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As interrogações no mercado de carbono, artigo de Washington Novaes

[O Estado de S.Paulo] Que acontecerá com o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), que é decorrência do Protocolo de Kyoto, se não houver acordo nas negociações da Convenção do Clima em dezembro, em Copenhague, e o mundo ficar sem regras nessa área, já que o protocolo tem prazo até 2012 para ser cumprido? É um tema que preocupa países, empresas, o mercado financeiro. Pelo protocolo e pelo MDL, uma empresa de país desenvolvido que tenha obrigação de reduzir suas emissões pode financiar um projeto em outro país que reduza emissões de gases poluentes e deduzir essa redução de suas emissões próprias. Essa empresa também pode comprar “cotas de carbono” de uma empresa de seu país que tenha ficado com suas emissões abaixo da cota máxima que lhe é permitida. Já há um forte mercado mundial de cotas de carbono, que em 2008 chegou a um total de US$ 126 bilhões. Mais de 5 mil projetos na área foram encaminhados e 1.700, cadastrados, com previsão de reduzir 1,3 bilhão de toneladas de dióxido de carbono. Em 2008 foram negociados cerca de US$ 7 bilhões, segundo o Banco Mundial. E 70% dos projetos são na China e na Índia. Apenas 2% na África.

Num fórum promovido há pouco em Roma pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), com empresários e líderes políticos, a visão dominante foi de que haverá algum acordo em Copenhague, principalmente para permitir que chegue à prática a visão do governo Obama sobre mudanças climáticas e os EUA possam aderir formalmente a esse novo caminho. Mas dificilmente haverá um novo protocolo como o de Kyoto, porque isso exigirá que se aprove também na Dinamarca um mandato de negociação que permita chegar a esse novo documento (o de Kyoto foi negociado com base em mandato aprovado em Berlim em 1995). Mas não é impossível que se aprove uma espécie de prorrogação de Kyoto, com uma nova “tabela” de obrigações (pelo protocolo em vigência, os países industrializados, em conjunto, devem reduzir suas emissões em 5,2% até 2012, calculadas sobre as emissões de 1990). E será crucial que se defina um mecanismo de mercado semelhante ao MDL, para que possam ser mobilizados recursos no mercado financeiro. Nos últimos tempos, com a incerteza do futuro, o preço da tonelada de carbono caiu muito no mercado (inclusive brasileiro) e ficou abaixo do que vigorava em 2006.

A previsão é de que, se forem aceitos em Copenhague compromissos que levem a uma redução de emissões entre 25% e 40% do total até 2020 e 80% até 2050, depois de 2012 será necessário comercializar 560 milhões de toneladas de carbono por ano (hoje, para cumprir Kyoto, está-se por volta de 80 milhões de toneladas). É um assunto relevante para o Brasil. Segundo o Brasil Pnuma, boletim local do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Brasil, China, Índia e México somavam, no início deste ano, 3.218 projetos no âmbito do MDL.

Mas tudo dependerá de o Congresso norte-americano aprovar os projetos do governo Obama para a área do clima, para que os EUA aceitem um novo acordo. Além disso, não se escapou ainda ao impasse, em que os países do G-77 (a que pertence o Brasil) se recusam a assumir compromissos de redução, por entenderem que essa responsabilidade é dos países industrializados, que emitem desde o início da revolução industrial. Os industrializados respondem que sem compromissos de redução dos “emergentes” e demais países do G-77 será impossível chegar ao nível de emissões proposto para 2020 e 2050 ? porque estes países já emitem mais que os industrializados. Diante das dificuldades, o próprio secretário da convenção, Yvo de Boer, tem afirmado não ser improvável que as negociações tenham de se estender ao ano de 2010.

Nessa hipótese, acham observadores experientes, será preciso sair de Copenhague com um acordo escrito em que os países manifestem sua disposição de continuar negociando um novo tratado, assim como formatos de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, além da transferência de recursos financeiros e tecnológicos para que os países mais pobres possam enfrentá-las. Na prática é que serão outros quinhentos, pois se calcula que os investimentos para mudar matrizes energéticas e de transportes, métodos de construção, práticas agrícolas e reduzir desmatamentos não ficarão em menos de US$ 500 bilhões por ano. Quem os desembolsará?

Enquanto isso, seguem por aqui as discussões sobre as “metas” de redução de emissões anunciadas pelo Brasil. Um grupo de ONGs divulgou documento criticando não haver sido anunciado o novo inventário nacional de emissões e por se calcular a redução com base em cenários futuros incertos; as metas previstas ? insuficientes ? para redução de desmatamentos; o cenário para o setor de energias, sem ênfase na conservação e admitindo mais energias “sujas”.

O professor Luiz Gylvan Meira Filho, que coordenou o setor de mudanças climáticas no governo federal até 2002, observa que, na questão do metano, o cenário brasileiro apresentado aceita que uma tonelada desse gás equivale a 23 toneladas de carbono ? sem lembrar que já está em discussão no Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) proposta de mudar o método atual de cálculo, o GWP (Global Warming Potential) pelo GTP (Global Temperature Increase Potential). E este último reduz a equivalência para 4 ou 5, por entender que parte do metano se dissipa e reduz a contribuição para o aquecimento do planeta. Será importante acompanhar a evolução no IPCC, já que, com 202 milhões de cabeças de gado bovino (última estimativa) o rebanho brasileiro emite mais de 10 milhões de toneladas de metano (58 quilos por cabeça) anuais e cerca de 250 milhões de toneladas equivalentes de carbono.

Mudado o critério, seriam 50 milhões ou 60 milhões de toneladas, apenas.

No mais, diz a Organização Meteorológica Mundial que as emissões globais continuam crescendo para níveis muito perigosos.

Washington Novaes é jornalista . E-mail: wlrnovaes{at}uol.com.br

Artigo originalmente publicado no O Estado de S.Paulo

EcoDebate, 30/11/2009

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