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Artigo

Controle da Qualidade de Água – Crônica Potiguar, artigo de Carlos Augusto de Medeiros Filho

 

água engarrafada
Foto: EBC

 

[EcoDebate] Diversos blogs noticiaram recentemente a iniciativa do Vereador Klaus Araújo (SD) de requerer uma nova análise da água distribuída no município de Natal pela Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte (CAERN). A solicitação do Vereador foi embasada no relatório de 2017, do VIGIÁGUA (Programa Nacional da Qualidade da Água para Consumo Humano), que apontou irregularidades na água distribuída em todas as zonas da capital potiguar.

Essa espécie de checagem de informações da qualidade físico-química das águas distribuídas à população potiguar é, sem dúvida, válida e importante. Seria também de fundamental utilidade pública que essa averiguação fosse estendida para as águas minerais engarrafadas e expostas à venda no comércio natalense.

Procedimentos de controle de qualidade da água são práticas adotadas em muitos países, tanto para água de torneira ou para água mineral.

Birke et al. (2010) analisaram, na Alemanha, 908 amostras de águas engarrafadas e 164 amostras de “águas de torneiras” As amostras foram criteriosamente coletadas e analisadas para uma bateria de 71 parâmetros químicos, objetivando, entre outras coisas, investigar as características geoquímicas das águas engarrafadas; identificar os principais processos hidrogeoquímicos que influenciam nas suas composições químicas; determinar a variação natural dos parâmetros químicos nas águas engarrafadas e nas águas de torneira; estudar as causas das variações geoquímicas regionais e comparar os resultados analíticos dos parâmetros com os limites reguladores. 42 amostras de água ou 4,63% do universo amostrado excederam o limite permitido para um ou mais dos seguintes elementos: arsênio (9 amostras), nitrato (1 amostra), nitrito (11 amostras), mangânes (8 amostras), níquel (1 amostra) e bário (1 amostra). Além disso, dez amostras apresentaram teores de urânio acima de 10 ug/L.

Astel et al. (2014) desenvolvem uma ampla e criteriosa amostragem e análise de águas minerais comercializadas na Polônia. A pesquisa abrangeu 47 diferentes marcas de água mineral e constatou diferenças significativas entre os resultados analíticos e as composições impressas nos rótulos das garrafas, mesmo que a maioria dos parâmetros medidos ficaram abaixo dos valores-guia adotados na Polônia, Europa e da Organização Mundial da Saúde.

Cicchella et al. (2010) discutiu os resultados de pH, condutividade e de 69 elementos e ions de 186 marcas de águas minerais engarrafadas da Itália. Essa pesquisa fazia parte de um projeto europeu que visava estudar e caracterizar a geoquímica de 1785 garrafas de água mineral da Europa, de diferentes marcas, realizadas pelo EuroGeoSurveys Geochemistry Expert Group (Reimann and Birke, 2010).

Considerando-se o amplo interesse público e o forte peso econômico provenientes da comercialização deste produto, dados geoquímicos relacionados com as águas minerais, podem ajudar a proteger os consumidores e contribuir com as agências reguladoras na definição das normas de controle de qualidade.

Na Região Metropolitana de Natal, o aquífero Barreiras não só disponibiliza, via CAERN, a maior parte do abastecimento de água, como também é fonte para indústrias de águas minerais. Dessa forma, o processo de contaminação do Barreiras pode também refletir nas águas minerais comercializadas e consumidas pela população potiguar (Medeiros Filho, 2005). Infelizmente alguns informes técnico-científicos indicam que já existem casos comprovados desse grave problema.

Municípios no entorno de Natal, como Parnamirim, Macaíba e Extremoz, registram significativas taxas de crescimento urbano e se caracterizam por conter diversas reservas de águas minerais. Nóbrega et al. (2008) analisaram, para nitrato, dez marcas de águas minerais comercializadas em Natal cujas as fontes se localizam nos três municípios citados acima. Os autores compararam os resultados obtidos na pesquisa com as concentrações de nitrato que essas águas apresentaram no ano em que suas respectivas indústrias foram autorizadas a operar.

Uma marca de água mineral, na pesquisa de Nóbrega et al. (2008), apresentou, em 2005, valor de 57.30 mgNO3-/L e, portanto, superior ao limite permitido para águas minerais. Um aspecto importante é que essa marca apresentava um resultado bem mais baixo (11.93 mgNO3-/L) em 1993. Esse substancial aumento é um indício forte do processo de contaminação de nitrato. Três outras amostras registraram representativos crescimentos nos valores de nitrato em 2005 em relação aos resultados originais, servindo de alerta dessa tendência de contaminação. E, ainda, um caso não tinha registro analítico original, mas o resultado em 2005 apresentava valor próximo ao limite da ANVISA sendo, sem dúvida, um indicativo de contaminação.

Existem indícios e, portanto, dúvidas quanto a qualidade das águas minerais consumidas em Natal. Medeiros Filho (2015 b) formulou algumas propostas que poderiam contribuir no esclarecimento dessa importante questão:

1) Amostragem e análise representativas de águas expostas para venda em mercados e distribuidores. Este trabalho serviria, a princípio, para checar / confirmar os resultados do apresentado nos rótulos. Os resultados deveriam ser disponibilizados, de forma transparente, ao público.

2) Essa amostragem e análise permitiriam, também, identificar e procurar as causas de possíveis desvios encontrados nos parâmetros químicos e físico-químicos.

3) Esse cheque analítico é um importante e simples método de garantir, ao cidadão, a qualidade do produto consumido. Além da própria fonte, a água mineral pode ser contaminada por diversos processos que vão desde o tipo da embalagem, do processo de envasamento; meio de transporte e armazenamento, etc.

4) A bateria de análise poderia, a princípio, ficar relativamente restrita aos principais parâmetros contidos nos rótulos das águas comercializadas. Seria interessante, entretanto, que tratamentos multielementares sejam desenvolvidos de maneira relativamente semelhante as pesquisas europeias, aqui referenciadas.

Esse conjunto de ações constituiria em uma iniciativa útil e popular e uma maneira segura de garantir para a população o consumo de águas minerais isentas de concentrações de parâmetros prejudiciais à saúde.

Referências Bibliográficas

Astel, A.; Michalski, R.; Lyko, A.; Jaboska-Czapla, M.; Bigus, K.; Szopa, S.; Kwieciska, A. 2014. Characterization of bottled mineral waters marketed in Poland using hierarchical cluster analysis. Journal of Geochemical Exploration 143 (2014) 136–145

Bike, M.; Rauch, U.; Horazin, B.; Lorenz, H.; Wolgang, G. 2010. Major and Trace Elements in Germany Bottled Water, Their Regional Distribution, and Accordance with National and International Standards. Journal Geochemical Exploration. 107. 245-271.

Cicchella, D.; Albanese, S.; Vivo B.; Dinelli, E.; Giaccio, L.; Lima, A.; Valera, P. 2010. Trace elements and ions in Italian bottled mineral waters: Identification of anomalous values and human health related effects. Journal of Geochemical Exploration 107 (2010) 336–349.

Medeiros Filho, C.A. 2015. Contaminação do Aquífero Barreiras X Águas Minerais – Crônica Potiguar. in Portal EcoDebate, 25/02/2015.

Medeiros Filho, C.A. 2015 b. Águas Minerais – Possibilidades de Contaminações e Proposta de Controle. in Portal EcoDebate, 22/04/2015.

NÓBREGA, M. M. S.; ARAÚJO, A. L. C.; SANTOS, J. P. 2008. Avaliação das concentrações de nitrato nas águas minerais produzidas na região da Grande Natal. Revista Holos. Vol. 3. 2008. 4-25 p.

Reimann, C., Birke, M. (Eds.), 2010. European Groundwater Geochemistry: Bottled Water. Borntraeger Science Publishers, Stuttgart, Germany.

Carlos Augusto de Medeiros Filho, geoquímico, graduado na faculdade de geologia da UFRN e com mestrado na UFPA. Trabalha há mais de 30 anos em Pesquisa Mineral.

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 05/06/2018

[cite]

 

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