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Cadeia da pecuária bovina de Mato Grosso é o próximo alvo do Ministério Público

Rebanho aprendido pela operação Boi Pirata. Foto: Valter Campanato/ABr
Rebanho aprendido pela operação Boi Pirata. Foto: Valter Campanato/ABr

Pecuária de MT é o próximo alvo do Ministério Público – Depois do Pará, o Ministério Público Federal (MPF) do Mato Grosso deverá apresentar, no início do mês que vem, as empresas da cadeia da pecuária bovina que contribuem para a devastação da Amazônia. Um levantamento está em processo no Estado, onde o órgão realiza a coleta de dados sobre fazendas, frigoríficos e compradores de carne e subprodutos do boi para o cruzamento de informações que possam indicar ilegalidade na cadeia produtiva. Matéria de Bettina Barros e Alda do Amaral Rocha, no Valor Econômico.

“Queremos terminar num curto prazo de tempo”, afirmou ao Valor Mário Lúcio Avelar, procurador do Ministério Público Federal no Estado. “Já estamos com meio caminho andado”, acrescentou, sem revelar mais detalhes da operação.

O Pará e o Mato Grosso lideram no país o ranking de desmatamento da Amazônia – e são também grandes produtores de gado. O Mato Grosso tem o maior rebanho do país, com 25,6 milhões de cabeças. No Pará, onde a pecuária quase dobrou desde 2000, o rebanho é de 15,3 milhões de cabeças, segundo dados do IBGE de 2007.

A divulgação, no dia 1º, de documento inédito do MPF do Pará e Ibama sobre as empresas envolvidas no comércio de carne oriunda de áreas desmatadas provocou forte reação pública. O trabalho mapeou desde a fazenda que engorda o gado em pastagens ilegais, o frigorífico que abate e revende subprodutos até as indústrias de calçados, de couro e supermercados que comercializam a carne.

Dias depois, grandes varejistas – Pão de Açúcar, Wal-Mart, Carrefour e Vulcabrás entre eles – declararam a interrupção de compra de carne de frigoríficos do Pará. Mas a declaração pode cair no vazio se medidas eficientes não forem tomadas, admite a Associação Paulista de Supermercados (Apas).

“Estamos apagando um incêndio. O varejo tem mania de ser um elemento repassador, agora terá de fazer o trabalho”, disse Martinho Paiva Moreira, vice-presidente de comunicação da Apas, referindo-se à exigência do MPF de mapeamento por satélite (georreferenciamento) das fazendas.

Para o procurador Daniel Azevedo Avelino, do MPF do Pará, cerca de um quarto das fazendas podee estar em unidades de conservação ou áreas indígenas. “E quase nenhuma propriedade tem Reserva Legal e áreas de preservação permanente”, disse.

Na segunda-feira, o Ministério Público apresentou ao governo do Pará uma proposta do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para as 21 fazendas embargadas por desmatamento ilegal. Muitas delas haviam sido embargadas em 2006 e continuaram a vender carne. Por esse motivo, foram autuadas em R$ 2,1 bilhões. “Será um pagamento solidário – paga o fazendeiro e o frigorífico que comprou dele”, explicou Avelino.

Pela proposta, além do georreferenciamento, os pecuaristas teriam um prazo para fazer o licenciamento ambiental e regularizar o cadastro ambiental rural. O MPF do Pará exige também uma auditoria independente para fiscalizar frigoríficos e propriedades.

Maurílio Monteiro, secretário do Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia do Pará, disse que os frigoríficos, junto com o governo do Estado, negociam com o Ministério Público, o que chama de “aprimoramento” do TAC.

Segundo ele, os frigoríficos querem saber qual será a sua atribuição dentro do conjunto de medidas previstas e os prazos definidos. “Eles querem que fique claro o que será obrigação dos frigoríficos e o que o próprio Estado pode cumprir”. Monteiro disse que o Pará “tem interesse em avançar na regularização”.

A Procuradoria Geral da República (PGR) deseja replicar a ação realizada no Pará. Um Grupo de Trabalho foi criado para a Amazônia Legal, de modo a integrar e padronizar as ações na região. “Queremos fazer igual em todos os Estados Amazônicos”, disse Sandra Cureau, subprocuradora da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do PGR, em Brasília.

A ação do Ministério Público fez a arroba do boi despencar nas principais regiões de comercialização do Pará. Segundo o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Pará (Faepa), Carlos Xavier, a queda foi de R$ 10, de R$ 71 para R$ 61, só nesta semana. Levantamento da Scot Consultoria mostra uma queda inferior, mas significativa, de R$ 71 para R$ 67.

Segundo Xavier, as fazendas afetadas – localizadas no sul e no sudeste do Pará – têm cerca de 200 mil cabeças, 1% do rebanho do Estado, estimado em 17,5 milhões de bois pelo governo local. No total, o Pará tem 32 estabelecimentos de abate de gado, 16 com inspeção federal, 12 estadual e o restante, municipal.

Do total de animais abatidos ao ano, 3,5 milhões de cabeças, segundo o secretário de Maurílio Monteiro, 500 mil são vendidos em pé para outros Estados, outros 500 mil são exportados para Venezuela e Líbano e a mesma quantidade é abatida clandestinamente. Os dois milhões que restam são abatidos em estabelecimentos com inspeção.

Desse volume, 30% da carne é consumida no Estado, 69% vai para outras regiões do Brasil e só 1% é exportado. Em 2008, foram 9,5 mil toneladas (equivalente-carcaça), 1% do total embarcado pelo Brasil, segundo a Scot.

Fabiano Tito Rosa, da Scot, observou que a ação no Pará levou frigoríficos a paralisarem o abate de bovinos, o que derrubou os preços. O próprio Bertin – com quatro unidades no Estado – parou de abater no Pará desde o dia 6 de junho “até que os fatos relacionados aos embargos sejam devidamente esclarecidos”.

A empresa afirma que os produtos processados no Pará não provêm do abate de gado originado das fazendas embargadas. Bombardeada por ser o maior frigorífico localizado no Pará, a Bertin anunciou que, a partir do dia 22 de junho, disponibilizará para seus clientes, via site na internet, o seu sistema interno de controle de procedência das carnes.

Na avaliação de Tito Rosa e de outros analistas do setor, a pressão ambiental vai aumentar e isso poderá ser usado como barreira não sanitária por países concorrentes do Brasil no futuro. Assim, haveria potencial para afetar as exportações brasileiras de carne bovina.

[EcoDebate, 20/06/2009]

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