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Notícia

Manifesto da CPT-MG: Conflito agrário em Salto da Divisa, Vale do Jequitinhonha causa ameaças de morte à Irmã Geraldinha

“Felizes os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino do Céu. Felizes vocês, se forem insultados e perseguidos, e se disserem todo tipo de calúnia contra vocês, por causa de mim. Fiquem alegres e contentes, porque será grande para vocês a recompensa no céu. Do mesmo modo perseguiram os profetas que vieram antes de vocês.” (Mateus 5,10-12)

Nós da Comissão Pastoral da Terra de Minas Gerais percebemos que esse evangelho está sendo uma realidade em Salto da Divisa, Vale do Jequitinhonha, onde Irmã Geraldinha (Geralda Magela da Fonseca) está sendo ameaçada de morte por estar lutando por direitos humanos, especificamente por apoiar a luta do MST por reforma agrária.

Irmã Geraldinha é freira da Congregação das Irmãs Romanas de São Domingos, vice-presidente do Grupo de Apoio e Defesa dos Direitos Humanos – GADDH – de Salto da Divisa, MG; apoiadora dos Movimentos Sociais em Salto da Divisa; integrante da Comissão Pastoral da Terra – CPT – no Vale do Jequitinhonha, participa das Comunidades Eclesiais de Base – CEBs – e integra a Comissão de Justiça e Paz da Congregação das Irmãs Romanas de São Domingos.

Os conflitos agrários no Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, têm ocorrido desde datas imemoriais, perpetuando-se uma cultura de violência perpetrada pelos grupos dominantes contra todos aqueles em situação de exclusão e pobreza, de maneira que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST – organizou-se na região e, dessa forma, passou a atuar social e politicamente junto aos camponeses sem-terra no sentido de organizá-los para a luta pela terra e por uma vida com dignidade.

O Grupo de Apoio e Defesa dos Direitos Humanos – GADDH -, de Salto da Divisa, MG, através do Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH -, denunciou ao Ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos – SEDH – do Governo Federal, que colocou o Programa Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos – PNPDDH – para encaminhar uma série de ações visando a proteção de Irmã Geraldinha e garantia para que ela possa continuar seu trabalho profético.

Em Salto da Divisa, impera a concentração de terra nas mãos de poucos latifundiários. O latifúndio improdutivo e a monocultura do eucalipto – extremamente danosa ao meio ambiente – têm causado sérios problemas sociais relacionados à posse e ao manejo da terra. O coronelismo na região perpetua a pobreza, exclusão e desigualdade social.

Em função desse cenário de profunda injustiça social, a Freira Dominicana Geralda Magela da Fonseca, conhecida na região como “Irmã Geraldinha”, com atuação em diversas causas sociais no município de Salto da Divisa/MG há 17 anos, passou, também, a apoiar a luta camponesa, particularmente junto ao MST.

Dentre várias ações realizadas pelo MST, há de se destacar as relacionadas à luta pela desapropriação da Fazenda Monte Cristo, de propriedade da Fundação Tinô da Cunha, de membros da família Cunha Peixoto, esta que tem dominado a região de forma violenta e despótica desde o Brasil colonial.

Como o processo de desapropriação no INCRA-MG (Processo n.º 54170003519/2005-30) não avançava – mesmo com o laudo de improdutividade da mencionada fazenda –, houve, em agosto de 2006, a ocupação de parte da Fazenda Monte Cristo pelo MST, tendo a atuação política da Irmã Geraldinha sido crucial para angariar apoio popular à causa.

O Poder Judiciário local concedeu aos proprietários uma liminar de despejo para a retirada dos ocupantes, mas em função de acordo judicial, foi cedida uma área para as 85 famílias Sem Terra do MST ocuparem até que o processo judicial e de desapropriação se consuma. Assim, há de se notar que a área hoje ocupada pelo MST, Acampamento Dom Luciano, não compreende a área objeto de desapropriação, o que significa dizer que tão logo ela ocorra, os membros daquele acampamento deverão mudar para a área desapropriada.

Observe-se que coincidentemente à ocupação da Fazenda Monte Cristo pelo MST, com notória e fundamental participação da Irmã Geraldinha, as ameaças de morte a ela e a membros do MST iniciaram. Algumas feitas por telefone, outras pessoalmente, haja vista Salto da Divisa ser uma cidade muito pequena.

O clima de instabilidade, beligerância declarada, entre os proprietários da Fazenda Monte Cristo (família Cunha Peixoto) e membros do Acampamento Dom Luciano, entre os quais Irmã Geraldinha, tornou-se insustentável, vindo a ocorrer, conseqüentemente, um incidente em 28/07/2009, qual seja: pessoas ligadas aos proprietários da Fazenda Monte Cristo atearam fogo nos arreadores do Acampamento Dom Luciano, fazendo com que os acampados, em legítima defesa, saíssem à procura dos incendiários, estes que ficaram dentro do carro até que a Polícia Militar chegasse ao local. Esclareça-se que a Polícia Militar recusou-se a revistar o carro dos incendiários.

Os Boletins de Ocorrências (BO’s) feitos pela Polícia Militar deixam claro o intuito de criminalizar a Irmã Geraldinha e membros do Acampamento Dom Luciano. A serviço de quem está a polícia local? Em outras palavras, há flagrante e deliberada intenção das autoridades locais de criminalizar a luta pela terra e por uma vida com dignidade empreendida pelo MST, particularmente de criminalizar agentes importantes como a Irmã Geraldinha e membros do MST.

A Irmã Geraldinha tem sofrido uma série de ameaças de morte, assim como membros do Acampamento Dom Luciano e militantes do MST.

A CPT vem a público denunciar as covardes ameaças de morte à Irmã Geraldinha e exigir que o Estado brasileiro assegure a ela e a todos os membros do Acampamento Dom Luciano e militantes do MST no Vale do Jequitinhonha os meios necessários para que lhes sejam garantidos o direito fundamental à vida e à integridade física e moral para que prossigam na defesa do direito humano à terra.

Exigimos das autoridades competentes todas as medidas para que a reforma agrária seja realizada no Brasil, particularmente em Salto da Divisa, MG.

Após visita in loco em Salto da Divisa, no Acampamento Dom Luciano, feita por Oscar Gatica e Dr. Ulisses Terto Neto, o parecer do PNPDDH do Governo Federal assim diz:

“É inconteste o fato de que tais violações têm sido causadas por fazendeiros da região e por policiais civis e militares, sendo que todas elas são decorrentes das atividades em defesa dos direitos humanos realizadas pela Irmã Geraldinha e por membros do Acampamento Dom Luciano. Faz-se necessário, ainda, que sejam feitas articulações com autoridades públicas estaduais e locais no sentido de que se tomem as providências legais para que as causas das ameaças sejam resolvidas pelos órgãos competentes.”

O parecer jurídico da SEDH foi favorável ao pedido feito pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), no sentido de que a Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH), por meio do Programa Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (PNPDDH), tome as providências necessárias para a inclusão de Geralda Magela da Fonseca (Irmã Geraldinha) no PNPDDH.
Enfim, o Programa Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (ETF/PNPDDH) tomou as seguintes providências:

a)Enviou ofício ao Secretário Estadual de Segurança Pública do Estado de Minas Gerais solicitando que ele tome as providências necessárias para a realização de todas as medidas de segurança necessárias à proteção da Irmã Geraldinha;

b)Enviou ofício ao Comandante Geral da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais solicitando que ele tome as providências necessárias para a apuração da tentativa da guarnição da Polícia Militar de Salto da Divisa, chefiada pelo Sargento Justino, de criminalizar a Irmã Geraldinha) ao registrar Boletins de Ocorrências não somente deturpando os fatos narrados por ela, mas, sobretudo, imputando-lhe conduta criminosa quando, na verdade, ela era a denunciante e vítima;

c)Enviou ofício à Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais solicitando a designação de um Defensor Público para acompanhar o inquérito policial e/ou eventual processo criminal, representando a Irmã Geraldinha, por haver flagrante e deliberada intenção das autoridades políticas, judiciais e policiais locais de criminalizar Irmã Geraldinha. O defensor público Dr. Gustavo Corgosinho já foi designado para essa missão;

d)O PNPDDH está acompanhando o inquérito policial e/ou eventual processo criminal decorrente do caso ora narrado, por se tratar de tentativa de criminalização Irmã Geraldinha.

e)Enviou ofício ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) solicitando esclarecimentos acerca do não andamento do Processo Administrativo n.º 54170003519/2005-30 (Salto da Divisa/MG);

f)Enviou ofício ao Ministério Público do Estado de Minas Gerais solicitando informações sobre o mérito e o andamento da Ação Civil Pública (Processo nº. 0347.08.010524-5) com trâmite na Comarca de Jacinto/MG;

g)Enviou ofício ao Ministério Público Federal em Minas Gerais solicitando informações sobre o mérito e o andamento da Ação Ordinária (Processo nº. 2006.38.00.013781-1) com trâmite na 12ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais.

A CPT alerta ao Governo Federal, ao Poder Judiciário e as autoridades que o conflito agrário em Salto da Divisa e no Vale do Jequitinhonha só será superado com reforma agrária efetiva, o que implica desapropriar muitos latifúndios na região e assentar centenas de famílias sem-terra que lutam por um justo e sagrado direito: acesso à terra.

Conclamamos a todas as pessoas de boa vontade, as entidades de Direitos Humanos, Igrejas e movimentos sociais a se solidarizar com Irmã Geraldinha e com a causa tão justa do MST: uma reforma agrária popular como instrumento para construção de justiça social com sustentabilidade ecológica.

Manifesto da CPT (Comissão Pastoral da Terra).

* Colaboração do Frei Gilvander Moreira para o EcoDebate, 30/10/2009

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