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O aquecimento global e as secas podem reduzir a produção global de trigo, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

 
 

O aquecimento global e as secas podem reduzir a produção global de trigo, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

“A mudança climática é agora uma emergência planetária que
representa uma ameaça existencial para a humanidade”
Jem Bendell

 

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[EcoDebate] O trigo é um dos principais alimentos da humanidade. Em termos globais, o trigo é a segunda maior cultura de cereais, perdendo apenas para o arroz e ficando à frente do milho. O grão de trigo é o insumo básico para fazer pão e massas diversas para a preparação de bolos, tortas, pizzas, além de ser ingrediente na fabricação de cerveja.

O trigo é originário do Crescente Fértil – região do Oriente Médio – e começou a ser cultivado há cerca de 10 mil anos e foi uma das fontes de caloria e proteína responsáveis pelo sucesso da revolução agrícola que possibilitou o avanço das cidades e da civilização humana. O grão de trigo possui vários nutrientes, destacando-se os carboidratos, as proteínas e as vitaminas do complexo B, sendo que o integral possui grande quantidade de fibras.

Atualmente, o trigo fornece um quinto de todas as calorias para a humanidade. É a maior colheita alimentada por chuva do mundo e o comércio global de trigo corresponde às transações de arroz e milho combinadas. Dez regiões representam 54% dos campos de trigo do planeta. Mas as mudanças climáticas ameaçam a produção global deste cereal.

No momento, 15% das regiões produtoras de trigo do mundo correm risco de escassez severa de água ao mesmo tempo. Mesmo que se o aquecimento global ficar abaixo de 1,5º C até 2100, a chance de estresse hídrico simultâneo nos continentes ainda dobrará entre 2030 e 2070, conforme mostra artigo de Miroslav Trnka et. al. publicado na revista Science Advance (setembro de 2019).

Mas se a comunidade internacional falhar na mitigação da mudança climática e os extremos de calor e chuva seguirem inevitavelmente o aquecimento global descontrolado, as chances de uma perda devastadora das colheitas de trigo na Europa, na América do Norte, na Austrália, Rússia, Ucrânia e Cazaquistão, serão enormes.

O referido artigo – trabalhando com simulações de computador para modelar o futuro clima global da escassez de água com mudanças de temperatura nas próximas oito décadas – mostra que os extremos de calor e seca devastadoras podem acontecer em mais de um continente ao mesmo tempo, provocando uma repentina queda da produção de trigo, que é uma colheita bem-sucedida, em parte porque suas necessidades de água são relativamente baixas, mas não pode florescer sem chuvas confiáveis antes e durante o crescimento.

Quando isso aconteceu no século 19, a fome global se seguiu. As previsões já alertam que a cada aumento de 1º C na temperatura, a produção global de trigo cai entre 4% e 6,5%. Os pesquisadores alertaram repetidamente que extremos de calor podem reduzir a produção e limitar os nutrientes vitais nas colheitas de cereais.

Pior poderia acontecer quando uma onda de calor é seguida imediatamente por outra. E tudo isso pode acontecer em um mundo em que, à medida que a população cresce, a demanda por trigo pode aumentar em pelo menos 43%. Os autores do artigo analisaram evidências do passado próximo para descobrir que, entre 1985 e 2007, o impacto da seca na produção mundial de trigo foi duas vezes maior que entre 1964 e 1984.

O fato é que existem diversos elementos que mostram a degradação dos solos e das fontes de água potável, colocando em xeque a futura produção de comida e aumento o risco de insegurança alimentar.

O artigo de Trnka et. al. (2019) vem reforçar o alerta do relatório “Climate Change and Land”, do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, publicado em agosto de 2019, que mostra o efeito perverso de retroalimentação entre a produção de alimentos e o aquecimento global. O relatório do IPCC constata, de forma inquestionável, que o crescimento da população mundial e o aumento do consumo per capita de alimentos (ração, fibra, madeira e energia) têm causado taxas sem precedentes de uso de terra e água doce, com a agricultura atualmente respondendo por cerca de 70% do uso global de água doce, sendo responsável por cerca de 30% de todas as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e 80% do desmatamento global.

Em síntese, o avanço científico e tecnológico aliado ao uso generalizado dos combustíveis fósseis reduziu a fome no mundo, que atingiu o nível mais baixo da história até 2015. Porém, a insegurança alimentar e a desnutrição global aumentou nos últimos 3 anos e pode aumentar muito no futuro próximo em função do agravamento do aquecimento global.

Como alerta o professor Jem Bendell: “”A mudança climática é agora uma emergência planetária que representa uma ameaça existencial para a humanidade”. Com base na ética de “pós-sustentabilidade”, o professor afirma que devemos desistir da esperança de que nossa sociedade possa seguir amplamente sua trajetória atual – de crescimento das atividades antrópicas com crescentes emissões de CO2. O mundo caminha para uma “mudança climática descontrolada” e necessita uma ação de grande magnitude – o que ele chama de “adaptação profunda” (ver artigo no link abaixo).

A biocapacidade da terra está diminuindo e os meios naturais para o sustento da humanidade estão definhando. Por isto é preciso levar em conta que o progresso humano está levando o mundo para a beira de um precipício em função de uma catástrofe ambiental cada vez mais provável.

A volumosa produção de alimentos, para uma população que não para de crescer, está degradando as condições de solo e água e desestabilizando o clima.

Uma crise na produção de trigo é uma péssima notícia para uma população mundial estimada em 11 bilhões de habitantes em 2100, sendo mais um sinal de disrupção do insustentável modelo fóssil da economia internacional.

José Eustáquio Diniz Alves
Colunista do EcoDebate.
Doutor em demografia, link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

Referência:

Miroslav Trnka et. al. Mitigation efforts will not fully alleviate the increase in water scarcity occurrence probability in wheat-producing areas, Science Advances, Vol. 5, no. 9, 25 Sep 2019
https://advances.sciencemag.org/content/5/9/eaau2406

Jem Bendell. Deep Adaptation: A Map for Navigating Climate Tragedy, IFLAS Occasional Paper, 27 July 27th 20181 http://lifeworth.com/DeepAdaptation-pt.pdf

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 29/11/2019

[cite]

 

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