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Artigo

Superando Malthus: o bem-estar populacional, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

[EcoDebate] Thomas Robert Malthus (1766-1834) foi um escritor, pastor da igreja anglicana e economista inglês conservador que defendia os privilégios dos latifundiários do seu tempo e atuava contra os interesses da nascente burguesia industrial, sendo especialmente contra a melhoria do bem-estar dos camponeses e do proletariado. Malthus defendia a manutenção da “renda da terra” dos proprietários rurais visando maximizar suas receitas. Por isto foi contra o livre comércio de alimentos (livre cambismo) e a favor de um “salário de subsistência”.

Para justificar suas posições retrógradas em termos econômicos e sociais, Malthus formulou uma suposta “lei de população”, nos seguintes termos: “a população, quando não controlada, cresce numa progressão geométrica, e os meios de subsistência numa progressão aritmética”. O objetivo desta pretensa ciência demográfica era contrariar os ideais iluministas de “perfectibilidade humana” e justificar a permanência da pobreza, do fatalismo e da existência da fome, das doenças, das epidemias, das guerras e da miséria. Malthus – que era contra a “Lei dos Pobres” – considerava a pobreza um desígno de Deus e era contra qualquer interrupção da gravidez e contra osr métodos contraceptivos de regulação da fecundidade entre os casais (além de ser contra o sexo fora do casamento). Enfim, Malthus era conservador do ponto de vista moral e reacionário em termos de desenvolvimento social e humano, não acreditando na possibilidade de se avançar na qualidade de vida da população.

Infelizmente existe muita confusão e ignorância em relação às idéias de Malthus. Como Malthus justificou a existência da pobreza pelo crescimento populacional, algumas pessoas acham que tocar na questão populacional quando se discute o bem-estar da população é uma atitude malthusiana. Alguns chegam mesmo a defender um crescimento populacional ilimitado, como se isso fosse uma atitude anti-malthusiana. Evidentemente isso é um equívoco. Na verdade, ser contra as idéias de Malthus é ser contra a pobreza.

Tomemos o exemplo de John Maynard Keynes que escreveu, em 1937, um pequeno texto intitulado: Some economic consequences of a declining population. Embora Keynes fosse um admirador da obra econômica de Thomas Malthus, o seu texto destoa do espírito pessimista do pensamento populacional malthusiano e mostra que o desafio maior da economia é garantir o bem-estar.

Não é preciso conhecer muito a história para saber que Keynes estava escrevendo no momento da maior recessão econômica do século XX, quando existiam claros indícios de que a população, ao contrário dos séculos anteriores, apresentava taxas vitais que apontavam para um declínio da população a continuar estas tendências. Por isso ele fala que “o futuro será diferente do passado”.

Naquele instante de recessão internacional e de crescente protecionismo, Keynes estava muito preocupado com a não realização do potencial produtivo e a baixa demanda efetiva da economia. Naquela conjuntura desfavorável da década de 1930, um declínio da população poderia apenas agravar a situação econômica já que a “propensão marginal à investir” dos capitalistas depende da eficiência do capital (do retorno em termos de lucro) e do crescimento do consumo, ou seja, das expectativas racionais otimistas. É o que fica claro nas seguintes considerações:

“Uma população crescente tem uma influência muito importante sobre a procura de capital. Não é só o fato de a procura de capital – abstraindo as mudanças técnicas e um melhor padrão de vida – aumentar mais ou menos em proporção à população. Mas, na medida em que as expectativas empresariais se baseiam muito mais na procura presente do que na futura, uma era de população crescente tende a provocar otimismo (…) Mas, num período de população declinante é o contrário que ocorre. A procura tende a ficar abaixo do que se espera, e uma situação de oferta excessiva é corrigida com menos facilidade. Assim, pode surgir uma atmosfera pessimista; e embora a longo prazo o pessimismo possa tender a corrigir-se através de sua influência sobre a oferta, o primeiro resultado para a prosperidade, da reviravolta de uma população crescente para uma declinante, pode ser muito desastroso” (pp. 181 e 182).

Para Keynes a procura de capital depende de três fatores: população, padrão de vida e tecnologia. Ou em outras palavras: número de consumidores, nível médio do consumo e período médio de produção. Assim, uma redução da população (número de consumidores) só não afetaria o crescimento econômico (e a procura de capital) se houve uma melhora no padrão de vida da população, ou seja, se a redução do número de habitantes fosse contrabalançada pelo aumento do consumo médio da população em declínio. Porém, Keynes considera que o aumento do padrão de vida tem uma tendência histórica de baixo crescimento e não seria capaz de contrabalançar a redução populacional, especialmente em período de recessão. Para ele, a inovação tecnológica também não seria suficiente para contrabalançar o declínio populacional:

“A experiência do passado mostra que um aumento cumulativo maior do que 1% ao ano no padrão de vida raramente se mostrou praticável. Mesmo se a fertilidade de invenção permitisse mais, não poderíamos nos ajustar facilmente a uma taxa maior de mudança do que essa” (p. 185).

Esta posição, aparentemente pró-natalista, chocava com as posições anti-natalistas dos partidários de Malthus. Keynes tenta se explicar da seguinte forma:

“Pode parecer à primeira vista que eu esteja contestando esta velha teoria e que, ao contrário, esteja argumentando que uma fase de população declinante tornará muito mais difícil do que antes a manutenção da prosperidade. Em certo sentido, esta é uma interpretação correta do que estou dizendo. Mas, se houver aqui presentes alguns velhos malthusianos, não quero que suponham que estou rejeitando seu argumento básico. Indiscutivelmente, uma população estacionária facilita a elevação de padrão de vida; mas isto somente numa condição – isto é, se de fato ocorrer o aumento de recursos ou de consumo, conforme for o caso, que uma população estacionária torna possível. Isto porque agora aprendemos que temos outro demônio a nosso lado, um ser pelo menos tão ameaçador quanto o malthusiano – trata-se do demônio do desemprego, que se espalha através do colapso da demanda efetiva” (p. 186).

Na verdade, Keynes estava querendo mostrar que na impossibilidade, no curto prazo e numa conjuntura recessiva, de aumentar a renda per capita e reduzir o desemprego e os juros, um declínio populacional só iria agravar a situação da demanda efetiva. Para ele o “demônio” do desemprego era mais ameaçador do que o “demônio” do crescimento populacional:

“Quando o demônio P da população está acorrentado, libertamo-nos de uma ameaça; mas agora estamos mais expostos do que antes ao outro, ao demônio D do desemprego” (p. 187).

A solução indicada por Keynes como “o melhor dos dois mundos” seria uma população estacionária, com aumento do padrão de vida (aumento do consumo per capita), uma distribuição mais eqüitativa da renda, redução das taxas de juros e avanços tecnológicos que possibilitassem uma redução substancial do período de produção (isto é, na receita clássica de Adam Smith: ganhos da produtividade do trabalho, com aumentos salariais e redução dos preços das mercadorias).

Como defensor de um sistema capitalista mais equilibrado e com manutenção da liberdade de iniciativa, Keynes, termina o texto defendendo o combate ao desemprego e mostrando que mesmo em uma situação de população estacionária ou em ligeiro declínio, o aumento do padrão de vida poderia ser a chave para a manutenção da prosperidade:

“Se tivermos a necessária força e sabedoria, uma população estacionária ou em lento declínio poderá nos permitir elevar o padrão de vida para o que ele deveria ser, conservando ao mesmo tempo aquelas características de nosso esquema tradicional de vida, que mais valorizamos agora, quando vemos o que acontece ao que as perderam” (p. 188).

John Maynard Keynes morreu em 21 de abril de 1946 e não viveu o suficiente para ver suas idéias serem colocadas em prática, nos cerca de 30 anos seguintes, quando a economia internacional foi guiada pelas políticas de pleno emprego, de desenvolvimento tecnológico e de aumento do padrão de vida em grande parte dos países do mundo.

Nos chamados “anos dourados” da economia internacional – também chamado de período keynesiano – o mundo assistiu ao crescimento econômico e populacional bem acima da média dos primeiros 50 anos do século XX. A população mundial passou de menos de 2 bilhões em 1950 para mais de 6 bilhões no ano 2000. Mesmo assim houve um crescimento significativo da renda per capita, graças a um período muito fértil de avanços científicos, educacionais e tecnológicos.

Keynes, que estava preocupado com a situação recessiva da década de 1930, jamais suporia que no início do século XXI a China estivesse comemorando uma média de crescimento da renda per capita acima de 7% ao ano, por mais de 3 décadas (tirando mais de 400 milhões de chineses da pobreza). E, também, que a Rússia estivesse apresentando, entre 2000 e 2008, altas taxas de crescimento do produto e da renda per capita, mesmo com uma população em declínio.

Contudo, o crescimento substancial do produto e do consumo médio por habitante do mundo, que reduziu a miséria relativa, não foi capaz de eliminar a pobreza absoluta. Também, não foi capaz de compatibilizar o crescimento econômico com a conservação e a preservação da natureza. Portanto, o desafio do século XXI é eliminar a pobreza, universalizar o bem-estar e preservar a natureza e a biodiversidade ambiental. Nas palavras de Keynes, “uma população estacionária ou em lento declínio poderá nos permitir elevar o padrão de vida”.

Combater a enorme recessão econômica e a crescente pobreza da década de 1930 era a preocupação central de John Maynard Keynes, que não escreveu muito sobre os constrangimentos do meio ambiente. Contudo, em pleno século XXI a questão ambiental assumiu uma prioridade absoluta. Assim, inspirado na busca do bem-estar, tratararemos, em outro artigo, de uma teoria que vem ganhando espaço na atualidade que é o “decrescimento sustentável”.

Referências:
KEYNES, John Maynard Some economic consequences of a declining population, The Eugenics Review XXIX: 13-17, London, 1937. (Neste artigo utilizou-se a tradução do texto de Keynes publicado no livro: Keynes. Coleção Grandes Cientistas Sociais, organizado por Tamás Szmrecsanyi, Editora Ática, São Paulo, 1978).

ALVES, J. E. D. . A polêmica Malthus versus Condorcet reavaliada à luz da transição demográfica. Textos para Discussão. Escola Nacional de Ciências Estatísticas, Rio de Janeiro, v. 4, p. 1-56, 2002. Disponível em:
http://www.ence.ibge.gov.br/publicacoes/textos_para_discussao/default.asp

José Eustáquio Diniz Alves, Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE, é colaborador e articulista do EcoDebate.
E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

EcoDebate, 23/02/2010

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