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Crise alimentar no Zimbábue atinge proporções trágicas


A crise alimentar no Zimbábue está atingindo proporções trágicas e a maioria da população necessita de auxílio de emergência, alertam responsáveis de organizações não-governamentais, do Programa Alimentar Mundial (PAM) e observadores.

Enquanto o último relatório da agência das Nações Unidas calcula que, no final deste ano, cerca de cinco milhões de zimbabuanos vão precisar de auxílio externo para continuarem vivos, responsáveis de organizações humanitárias que atuam no país acusam o governo de “faltar deliberadamente à verdade” para ocultar o drama humano e proibir a atividade das ONGs, que eram as únicas fornecedoras de alimentos aos mais pobres. Por António Pina, da Agência Lusa, 06-08-2008 14:46:21.

O responsável de uma organização, que falou à Agência Lusa sob a condição de anonimato, disse que “os poucos cereais que têm sido importados pelo governo para compensar a aguda queda da produção interna acabam sendo desviados para os canais de distribuição controlados pelos políticos e funcionários governamentais da Zanu-PF [o partido no poder] e geram lucros vultuosos até serem adquiridos pelo consumidor que pode pagar, deixando os pobres de barriga vazia”.

De acordo com o relatório do PAM sobre a situação alimentar no Zimbábue, divulgado em junho, o país enfrenta um déficit de 1,052 milhão de toneladas de cereais – das quais quase 813 mil de milho -, que precisa ser atenuado pelas importações.

Segundo o mesmo documento, a colheita de 2007 é estimada pela agência em 799 mil toneladas de milho e 126 mil toneladas de outros cereais, o que representa uma queda de 46% na comparação com o ano anterior, que já havia registrado uma redução de 13% em relação a 2005.

O governo, que proibiu toda a atividade das ONGs, acusando-as de “estarem a serviço de governos estrangeiros que pretendem uma mudança de regime no Zimbábue”, prometeu importar este ano 600 mil toneladas de cereais. Segundo uma fonte da Junta Sul-Africana de Exportação de Cereais, consultada pela Agência Lusa, este ano, a África do Sul exportou apenas 30 mil toneladas de milho para seu vizinho do norte.

Agências que monitoram a situação no Zimbábue também admitem que as prometidas 600 mil toneladas não devem chegar ao país, uma vez que, nas palavras de um alto responsável por uma ONG européia em Harare, “os bolsos do governo estão virados do avesso”.

Muitas ONGs estavam ativamente envolvidas na importação e distribuição de alimentos doados pela comunidade internacional à população zimbabuana.

Um alto quadro do PAM afirma categoricamente que o trabalho de avaliação das necessidades, “feito no terreno em contato direto com a população, em todas as aldeias e vilas do país”, aponta que a distribuição independente de ajuda “é crucial para as pessoas carentes, enquanto as importações governamentais não fazem mais do que enriquecer uns tantos”.

Os sinais de subnutrição estão se tornando mais evidentes em camadas crescentes da população, tanto rural como urbana, afirma Julius Sibanda, médico que trabalha nos arredores de Harare.

“São cada vez mais aqueles que comem [só] uma refeição por dia e, mesmo essa [refeição], é reduzida a pão e água, literalmente, ou a pequenas quantidades de farinha de milho. A carne há muito tempo que deixou de fazer parte da dieta de milhões de zimbabuanos e o peixe não existe no mercado, uma vez que o Zimbábue não tem acesso ao mar e os produtos importados são proibitivos”, relata Sibanda.

Após a desastrosa política de “reforma agrária” implementada pelo governo em 2000 – que resultou na expropriação de mais de 4.500 fazendas que pertenciam a brancos -, a ausência de sementes, fertilizantes, combustível, equipamentos e capital para os novos ocupantes das terras são, para uma fonte da Agência Lusa, alguns dos fatores que contribuem para o desastre humanitário.

“Em muitas das terras expropriadas aos antigos agricultores comerciais, hoje cresce apenas capim, enquanto as máquinas e os tratores apodrecem e enferrujam”, disse a mesma fonte, que calcula que menos de 35% das terras disponibilizadas estão produzindo algum tipo de alimento, em regime de subsistência, na maioria dos casos.

“Se o PAM calcula que cinco milhões de zimbabuanos necessitarão, no final deste ano, de ajuda alimentar de emergência, e se outros cinco milhões já fugiram do país [o que não é um número exagerado para a maioria dos observadores regionais], isso significa que, em uma população calculada em 12 milhões, apenas dois milhões podem pagar os alimentos que consomem”, salienta o responsável, que conclui:

“E mesmo esses dois milhões não ganham, neste clima de paralisia econômica e hiperinflação, [o suficiente] para se sustentar. Quem os ajuda a subsistir são os familiares que emigraram, com as remessas em moeda estrangeira e os bens de consumo que transportam para o país com regularidade da África do Sul, Moçambique e Botsuana. Sobra a elite dirigente, que continua, apesar de tudo, enriquecendo”.

[EcoDebate, 07/08/2008]