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Alguém ganha com o aquecimento global? por Michael Hudson

 

Alguém ganha com o aquecimento global? por Michael Hudson

aquecimento global
Gráfici: OMM

 

IHU

“Uma temperatura mais quente significa maior taxa de evaporação e, portanto, mais chuva, tornados e inundações, como estamos vendo este ano. Um resultado conexo será a seca na medida em que as geleiras se derretam e deixem de alimentar os rios nos quais foram construídas represas para gerar energia elétrica”, escreve Michael Hudson, professor de economia da Universidade de Kansas City e ex-analista de Wall Street.

“A aparente ironia é que estes efeitos do aquecimento global e o clima extremo se tornaram um baluarte do aumento do PIB dos Estados Unidos. Os custos de limpeza da poluição do ar e da água, os gastos de reconstrução das moradias inundadas, a destruição das colheitas, o aumento do custo do ar condicionado, a propagação de insetos nocivos e o aumento dos custos médicos podem explicar em grande parte o crescimento, a partir do ano de 2008”, comenta Hudson.

O artigo é publicado pelo Observatorio de la crisis e reproduzido por Rebelión, 13-08-2019. A tradução é do Cepat.

Eis o artigo.

O controle do petróleo foi durante muito tempo um objetivo chave da política exterior dos Estados Unidos. Os acordos climáticos de Paris (e qualquer outro programa verde) para reduzir o aquecimento global é considerado uma ameaça aos mercados energéticos dependentes do petróleo que estão sob o controle dos Estados Unidos.

Como é fácil presumir, o poder econômico e, portanto, político da indústria petroleira bloqueou qualquer iniciativa para deter a mudança climática. Estas empresas não apenas obtêm lucros com a energia, como também com a poluição plástica.

A fatal combinação da “segurança nacional estadunidense” e o lobby da indústria petroleira estão ameaçando destruir o clima do planeta. O aumento do nível do mar, da temperatura e as secas são considerados simplesmente um dano colateral na geopolítica do petróleo. Nos últimos anos, o Departamento de Estado destituiu os diplomatas que se atreveram a denunciar o impacto negativo do aquecimento  global [1].

De fato, a nova Guerra Fria para isolar a Rússia, Irã e Venezuela tem como objetivo aumentar a dependência estrangeira do petróleo estadunidense, britânico e francês. O que está fazendo os estrategistas estadunidenses “disciplinar” os países que negam a aceitar sua hegemonia.

Com o objetivo de controlar o comércio mundial de petróleo – e o manter dolarizado –, os Estados Unidos derrubaram o governo iraniano, em 1953, invadiu o Iraque, em 2003, e agora pune o Irã, ao mesmo tempo em que apoia a Arábia Saudita e a sua legião estrangeira wahabi na Síria, Iraque e Iêmen.

Há mais de sessenta anos, a CIA e a Grã-Bretanha uniram forças para derrubar o presidente eleito do Irã, Mohammed Mossadegh, com a finalidade de impedir que nacionalizasse a Anglo-Iranian Oil Company. Uma estratégia similar explica as tentativas dos Estados Unidos de “mudar os regimes” da Venezuela e da Rússia.

Ao mesmo tempo em que a diplomacia militar dos Estados Unidos tenta fazer com que outros países dependam do petróleo (que suas grandes companhias controlam), o estado norte-americano se propôs, há muito tempo, a autossuficiência energética.

Nos anos 1970, a Administração de Pesquisa e Desenvolvimento Energético(ERDA) desenvolveu um desastroso plano para promover a independência energética da América do Norte, aproveitando as areias betuminosas do Athabasca, no Canadá. (Eu era o economista principal do Instituto Hudson que avaliava os planos da ERDA, e fui afastado do estudo quando apontei os problemas que o excesso de consumo de água provocaria).

Hoje, está claro que o subproduto da autossuficiência energética faz com que a água se torne mais escassa e mais cara. A fratura hidráulica polui os recursos hídricos locais e desperdiça um imenso fluxo de água doce no processo produtivo.

Embora ninguém medianamente lúcido possa negar a mudança climática, nada mudou na diplomacia petroleira dos Estados Unidos.

Porque Washington não se preocupa que toda a Europa seja sufocada com uma onda de calor sem precedentes ou que as cidades norte-americanas sejam devastadas pela seca, os incêndios florestais e as inundações?

O petróleo na balança de pagamentos dos Estados Unidos

petróleo foi durante muito tempo um dos principais suportes ao comércio dos Estados Unidos e, portanto, não apenas protege a capacidade do dólar para controlar o comércio internacional, como também permite manter a enorme quantidade de gastos militares do Pentágono.

Em 1965, realizei um estudo para o Chase Manhattan Bank e descobri que em termos de balança de pagamentos, cada dólar investido na indústria petroleira é recuperado em apenas 18 meses.

Vejamos o motivo. Quando os Estados Unidos importam petróleo do estrangeiro, esta compra é realizada apenas com as grandes petroleiras estadunidenses (e suas subsidiárias) por motivos de “segurança nacional”. Só uma pequena proporção do preço é paga em moeda estrangeira.

As companhias estadunidenses compram petróleo cru de suas subsidiárias a preços muito baixos, e atribuem todo o pagamento a suas filiais navais, junto com os custos de envio, frete, dividendos, juros, encargos administrativos, investimento de capital e depreciação.

A maior parte do que é considerado investimento estadunidense em petróleo assume a forma de exportações de maquinaria, materiais e administração, razão pela qual, na realidade, não representa um fluxo de saída de dólares. O “milagroso” efeito é obter importações de petróleo a um custo mínimo para a balança de pagamentos.

Agora, como as tecnologias de energia solar e outras alternativas “amigáveis com o meio ambiente” não contribuem para a balança de pagamentos – da mesma forma que a indústria petroleira –, estas opções foram menosprezadas pelos estadunidenses. (O resultado é que hoje a China assumiu a liderança no desenvolvimento destas tecnologias).

Desde 1974, disseram para a Arábia Saudita e os países árabes vizinhos que podem cobrar o preço mais alto que desejarem por seu petróleo. Quanto mais alto for o preço que cobrarem, maiores serão os lucros para os produtores estadunidenses de petróleo.

A “condição” é que devem reciclar seus ingressos no mercado financeiro estadunidense. Estes países são obrigados a manter suas reservas de divisas e a maior parte de sua riqueza financeira em valores, ações e bônus do Tesouro dos Estados Unidos. Uma perda do controle do petróleo prejudicaria este fluxo circular de lucros para os mercados financeiros estadunidenses que sustentam os preços das ações em Wall Street.

Há muito tempo, as companhias petroleiras dos Estados Unidos registraram o refinamento e distribuição do petróleo no Panamá e na Libéria. Este fator reforçou o poder econômico da indústria petroleira, já que estas grandes corporações evitaram o pagamento de impostos mediante suas “bandeiras de conveniência”, situadas em centros bancários extraterritoriais.

Há mais de cinquenta anos, o tesoureiro da Standard Oil of News Jersey me explicou como a indústria petroleira pretendia obter seus lucros nos paraísos fiscais que não tinham imposto sobre a renda: pagando um preço baixo aos países produtores de petróleo e cobrando um preço alto das refinarias e empresas de comercialização.

Isto significa que há bem poucas possibilidades de se evitar a evasão fiscal. De fato, os políticos corruptos e uma oligarquia criminosa mundial são os principais beneficiários da indústria petroleira e mineira. Portanto, fragilizar o poder do lobby para impedir a evasão fiscal afetaria diretamente o tremendo poder econômico e político da indústria petroleira.

A política exterior estadunidense se baseia em fazer com que outros países dependam do petróleo dos Estados Unidos

A estratégia dos Estados Unidos é fazer com que outros países dependam de uma matéria vital como o petróleo, desta maneira, podem aplicar um torniquete econômico quando considerarem conveniente.

O primeiro exemplo foram as sanções alimentares impostas à China, nos anos 1950, para estimular a resistência à revolução liderada por Mao.

Se outros países produzem energia solar, eólica e nuclear serão independentes da diplomacia petroleira dos Estados Unidos. Isto explica por que a Administração Trump se retirou do acordo climático de Paris para frear o aquecimento global.

Na realidade, esta política e a autossuficiência energética que Washington se propôs possuem um complemento estratégico: a Europa deve se tornar totalmente dependente do Freedom Gas estadunidense. Também não deve permitir a construção do gasoduto Nord Stream 2, que lhe permitiria obter gás a um preço muito mais baixo da Rússia [2].

Administração Trump sustenta que para evitar a dependência da Rússia, a Europa deveria comprar o gás e o petróleo dos Estados Unidos a um preço cerca de 30% mais alto. “Estamos protegendo a Alemanha da Rússia, no entanto, a Rússia continua recebendo milhares de milhões de dólares da Alemanha”, queixou-se Trump aos jornalistas da Casa Branca, durante uma reunião com o presidente polonês Andrzej Duda [3].

Nesta mesma linha, no dia 31 de julho de 2019, a Comissão de Relações Exteriores do Senado votou por 20 a 2 em prol da Lei de Proteção da Segurança Energética da Europa, patrocinada pelo republicano Ted Cruz e a democrata Jeanne Shaheen.

Aquecimento global e contabilidade do PIB

Uma temperatura mais quente significa maior taxa de evaporação e, portanto, mais chuva, tornados e inundações, como estamos vendo este ano. Um resultado conexo será a seca na medida em que as geleiras se derretam e deixem de alimentar os rios nos quais foram construídas represas para gerar energia elétrica.

A aparente ironia é que estes efeitos do aquecimento global e o clima extremo se tornaram um baluarte do aumento do PIB dos Estados Unidos. Os custos de limpeza da poluição do ar e da água, os gastos de reconstrução das moradias inundadas, a destruição das colheitas, o aumento do custo do ar condicionado, a propagação de insetos nocivos e o aumento dos custos médicos podem explicar em grande parte o crescimento, a partir do ano de 2008.

Os neoliberais comemoraram o “Fim da História”, após a dissolução da União Soviética, em 1991, prometendo uma era de crescimento porque “o mercado” se tornaria o planificador mundial. Mas, não explicaram que este crescimento seria produto da indústria petroleira e de outras empresas de extração que vivem dos lucros de curto prazo e que, portanto, obtêm seus lucros à custa de hipotecar o futuro da humanidade e do planeta terra.

Quais fatores deveriam ser enfatizados por uma política verde?

Como brincava Mark Twain: “Todo mundo fala do tempo, mas ninguém faz nada a respeito”. No mundo político de hoje, fazer algo em relação ao aquecimento global significa enfrentar um conjunto de gigantes das finanças que vão além da indústria do petróleo e do gás.

Uma coisa é dizer que o aquecimento global ou a mudança climática são ameaças existenciais para a civilização e as economias atuais. Outra muito diferente é resolver o problema realmente, fazendo uma reforma econômica e mudando a política de “segurança nacional” dos Estados Unidos.

Um programa verde não pode ter êxito sem confrontar esta política de “segurança” que se assenta na supremacia petroleira dos Estados Unidos

Para todos os efeitos práticos, a segurança nacional estadunidense se tornou uma guerra que ameaça a segurança de todo o mundo. Quando ameaçam “congelar” os países que não seguem sua política, os Estados Unidos estão queimando a si mesmos, junto com o restante do planeta.

Deter o aquecimento global requer uma política fiscal que acabe com os privilégios que promovem os lucros da indústria petroleira, incluindo, é claro, as “bandeiras de conveniência” dos centros bancários offshore que são utilizados como meio para sonegar impostos.

Um programa verde deveria incluir um imposto sobre a renda adquirida pela extração dos recursos naturais (um imposto que os economistas clássicos defenderam ao longo do século XIX). Também deveriam fazer encargos pelas chamadas “externalidades”, ou seja, os custos sociais que não contam no balanço geral das corporações.

As empresas deveriam ser responsáveis por reembolsar a sociedade por estes custos.

Aplicar um imposto sobre o uso do petróleo aumentaria o preço da gasolina, mas não deterá o consumo a curto prazo porque os condutores de automóveis e grande parte dos serviços públicos estão presos nos investimentos de capital que utilizam petróleo.

Uma resposta eficaz seria reduzir a rentabilidade do petróleo, impedindo a evasão fiscal e as “bandeiras de conveniência” que criaram os grupos de pressão da indústria. A “contabilidade da indústria petroleira” é muitíssima mais obscura que a “contabilidade de Hollywood” e a contabilidade imobiliária ao estilo de Donald Trump.

Este problema é tão grave que hoje obter lucros sem pagar impostos sobre a renda se generalizou tanto que já é ‘uma prática mafiosa habitual’ utilizada pelos gigantes da informática, da indústria e dos bens de raízes.

Contudo, acabar com sonegação de impostos pode ameaçar a “segurança nacional”, segundo as elites de Washington. De acordo com sua visão, convém ao “interesse nacional” atrair o capital mundial (e criminoso) para estes enclaves de “livre comércio”, que servem para o balanço de pagamentos dos Estados Unidos.

As corporações mais ricas do mundo e os sonegadores de impostos estão fortemente alinhados contra uma política econômica que ajudaria a reduzir a pegada mortal do carbono, para além do consumo de petróleo e gás.

Portanto, para implementar com êxito uma política ecológica é necessário combater uma ampla gama de interesses criados. Os empresários citarão sem vergonha “a ideologia do livre comércio” para justificar seus lucros a curto prazo, sem se preocupar pelo desastre climático que estão causando.

Isto faz que com a tarefa seja muito mais difícil, pois coloca em evidência os limites dos programas do capitalismo verde.

Na Islândia e na Alemanha, os partidos verdes são neoliberais. Suas políticas são centristas e conservadoras quando se trata dos bancos e o setor financeiro. De fato, apoiaram uma bonança baseada no mercado de direitos de comércio do carbono, que são comprados e vendidos pelos especuladores de Wall Street.

O problema é que estas soluções “baseadas no mercado” fracassaram, porque os mercados são a curto prazo e não levam em conta as “externalidades”. Os verdes estão dispostos a criticar a “ideologia de mercado”?

Sem enfrentar este desafio, o que os partidos verdes e social-democratas fazem é “acariciar as costas de seus eleitores” para que se sintam bem, mas, na realidade, não farão nada para resolver realmente o problema subjacente.

Ao que parece, o “Fim da História”, que era celebrado como a vitória do livre mercado sobre a União Soviética, se tornou o “Fim dos Tempos”… do capitalismo neoliberal. E claro…, o que aparentemente não tem mais discussão é que estamos vivendo uma crise integral da civilização ocidental.

Notas

(1) Rod Schoonover, em “My Climate Report Was Quashed”, editorial do New York Times, 31 de julho de 2019, informou que a Casa Branca bloqueou seu relatório sobre os efeitos adversos da mudança climática, pois “a base científica da análise não se ajustava à posição da administração sobre a mudança climática”;

(2) Em relação à Estratégia de Segurança Nacional de Domínio Energético dos Estados Unidos, ver Ben Aris, “Busting Nord Stream 2 myths”, Intellinews.com, 27 de agosto de 2018. O secretário de Energia dos Estados Unidos, Rick Perry, comparou o gás dos Estados Unidos com os soldados estadunidenses que libertaram a Europa dos nazistas. “Os Estados Unidos voltam a oferecer uma forma de liberdade ao continente europeu”, disse aos jornalistas em Bruxelas, no início deste mês. “E mais que na forma de jovens soldados americanos, é na forma de gás natural liquefeito”. Vejam também: https://truthout.org/articles/freedom-gas-will-be-used-to-justify-oppression-at-home-and-abroad/;

(3) “O euro cai após Trump ameaçar com sanções para deter o Nord Stream 2 (outra vez!)”, Zero Hedge, 12 de junho de 2019. 

(EcoDebate, 15/08/2019) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

 

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