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Eclipse da homeostase, artigo de Roberto Naime

 

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Eclipse da homeostase, artigo de Roberto Naime

[EcoDebate] Vânia Luisa Spressola reflete sobre uma discussão que atravessa as disciplinas desde os primeiros antropólogos evolucionistas, passando pelas tradições norte-americana e britânica, fica suspensa no estruturalismo e vai até ramificações recentes.

As primeiras abordagens se preocupavam com as origens da cultura, mas sempre com perspectiva histórica. Já a tradição estrutural-funcionalista dos ingleses e sua correlata neo-funcionalista na antropologia ecológica subestimam as contribuições da história para a compreensão da cultura. Se inspiram nas fontes da escola sociológica francesa e na abordagem ecossistêmica da ecologia.

Quanto às interações entre meio ambiente e civilização humana, há uma renovada apreciação contemporânea do papel do contexto e contingência histórica por geógrafos humanos, antropólogos e outros cientistas sociais (Walters e Vayda, 2009).

Há ênfase na diversidade entre pessoas e diferentes lugares e entre como a maneira complexa que fatores locais e não-locais influenciam mudanças locais na sociedade e ambiente (Vayda, 1994).

A história importa. Estudando a organização de comunidades, Drake (1991) mostrou que a sequência de invasão de espécies, bem como o intervalo entre as invasões resultam em comunidades com estruturas diferentes.

Para Prigogine (1977 apud Prado, 2009), além de irreversibilidade, história pressupõe acontecimento, contexto e coerência. A noção de sistemas ecológicos em equilíbrio já faz tropeçar a história ao nível do acontecimento. Ocorre desconsideração da influência de fatores de maior escala, o chamado contexto. O determinismo afeta a coerência.

Em certo momento, as ideias assim ocultaram a história, feito Terra e lua num eclipse. Nas palavras de Kingsland (1995), o “eclipse da história”. Não por acaso, este foi o período de consolidação do novo paradigma nas ciências ecológicas, a ecologia teórica, fusão das duas disciplinas.

Diversidade local resulta deterministicamente das interações que ocorrem dentro da comunidade, especialmente competição. O determinismo aqui oculta o balanço entre processos regionais de formação de espécies e dispersão geográfica, que adicionam espécies às comunidades e processos locais de predação, exclusão competitiva, adaptação e variação estocástica que podem promover extinção local (Ricklefs, 1987).

Similaridade limitante é fundamental para compreensão do divórcio entre processos regionais e diversidade local. Espécies competidoras coexistem se a compressão do nicho em razão de seu partilhamento estiver abaixo do limite a partir do qual ocorreria exclusão competitiva.

Assim, diversidade é mais ou menos fixada no ponto de saturação, acima do qual ela não aumenta. A adição de novas espécies é balanceada pela extinção daquelas antigas (Ricklefs, 1987). Diferenças na diversidade regional são acomodadas pelo ajuste do grau de especialização de habitat, chave que liga as diversidades local e regional, segundo o modelo conceitual de Ricklefs et al de 2003.

Com tanta força explicativa dos mecanismos locais, por pouco o mundo todo não é homogêneo na diversidade de espécies. Mas pela regra geral da ecologia teórica, a diversidade da comunidade responde à variação nas condições físicas locais.

Acontece que em condições físicas similares, a diversidade das comunidades biológicas nem sempre é a mesma em termos de riqueza de espécies (Orion e Pane, 1983 e Lawton, 1984 apud Rickelfs, 1987).

A diversidade local apresenta uma demonstrável dependência da diversidade regional (Cornell, 1985). Tais observações sugerem que processos regionais e históricos, tanto quanto eventos particulares e circunstancias, profundamente influenciam a estrutura da comunidade local (Ricklefs, 1987).

Na verdade, a ecologia teórica se opõe à visão de mundo da história natural, origem da ecologia e da biologia evolutiva (McIntosh, 1985). Considerando a complexidade e heterogeneidade na natureza (Kingsland, 1995). Assim, suas narrativas são qualitativas, observacionais e históricas. MacArthur e outros ecólogos teóricos demarcam bem as diferenças entre ciência e história natural (Kingsland, 1995 e Ricklefs, 1987).

Oster e Wilson (1978, apud Kingsland, 1995) defendem, a consciência histórica não implica em tudo ser aleatório e sem padrões, nem que a disciplina histórica não é científica.

Apesar das evidências da atuação dos fatores de maior escala sobre a diversidade local, Ricklefs (1987) se pergunta por que é que os ecólogos têm sido tão tardios em adotar uma perspectiva regional. A resposta está no conceito de comunidade, infrutífero nesse sentido.

Um conceito individualístico já havia sido proposto originalmente por Gleason em 1917 apud McIntosh, (1985). As espécies têm características ecológicas individualistas e se reúnem em comunidades locais de acordo com a estocástica da dispersão e de ambientes disponíveis.

Peter Taylor, em seu livro Complexidade sem Regras (2005 apud Prado, 2009) define comunidades como situações. Estão imersas num contexto onde tudo se define. Os limites entre escalas local e regional são tênues. A regional é ao mesmo tempo contexto e produto do local. Não há limites claros, nem dinâmica interna coerente e nem relações simples, como o contexto.

E assim, chegamos às bases do mais novo paradigma, o do não-equilibrio, que só faz confirmar tudo. Walters e Vayda (2009) definem o recuo das noções ontológicas que definem ecossistemas e comunidades como distintos, dotados de propriedades estáveis mudando em trajetórias previsíveis.

Na linha de Gleason, na natureza as espécies respondem a variações ambientais e perturbações em grande parte independentemente uma da outra (Wiens 1984; Hubbell et al. 1999 apud Walters e Vaiyda, 2009). Também ocorre o crescente interesse na história e da análise histórica. Finalmente, há crescente interesse no estudo de humanos como participantes nas interações ecológicas e agentes de mudança ambiental.

Narrativas românticas de pessoas bem adaptadas e vivendo em balanço com seus ambientes são, cada vez mais, vistas com ceticismo. Do mesmo modo, narrativas pessimistas de pessoas destruindo seus ambientes (Vayda, 1998). Há crescente consideração de que influências locais e não-locais podem afetar a maneira das pessoas usarem seus recursos ambientais num dado momento, o que pode mudar quando as circunstancias mudam (Walters, 2004).

A revisão de Cristina Adams (2000) sobre caiçaras é bom exemplo. Ela constatou que na literatura de 1970 pra cá, é regularidade a caracterização das populações caiçaras como isoladas, pescadoras tradicionais, autossuficientes e em equilíbrio com o ambiente, primitivas e “bons selvagens”.

No artigo de Rui Murrieta (1994) vemos que as comunidades camponesas estão integradas à economia de mercado e aos sistemas políticos nacionais e internacionais há muito tempo, negando que tenham permanecido isoladas da sociedade colonial ou nacional, com as quais estabelecem uma interação dialética, com diferentes graus de envolvimento e dependência política-economica.

O paradigma do não-equilíbrio e seu impacto sobre a interação ambiente-humano, a dissolução do local e regional relativizando isolamento e autossuficiência nas comunidades humanas bem como a fluidez dos novos conceitos de comunidade podem ser reveladores para quem lida com maus selvagens e bons ocidentais.

Sem politização e sem preconceitos, ou conceitos prévios.

Referências:

ADAMS, C. 2000., As populações caiçaras e o mito do bom selvagem: a necessidade de uma nova abordagem interdisciplinar. Rev. Antropol. vol.43 n.1 São Paulo 2000.

CHESSON, P. L. & CASE, T. J. 1986. Overview: nonequilibrium community theories: chance, variability, history and coexistence. In Diamond and Case. Community Ecology. Harper & Row.

CORNELL, H. V., 1985. Local and regional richness of cynipine gall wasps on California oaks. Ecology 66: 1247-1260.

DRAKE, J. A., 1991. Community-assembly mechanisms and the structure of an experimental species ensemble. The American Naturalist 137: 1-26.

KINGSLAND, S., 1995. Modeling nature-Episodes in the history of population ecology. The Chicago University Press, Chicago.

McINTOSH, R. 1985. The Background of Ecology. Concept and Theory. New York: Cambridge University Press.

MURRIETA, R. S. S., 1994. Diet and subsistence: changes in three caboclo populations on Marajó Island, Amazonia, Brazil, Boulder, pp. 120, Thesis (Master of Arts), University of Colorado.

PRADO, P. I. K. L., 2009. Slides da aula Fatores Regionais.

RICKLEFS, R. E. 1987., Community diversity: relative roles of local and regional processes. Science 235: 167-171. pdf

RICKLEFS, R. E. & SCHLUTER, D. 2003. Species diversity in ecological communities: historical and geographical perspectives. University of Chicago Press, Chicago.

RICKLEFS, R. E., 2008. Disintegration of the ecological community. The American Naturalist 172:741-750.

VAYDA A. P., 1994. Actions, variations, and change: The emerging anti-essentialist view in anthropology. In Assessing cultural anthropology, ed. R. Borofsky, 320–30. New York: McGraw-Hill.

VAYDA, A. P. 1998. Anthropological perspectives on tropical deforestation? A review article. Anthropos 93:573–79.

WALTERS, B. B., 2004. Local management of mangrove forests in the Philippines: Successful conservation or efficient resource exploitation? Human Ecology 32:177–95.

WALTERS, B. B. e VAYDA, A. P., 2009 “Event Ecology, Causal Historical Analysis, and Human-Environment Research”, Annals of the Association of American Geographers, 99:3, 534 — 553.

WHITTAKER, R. H. e LEVIN, S. H. 1977. The role of mosaic phenomena in natural communities. Theoretic Population Biology, 12,117-39.

http://ecologia.ib.usp.br/bie5778/doku.php?id=ensaios:vania_luisa_spressola_prado

 

Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.

Sugestão de leitura: Civilização Instantânea ou Felicidade Efervescente numa Gôndola ou na Tela de um Tablet [EBook Kindle], por Roberto Naime, na Amazon.

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 16/01/2018

[cite]

 

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