera. Ao mesmo tempo, foi uma aventura de exploração do continente, que foi 80 graus sul até o pólo sul geográfico, numa viagem ida e volta de 2300 quilômetros. Foi a primeira vez que um brasileiro atravessou o continente com temperaturas que chegaram até menos 54°C. A travessia durou dois meses. Nós fomos até o pólo sul geográfico, onde existe uma estação norte-americana, e retornamos para o nosso ponto de partida, que era uma estação chilena e voltamos ao Brasil. Os dados ainda estão sendo analisados junto com nossos colegas estadunidenses.

IHU On-Line – Quais são os mitos e as realidades no que se refere às mudanças climáticas globais?

Jefferson Simões – Mais do que mitos em relação às mudanças climáticas globais, nós podemos falar em mal entendidos na informação e falta de conhecimento tanto químico e geográfico básico. Muitas vezes a comunidade e a mídia cometem esse erro. Vamos dar alguns exemplos: se confunde muito aquecimento global com mudanças no clima, com efeito estufa, com efeito estuda intensificado ou mesmo com o buraco de ozônio. São todos processos que estão relacionados às mudanças ambientais, mas certamente alguns relacionados um com o outro, mas outros não têm nenhuma relação. Por isso, nós precisamso ter muito cuidado ao definir os conceitos. Além disso, muitas vezes se fala que as calotas polares estão derretendo. O leigo, em geral, não sabe que existe o mar congelado que pode desaparecer e que não vai aumentar o nível do mar, o que está realmente acontecendo em grande parte do Ártico. O gelo do mar do Ártico está desaparecendo, e nós temos os gelos das geleiras que estão acima do nível do mar e que, caso derretam, ajudariam a aumentar o nível do mar. Então, nós podemos falar em outro mito, que é o de que todo o gelo do planeta está derretendo e que vai aumentar o nível do mar em alguns metros. Isso é um erro, pois a comunidade científica nunca falou nisso, e o IPCC muito menos. Na verdade, a nossa previsão, a previsão cientifica, é a de que haverá o aumento do nível do mar entre 18 cm até 60 cm até o ano 2100. Essa é uma previsão séria, com sérios impactos socioeconômicos com certeza, mas não na escala catastrófica, que está mais para filmes de ficção científica.

IHU On-Line – Isso vai de encontro ao que Al Gore afirma no documentário “Uma verdade inconveniente”, não é?

Jefferson Simões – Aqui, há dois problemas: o primeiro é o problema de tradução, em que se traduz, por exemplo, escape como calotas polares. Então, há muito erros de tradução no Brasil por falta de conhecimento do tradutor, o que é clássico. O outro ponto é que se fala o nível aumentaria em seis metros, o que seria um caso catastrófico, mas nós não temos nenhuma evidência de que isso poderia realmente acontecer em menos de 300 anos. Esse é um ponto que está exagerado no filme de Al Gore. É bom lembrar que o filme teve um aspecto didático de chamar a atenção para esse assunto, mas ele tem alguns erros. Pela análise científica, cerca de 70% das informações estão corretas. Há erros de conceitos, exageros, mas o trabalho geral está bem apresentado.

(www.ecodebate.com.br) entrevista publicada pelo IHU On-line, 22/10/2007 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS. ]