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Artigo

Questão Indígena e a UHE Estreito, por João Paulo Morita

Foi no ano de 2000 que começou o processo de licenciamento ambiental com o intuito de construir a UHE Estreito, encaminhado pelo Consórcio Estreito Energia – CESTE, formado pelas empresas Tractebel EGI South América Ltda, Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), Alcoa Alumínio S/A, BHP Billiton Metais S/A e Camargo Corrêa Energia S/A.

No ano de 2002 a Funai emitiu um parecer ao IBAMA onde “opina favoravelmente pela continuidade do processo de licenciamento ambiental da referida UHE, mediante a inclusão de condicionantes na respectiva licença, determinando ao empreendedor, complementar os estudos ambientais com quesitos para o componente indígena, conforme termo de referência a ser elaborado por esta Funai, detalhando os quesitos do relatório de vistoria”[1]. Esse parecer da Funai foi emitido alguns meses depois da primeira rodada de audiências públicas, que foram realizadas nos municípios de Carolina e Estreito (MA).

Nada foi feito depois disso e o processo de licenciamento continuou. O IBAMA não concedeu a licença prévia para o CESTE e solicitou ao mesmo que complementassem os estudos que tinham sido feitos. No final do ano de 2004 os estudos de complementação foram entregues ao IBAMA e foi marcada uma nova rodada de audiências públicas a serem realizadas em cinco municípios (Estreito e Carolina no estado do Maranhão e Aguiarnópolis, Babaçulândia e Filadélfia no estado do Tocantins) nos meses de janeiro e fevereiro. Nessas audiências estiveram presentes representantes indígenas das áreas que sofrerão impactos com a construção da UHE Estreito (Krahô e Apinajé no estado do Tocantins e Krikati e Gavião no estado do Maranhão). Esses representantes indígenas sabiam que não tinham sido contemplados devidamente nos estudos realizados e participaram ativamente dessas audiências públicas indagando sobre essa exclusão a que tinham sido submetidos. Não houve respostas imediatas aos seus questionamentos e a Funai foi procurada por esses representantes indígenas para saber como essa autarquia do Governo Federal estava se posicionando quanto a esta questão. Outro motivo para se procurar a Funai foi o não envio, por parte desta autarquia, de nenhum representante para nenhuma das audiências públicas que foram realizadas.

Diante da pressão imposta pelos Krahô, Apinajé, Krikati e Gavião a Funai voltou a se pronunciar. Depois de realizar uma reunião na Terra Indígena Krahô, com a presença de outros representantes das outras Terras Indígenas, a Funai emitiu um parecer, datado de fevereiro de 2005, solicitando ao IBAMA “que a Licença Prévia do Empreendimento não seja concedida até que esta Fundação tenha analisado e apresentado a análise devida em relação ao componente indígena”[2]. A justificativa para a Funai requerer a não liberação da licença prévia se embasa no temor dos índios em relação aos possíveis impactos sobre suas terras – e ainda no fato da Funai não ter se manifestado quanto aos estudos de complementação ao EIA/RIMA, pois os primeiros estudos que foram realizados são todos de bases secundárias, não havendo em nenhum momento estudos in loco nas Terras Indígenas.

Mesmo assim, o IBAMA concede em 29/04/2005 a Licença Prévia ao Consórcio Estreito Energia – CESTE. Licença essa que contem vários requisitos a serem cumpridos (53 no total) para se conseguir a Licença de Instalação. Quanto a questão indígena é solicitado ao CESTE “apresentar programa de monitoramento de impactos potenciais nas comunidades indígenas, incluindo estudo etno-ecológico que considere os impactos socioambientais da UHE para as Terras Indígenas localizadas na área de influência do empreendimento, enfocando como a possível mudança do regime de escoamento dos rios poderá afetar as atividades produtivas destes grupos indígenas”[3].

Para a realização desses estudos etno-ecológicos, o CESTE encaminhou a Funai os currículos dos técnicos que fariam esses estudos, para que essa mesma Funai consultasse as comunidades se elas aceitariam ou não esses técnicos que estavam sendo indicados. Depois de alguns problemas de comunicação da Funai com as aldeias e associações representativas das aldeias indígenas foi possível realizar uma reunião para se decidir sobre os técnicos que estavam sendo indicados. A decisão dos índios foi: primeiro, não aceitar a construção desse empreendimento, pois afetaria suas Terras Indígenas; segundo: mesmo não querendo aceitar esse empreendimento, seria preciso estarem conscientes de que essa é apenas uma posição deles e que não seria uma posição definitiva, pois envolvem outras instâncias de decisão, eles autorizavam a realização dos estudos etno-ecológicos para se comprovar os impactos que sofreriam, mas não aceitavam os técnicos sugeridos pelo CESTE (eles mesmos queriam indicar os técnicos para a realização desses estudos, técnicos que fossem de sua confiança) temendo que os técnicos indicados pelo CESTE apressassem os estudos não informando dados que para eles são relevantes.

No presente momento está havendo um impasse por conta de quem irá fazer esses estudos, pois o CESTE não aceitou os nomes que foram indicados pelas comunidades indígenas. Além de não aceitar os nomes indicados, o consórcio não está considerando como áreas que sofrerão impactos as Terras Indígenas Krikati e Gavião, posição contrária também a da Funai. Sobre a Terra Indígena Krikati o CESTE entrou com um processo administrativo junto a este órgão para a não inclusão dessa área nos estudos etno-ecológicos e sobre a Terra Indígena Gavião, nem a estavam considerando.

O Ministério Público Federal, representado pela Procuradoria da República no Estado do Tocantins e pela Procuradoria da República em Imperatriz (MA) também encaminhou documentos ao IBAMA. Num deles, datado de 18/06/2005 e intitulado “Recomendação 001/2005”, solicita a revogação da Licença Prévia concedida ao CESTE até que se complemente os estudos que possibilitem o conhecimento dos impactos provocados pelo empreendimento. Essa recomendação é sustentada na insuficiência de alguns estudos e em diversas omissões do Estudo de Impacto Ambiental (EIA), reconhecidas pelo próprio IBAMA por meio de pareceres técnicos e que não foram contemplados pelo órgão quando da concessão da Licença Prévia. Ao todo, os procuradores relacionaram 16 itens que tornam precária a referida licença.

O IBAMA respondeu essa solicitação informando que não revogaria a Licença Prévia porque entende que os problemas que foram levantados pela Procuradoria poderiam ser resolvidos durante o processo de licenciamento do empreendimento.

Dado este quadro, percebe-se que enormes erros e omissões foram cometidos contra os povos indígenas, tanto por parte da Funai, quanto por parte do CESTE. A Funai está tentando se redimir perante essas comunidades indígenas, fazendo o máximo que pode, mesmo que muito pouco, para tentar consertar as omissões cometidas. O CESTE, por sua vez, está mostrando uma total inabilidade para tratar a questão indígena, não medindo direito as conseqüências dos seus atos, talvez confiando que o lobby político seja mais forte e consiga dar prosseguimento aos seus objetivos. Parece também, que o Ministério Público Federal não tem, ou não está querendo ter, forças jurídicas para fazer com que o processo seja mais justo para todas as partes envolvidas. Talvez pelo motivo de não ter novos dados técnicos para avançar em uma ação civil pública.

Por: João Paulo Morita (23/11/2005)
Centro de Trabalho Indigenista – CTI
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Tel/fax (61) 3349-7769

Portal EcoDebate, www.ecodebate.com.br, 21/12/2005