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Artigo

A nossa terra, a nossa água, a nossa vida, artigo de D. Luiz Flávio Cappio

Este é o grito de um pastor que vem das terras do Sul, preocupado e muito ocupado com as ovelhas de sua imensa grei. Um pastor que deseja ardentemente que suas ovelhas tenham verdes pastos nos quais comer, água cristalina para beber, ar limpo para respirar. Vida de qualidade e dignidade, vida com todos os direitos de cidadania. E por isso é necessário pôr em fuga os lobos que giram vorazes nas vizinhanças em busca de vítimas com as quais saciar sua insana fome de riqueza e de poder.”

A opinião é de Luiz Flávio Cappio, bispo de Barra, na Bahia, grande crítico da transposição do Rio São Francisco. O artigo, transcrição de trechos de um pronunciamento de D. Cappio feito na Itália, foi publicado pela agência italiana Adista, 28-06-2010. A tradução é de Benno Dischinger.


(…) Senhoras e senhores,

O ser humano se encontra ante uma emergência inédita. Este planeta azul de um universo divino, estrela do firmamento, privilegiado por sua beleza e riqueza, que sempre nos ofereceu sustento e conforto, agora agoniza há longa data por causa da insana exploração humana.

O momento é grave e necessita de toda a nossa reflexão, séria e responsável. O momento exige consciência para lutar contra a destruição dos nossos rios, dos nossos bosques, do nosso povo e contra a arrogância e o lucro de quantos querem transformar tudo em mercadoria e em moeda de troca para fins econômicos.

Nosso planeta exige que se escolha a vida, pondo fim à contaminação do ar e da água, à degradação dos solos, à destruição da flora e da fauna e à corrupção do ser humano. A Terra, nossa casa, pede re-spiração, um pouco de paz e condições propícias para recuperar sua vitalidade e para continuar a viver de modo sadio. Pede investimentos e, sobretudo cura, que – segundo o grande pensador Leonardo Boff – é o outro nome do amor.

Todos os bens têm sido colocados pelo Criador ao serviço e à atenção do ser humano. Devemos servir-nos e cuidar destes bens, do ar puro, das fontes, das florestas, das reservas minerais, com consciência e respeito. Poluir o ar com o bióxido de carbono, desviar o curso dos rios com diques, destruir bosques e contaminar as águas com esgotos e pesticidas, plantar para um fim diverso da produção de alimentos, tudo foi imposto como “necessário para o desenvolvimento”. Mas, que desenvolvimento é esse? Desenvolvimento sem sustentabilidade é um conceito errôneo e ultrapassado. O verdadeiro desenvolvimento deve ser sustentável, social e ecologicamente, e nos solicita remediar as agressões já cometidas.

Submeto-vos estas reflexões não como especialista, mas como um pastor ribeirinho. São quase quarenta anos que vivo às margens do Rio São Francisco, o Velho Chico. O que digo se baseia naquilo que vivencio aqui, junto ao povo pobre e bom das ilhas, dos pântanos, das fozes e dos bosques deste rio abençoado por Deus e deturpado por mãos humanas.

Um rio moribundo

(…) O São Francisco é o maior rio inteiramente brasileiro e historicamente o mais importante, chamado “rio da unidade nacional” porque tem sido a via pela qual os colonizadores penetraram ao interior do imenso território nacional, unificando-o de norte a sul. Com os seus quase 3.000 quilômetros, é o 18.º rio do mundo em comprimento, maior do que o Danúbio e mais do dobro do Reno, e drena uma bacia hidrográfica de 640 mil km2 (8% do território nacional), mais do que a França e Portugal somados. Na sua bacia vivem em torno de 16 milhões de pessoas (9% da população brasileira). Desfrutado de maneira intensa e selvagem a partir dos anos 40 para a produção de energia elétrica, a irrigação de cultivos de frutas, de cereais e de agro-combustíveis (cana de açúcar para etanol), para a criação de gado e o abastecimento doméstico e industrial, em pouco tempo adoeceu de modo muito grave. Desmatado, coberto de terra, poluído, sua dimensão média, que era de 3.000 m3/s em 1929, isto é, maior do que a do Nilo, diminuiu para 2.000 m3/s na segunda metade do século e é atualmente de 600m3/s. Estudos recentes realizados por pesquisadores dos Estados Unidos concluíram que sua dimensão caiu em 35% em cinquenta anos. Do que resta poderia perder até 20% segundo pesquisas comissionadas pela ONU sobre alterações climáticas.

Por um ano, entre 1992 e 1993, junto com três companheiros – um camponês, uma religiosa e um ambientalista – percorri o São Francisco da fonte à foz, numa peregrinação religiosa e ecológica, e místico-políica. Pudemos ver de perto a dureza da vida dos ribeirinhos, sua simbiose com o rio – que, como a um pai, chamam de Velho Chico. Constatamos as agressões que sofrem o rio e o povo, entre resignação e resistência. Fizemos apelo aos responsáveis. Solicitamos ao povo, além dos cuidados que ele mesmo pode e deve garantir, que ele lutasse em defesa de seu rio, condição fundamental de sua própria vida. Dizíamos: “Rio morto, povo morto; rio vivo, povo vivo”! E o povo, nestes últimos anos, se levantou em defesa da vida, mas são maiores e mais fortes os poderes da morte.

As greves de fome

Diante da insensibilidade do governo brasileiro ante as vozes críticas da ciência, da Igreja, da sociedade e dos movimentos e organizações populares, e para obter uma suspensão dos trabalhos, bem como a abertura de um debate e um aprofundamento dos estudos em busca da verdade sobre o rio, sobre o semi-árido e sobre a transposição do São Francisco, fiz dois jejuns: um por 11 dias em 2005 e o outro por 24 dias em 2007. Foi grande e surpreendente o apoio que recebi, também da Suíça, e aqui aproveito para agradecer a todos: Deus vos recompense! Mas, isso não bastou para dissuadir as autoridades e para fazer recuar os poderosos interesses que se escondem por trás do projeto. Jesus dizia que certa raça de demônios só se expulsa com o jejum e a oração (Mt 17,21)…
Deve ter acontecido faltar a fé, porque ainda não os expulsamos…

Espelho de uma sociedade

Infelizmente o caso do São Francisco não é uma exceção. No Brasil, sete rios sobre dez são poluídos. Segundo as Nações Unidas, o problema atinge mais da metade dos rios da Terra. Alguns dos rios mais importantes do mundo, que abastecem áreas populosas, estão perdendo tamanho. Um terço dos 925 rios estudados pelos pesquisadores norte-americanos antes citados apresenta mudanças significativas nos fluxos da água nos últimos 50 anos: aqueles cujo tamanho se reduziu superam aqueles que viram crescer o próprio tamanho na proporção de 2,5 a 1. Resultado da desordem dos bens naturais – água, terra, bosques, minas – das bacias hidrográficas.

“Se é verdade que um rio é como um espelho que reflete os valores de uma sociedade”, a nossa talvez valha por aquilo que produz em termos de esterco, rejeitos e poluição…

Os rios são somente a maior demonstração da insustentabilidade do nosso modo de viver e de tratar as águas do planeta.

Na realidade, o projeto de transposição do rio São Francisco, as imensas monoculturas de eucalipto e agora o terrível projeto do dique de Belo Monte, na Amazônia, não são pensados para melhorar as condições de vida da população, mas para aumentar a fortuna dos mais ricos, não obstante provoquem devastação ambiental, desemprego, miséria, fome e sede. Despertam-se os primitivos sentimentos do ”lobo” que está em nós: a avidez, o egoísmo, a soberba. Produzir riqueza a qualquer custo, mesmo causando dano à natureza e às populações.

Em 1990, 20 países sofreram por falta de água. Em 1996 já eram 26. Dizem as previsões que em 2020 subirão a 41, e em 2050 serão dois bilhões e meio as pessoas no mundo que ficarão privadas de água. De 1500 aos nossos dias, a água tem sido instrumento ou causa de mais de 60 conflitos. O século vinte, com a expansão do capitalismo e o desenvolvimento tecnológico, foi amplamente o mais mortífero. Estamos vivendo uma fase de neocolonialismo e, desta vez, o saque se concentra, além de ser feito nas terras agrícolas e nas minas, precisamente sobre a água.

E quem pagará será o povo

Um inédito Mapa da Injustiça Ambiental e Sanitária do Brasil, recentemente tornado público, indica que em 116 dos 300 casos documentados o problema da água está de certo modo presente.

Segundo a Constituição brasileira de 1988, a prioridade dos investimentos públicos em projetos hídricos é a de resolver o problema da sede humana e animal. E os megaprojetos de transposição do rio São Francisco e do dique de Belo Monte sobre o rio Xingu se colocam, ao invés, como objetivo o de refornecimento hídrico para o agro business do Nordeste e da segurança energética para os grandes projetos minerário-industriais na Amazônia, e, além disso, violam os territórios dos povos tradicionais, indígenas, quilombolas e camponeses. Neste sentido, os projetos são anticonstitucionais e atentam aos direitos fundamentais da população.

Estes projetos faraônicos constringirão o povo, sobretudo os habitantes das cidades, a subvencionarem os usos econômicos da água, como a irrigação de frutas apreciadas, as criações de camarões, a produção de aço e as mega-monoculturas para a produção de combustíveis. No Brasil, o custo da energia é muito baixo para as indústrias e muito alto para o povo. Os projetos são financiados com dinheiro público e é o povo que paga a conta do consumo de energia das empresas. Aquele povo que se deve contentar com as migalhas que caem da mesa dos ricos.

Ante a crise atual da água, estou certo que temos a possibilidade – talvez a última – de compreender a gravidade da alternativa diante da qual se encontra a humanidade: a vida, da qual a água é a mis completa expressão, ou a morte. E é neste sentido que a Declaração da Água como Bem Público e Direito Humano é importante, porque representa uma questão fundamental da preservação da vida.

O dilema se coloca nestes termos: a água como direito garantido a cada ser humano e todos os seres vivos, ou a água como um negócio, privatizada, mercantilizada, lucrativa e, por conseguinte negada, poluída, profanada, desviada, destinada a produzir sede, fome, doenças, extinção de espécies e morte. Aqui não há meios termos porque, subjugada a água – origem e condição da vida – aos ditames mercantis do neoliberalismo, não restará mais nada.

É necessário respeitar a mãe natureza e a população que suporta o ônus de todos estes projetos insanos. A natureza merece atenção e povo merece consideração e respeito. Em fim de contas, é sobre os ombros que recai o preço destes projetos dos quais se beneficiam os poderosos.

Nossa luta é permanente e está inscrita no fundamento que tudo sustenta: a fé no Deus da vida e na ação organizada dos cidadãos, para que as bênçãos de Deus se difundam de modo equânime sobre todos.

Nossa luta é garantir a vida, a biodiversidade dos ecossistemas, um verdadeiro desenvolvimento para as populações do semi-árido do Nordeste e da Amazônia. Lutamos para que o Estado reconheça a dignidade do homem dos campos e das florestas. Para que estes possam produzir alimentos e oferecer água de qualidade àqueles que necessitam, como também receber a devida atenção das políticas públicas.

Não basta dizer ”não” ao projeto de transposição do rio São Francisco, às monoculturas, ao dique de Belo Monte sobre o rio Xingu. É necessário um plano de desenvolvimento verdadeiramente sustentável que leve benefício a toda a população. Temos necessidade urgente de construir um novo modo de pensar em matéria de ar, água, solo, florestas, de combater o desperdício, de valorizar aquilo de que dispomos, de conservar e proteger os bens naturais para as gerações futuras.

A água é patrimônio de todos os seres vivos, não só da humanidade. Nenhum uso diverso da água, nenhum interesse de ordem política, de mercado ou de poder pode se sobrepor às leis fundamentais da vida. Neste sentido, a Declaração Ecumênica sobre a Água nos recorda a necessidade que as Igrejas se unam em sua missão profética a serviço da justiça social e da defesa deste dom de Deus que meu pai e irmão São Francisco chamava de “Irmã Água”, “muito útil é humilde e preciosa e casta”.

Para nós, de acordo com a teologia e a doutrina social da Igreja católica, são três os princípios da nossa relação com a água: sua destinação universal (para todos os seres vivos), seu reconhecimento como direito humano fundamental, e a prioridade de seu uso para a vida. É isto que afirma a Declaração sobre a Água como Direito Humano e Bem Público.

As mãos de Deus

Sabemos que as lutas pela justiça social, pela terra, pela água, pelas florestas, pela biodiversidade, em suma, pela vida, encontram muitos obstáculos. Existem poderosos interesses econômicos em condições de impor uma visão do mundo no qual tudo é mercadoria: um supermercado global em que tudo se compra e tudo se vende.

Com tristeza acompanhamos as notícias sobre a maré negra nos Estados Unidos e sobre a asseguração da parte da indústria petrolífera responsável que ela pagará todos os prejuízos. Eu me pergunto: a vida tem um preço? As aves, os peixes… quem falará por eles? E assim os pobres deste mundo, os sem voz, os sem terra, os sem água… Quem falará por eles?

No projeto de transposição do rio São Francisco o exército brasileiro com todo o seu poder de intimidação avança junto aos trabalhos. Recordamos que todas as vítimas das lutas pela terra, a mais recente das quais, Dorothy Stang, foi barbaramente assassinada por sua batalha pela justiça e por uma vida digna. Também aqui na Suíça, um país de grande tradição democrática, uma multinacional, a Nestlé, enfastiada pelas críticas da sociedade civil, organizou uma operação de espionagem que eu leio como uma clara ameaça, em que ficou envolvido um nosso irmão brasileiro (Franklin Frederico), um companheiro na luta.

Toca a nós, Igrejas empenhadas, exprimir solidariedade com estas lutas, tanto no Brasil como na Suíça e no resto do mundo.

Este é o grito de um pastor que vem das terras do Sul, preocupado e muito ocupado com as ovelhas de sua imensa grei. Um pastor que deseja ardentemente que suas ovelhas tenham verdes pastos nos quais comer, água cristalina para beber, ar limpo para respirar. Vida de qualidade e dignidade, vida com todos os direitos de cidadania. E por isso é necessário pôr em fuga os lobos que giram vorazes nas vizinhanças em busca de vítimas com as quais saciar sua insana fome de riqueza e de poder.

Senhoras e senhores, no evangelho Jesus nos ensina (Jo 10,10) que o Bom Pastor, se necessário, dá a vida por seu rebanho e não poupará sacrifícios “para que todos tenhamos vida e a tenhamos em abundância”.

O planeta é este imenso campo, a nossa casa. O povo é o grande rebanho do Bom Pastor que, por sua vez, se multiplica numa quantidade de pastores e pastoras empenhados a cuidar com amor a casa e a família que nos tem sido confiadas. “Porque Deus”,disse Bernanos, “não tem outras mãos para trabalhar senão as nossas”.

(Ecodebate, 12/07/2010) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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3 thoughts on “A nossa terra, a nossa água, a nossa vida, artigo de D. Luiz Flávio Cappio

  • Paulo Afonso da Mata Machado

    Interessante o pronunciamento do bispo de Barra. Contudo, como ele afirma não ser um especialista no assunto pedimos licença para fazer-lhe algumas observações.
    Comecemos pela referência à vazão do Rio São Francisco. Devido aos sucessivos barramentos, incluindo o lago de Sobradinho, com seus 35.000 m3 de volume e 4.214 km2 de espelho de água, torna-se possível controlar a vazão do Velho Chico. O art. 4° da Deliberação nº 08, de 29.7.2004, do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, estabelece 1.300 m3/s como vazão mínima na foz do rio. Portanto, a vazão mínima do Rio São Francisco é de 1.300 m3/s, sendo sua vazão média de 2.850 m3/s. Nos anos de baixa pluviosidade na bacia do S. Francisco, a CHESF obtém autorização para reduzir a vazão mínima na foz para até 1.100 m3/s, porém nunca a 600 m3/s.
    O ciclo hidrológico indica que a água do planeta se encontra assim dividida: 97% de água do mar, 2,2% nas geleiras e 0,8% de água doce. Apesar do aquecimento global, esses números ainda são mantidos. Entretanto, o desmatamento das margens de rios e lagos tem feito um maior escoamento para esses rios e lagos, diminuído a água infiltrada e aumentando as enchentes. Menor infiltração implica menor quantidade de água no subsolo e o fim de muitas nascentes, que, de permanentes, se tornam intermitentes. Desse modo, a propalada falta de água é, na realidade, uma interferência equivocada do homem no ciclo da água. A recomposição das matas ciliares vai trazer de volta as nascentes.
    Há a se considerar, no entanto, que a população do planeta vem aumentando. A água, apesar de abundante no planeta, não pode se deslocar, por si própria, para as regiões mais populosas e, para isso, é necessária a mão do homem. Para isso, Deus lhe deu a inteligência. Não é combatendo a transferência de parte da água de uma região que a tem em abundância – o vale do São Francisco – para uma região em que ela é escassa – o Nordeste setentrional – que vamos solucionar o problema da falta de água prevista para 41 países em 2020. Aliás, para citar a Bíblia, está escrito em Gênesis, 3,19: “Do suor do teu rosto comerás o teu pão”. Ao buscar alimento, é preciso que a humanidade tenha respeito pelo meio ambiente, mas não tem como deixá-lo intocado…
    O bispo se refere ao “agro business do Nordeste” como o grande beneficiário da transposição. Ledo engano. A transposição objetiva garantir segurança hídrica aos habitantes do Nordeste de forma a estancar a migração rural. Nesse contexto, o agronegócio não está ausente, na medida em que é uma fonte permanente de alimento e de emprego, sendo um dos pilares na manutenção do homem na terra.
    O bispo se equivoca ao dizer que o custo da energia é muito baixo para as indústrias e muito alto para o povo, numa espécie de subsídio cruzado às avessas. Na realidade, o subsídio cruzado foi criado para que a população de baixa renda tenha acesso à energia elétrica. Cobrando mais da indústria e menos da população, é possível a democratização do acesso à energia elétrica. Não fosse a diferença de preços – maior para a utilização da energia elétrica como insumo e menor para seu uso pelas famílias – e, em pleno século XXI teríamos milhões de pessoas sem acesso à energia elétrica, que, diga-se de passagem, no Brasil é produzida pelo barramento dos rios e, portanto, pela interferência do homem. Se quisermos manter a natureza intocável, vamos ter, também, que renunciar ao uso da energia elétrica.
    A água está presente em praticamente todas as atividades humanas, desde as grandes indústrias até os pequenos negócios. Todos dependemos da água. Negar seu caráter de fonte lucrativa é retirar-lhe um de seus mais importantes atributos: o de coadjuvante na produção econômica. E quando digo produção econômica, digo qualquer uma, pois dificilmente encontraremos uma que possa ser desenvolvida sem o uso de água. Desde a produção de chuchu até a produção de aviões, todas as atividades humanas dependem de água. Portanto, devemos nos conscientizar – e isso já começa a ser feito – que a água usada deve ser devolvida à natureza como foi encontrada, para que outro também a possa utilizar.
    O bispo fala em “privatização” da água. Gostaria de saber como alguém pode privatizar algo que, pela sua própria natureza, é impossível de ser armazenada indefinidamente. Se alguém quiser estocá-la para usá-la egoisticamente, vai perceber que ela se lhe escapará, seja por evaporação, seja por escoamento. Se algum maluco quiser retê-la em uma caixa como se guarda um tesouro, vai perceber que, em pouco tempo, ela estará imprópria para o consumo. Quando digo que é impossível reter a água, estão falando em todos os sentidos. Os críticos da transposição já devem ter percebido que, se se recusarem a permitir que a água do Rio São Francisco possa ser usada, será impossível retê-la no leito do rio, pois ela escapará em direção ao mar. Portanto, devemos riscar do nosso dicionário de saneamento a expressão “privatização da água”.
    Querer determinar que ela só possa ser usada para essa ou para aquela atividade é ir contra a ordem natural das coisas, pois Deus a criou abundante para ser usada por todos e para praticamente tudo.

  • Paulo Afonso da Mata Machado

    A questão da vazão do Rio São Francisco é um assunto delicado, que vem sendo muito discutida ultimamente.
    Diante disso, resolvi buscar os dados na própria Deliberação 08 do CBHSF, que determina:
    a) vazão remanescente na foz do Rio São Francisco: 1.500 m3/s;
    b) vázão mínima ecológica na foz: vazão média diária de 1.300 m3/s;
    c) disponibilidade hídrica na foz do Rio São Francisco: 1.849 m3/s;
    d)vazão regularizada por Sobradinho: 1.815 m3/s

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