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A revolta dos famintos. Biocombustíveis contribuem com a fome no mundo

O México foi um dos primeiros, no ano passado, com o protesto contra o preço do milho. Mas nos últimos meses a desesperação de muitos cidadãos em função do alto custo dos produtos básicos derivou em protestos violentos em países de todo o mundo. A reportagem é do jornal El País, 08-03-2007, que destaca que entre as explicações para o crescimento da fome no mundo estão as mudanças climáticas e o cultivo do biocombustível que rouba áreas da agricultura de subsistência e produção de alimentos. A tradução é do Cepat.

Eis a reportagem.

A Rússia congelou preços e o Afeganistão pediu ajuda para a ONU. Indonésia, Mauritânia, Marrocos, Yemen, Moçambique, Senegal e, na semana passada, Camarões e Burkina Faso. Marchas da fome que acabaram com centenas de presos e dezenas de mortos no enfrentamento com a polícia. Dois na Mauritânia, 12 no Yemen e mais de uma centena em Camarões, segundo as organizações de direitos humanos.

A ONU pediu ajuda para a comunidade internacional para conseguir 500 milhões de dólares que ajudem aos países mais pobres para fazer frente à carestia. Josette Sheeran, diretora do Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas em Bruxelas, advertiu de que se o preços continuarem elevados, a agência será incapaz de continuar com o seu programa que alimenta 73 milhões de pessoas em 81 países, 10% dos desnutridos do mundo.

“É a nova cara da fome”, assinalou Sheeran. “Existe comida nos mercados, mas as pessoas não podem comprá-lo. Há vulnerabilidade nas áreas urbanas que não havíamos visto antes e revoltas em países que jamais se tinham visto antes”. A diretora explicava ao Parlamento Europeu que as reservas do programa se encontram em seu nível mais baixo em 30 anos, com apenas 53 dias de reservas para as emergências.

A última das revoltas, a de Camarões, começou com uma greve de taxistas que protestavam pelo preço da gasolina em Duala, a capital econômica. “As pessoas se uniram contra o aumento do custo de alimentos como a farinha e o arroz”, explica o jornalista Dibussi Tande. “O pão é básico na alimentação desse país; nas províncias francófonas a maioria das famílias pobres vivem apenas dele. E o arroz é fundamental em todo o território. Um aumento de preços significa que muitas famílias vão dormir com fome”, garante.

O caos, a pilhagem e incêndios de postos de combustível se estenderam de Duala a Yaundé, a capital, que em poucos dias foi inundada de faixas nas quais se liam mensagens ‘oui à la vie moins chère’ (sim à vida menos cara). Segundo as organizações de direitos humanos, mais de cem pessoas foram mortas nos enfrentamentos com a polícia e o Exército de um país que se converteu em uma barricada.

Tudo se explica com uma simples equação. O crescimento econômico geral, especialmente na Índia e na China, criou um aumento da demanda de alimentos de acordo com um estudo de Joachim von Braun, diretor do Instituto Internacional para a Pesquisa de Políticas de Alimentação. “O trigo, o leite a manteiga triplicaram o seu preço desde 2000 e o frango, o arroz e o milho custam o dobro”, comenta.

A isto se somam as controvertidas plantações para produzir combustível. “O destino ao consumo animal tem aumentado entre uns 4% a 7% desde 2000, o do biocombustível, uns 25%, com especuladores financeiros que causam maior volatilidade nos preços”. Finalmente, o efeito da mudança climática, da qual Von Brau descreve um panorama devastador: “As inundações e secas produzem perda de colheitas sobretudo na África; em 2020, o produto interno bruto global da agricultura sofrerá perdas até 16%. Um aumento de temperatura de três graus corresponde a um aumento de preços de alimentos de até 40%. Muitos países em vias de desenvolvimento dependerão mais das importações”.

Não é de estranhar que sejam os que já dependam de importações os primeiros a sublevar-se. O protesto popular em Burkina Faso começou na semana passada em Bobo-Dioulasso com a passividade do governo para combater aumentos de preços de 16% a 40% nos alimentos e na gasolina. A polícia prendeu 264 pessoas. As manifestações se reproduziram na quinta na capital Uagadugu, tomada pelo Exército. “Agora está mais tranqüilo, as pessoas não podem perder dias de trabalho”, explica o jornalista John Liebhardt, “o sabão, a gasolina, o arroz, o açúcar e o milho estão nas nuvens”.

A solução não é fácil: a curto prazo, o Egito incluiu 10 milhoes de pessoas em sua rede de assistência social; a Rússia congelou o preço do leite, ovos, azeite e pão; o Afeganistão pediu ajuda ao Programa de Alimentos das Nações Unidas para incluir dois milhões e meio de pessoas a mais; as cartelas de racionamento voltaram a serem vistas no Paquistão desde os anos oitenta; a Índia proibiu a exportação de arroz.

Von Braun alerta que os produtos irão continuar com preços altos nos próximos anos e sugere soluções. Segundo ele, estas passam pela abertura dos mercados e pelo investimento na ciência e tecnologia na agricultura. Aumentar as redes sociais nos países mais afetados e incluir a alimentação nos programas internacionais destinados a combater a mudança climáticas são outras medidas que o especialista destaca.

Os membros da African Biodiversity Network (ABN), Rede para a Biodiversidade da África, que agrupa diferentes organizações de pesquisa, pediram uma moratória em novos projetos para a produção do biocombustível nos países do continente. Consideram que são mais uma ameaça que um benefício. “Temos que proteger a segurança alimentar, as florestas, a água, os direitos de propriedade da terra, os pequenos agricultores e os povos indígenas da campanha agressiva do biocombustível”, dia a ABN.

Esta organização joga por terra a crença de que o biocombustível será positivo para o crescimento econômico, dará trabalho e prosperidade ao sagricultores africanos e ajudará a mitigar a mudança climática. Seus responsáveis explicam que o aumento do preço dos alimentos que se vê globalmente também é, em parte, responsabilidade desse tipo de cultivo.

Henk Hobbelink, coordenador de Grain, uma associação integrada da ABN, adverte o que ocorre com grandes projetos. Os investidores tomam grandes extensões de terra que antes eram utilizadas pelos camponeses para o seu sustento. “Além do desmatamento, as explorações de terras não trabalhadas também supõem a liberação de grandes quantidades de CO2”. Os cientistas da rede apontam para o desmatamento da selva na Indonésia ou do Amazonas para pedir a moratória.

A realidade, segundo a ABN, mostra que países como Moçambique, Etiópia, Quênia e Uganda trabalham pela exportação do produto. Isso não significa uma melhora na situação energética dos países produtores, advertem. Grain pediu que a UE reconsidere por todas essas razoes o seu objetivo de incentivar o uso de agrocombustíveis.

(www.ecodebate.com.br) matéria publicada pelo IHU On-line, 10/03/2008 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]