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Artigo

A questão hídrica atual do Nordeste seco! artigo de João Suassuna

 

O maior reservatório de água do agreste de Pernambuco opera com volume morto. O nível de água na Barragem de Jucazinho, no município de Surubim, atingiu 0,01% da capacidade. Foto: Compesa/Divulgação
O maior reservatório de água do agreste de Pernambuco opera com volume morto. O nível de água na Barragem de Jucazinho, no município de Surubim, atingiu 0,01% da capacidade. Foto: Compesa/Divulgação

 

O setentrional nordestino, que há cinco anos vem enfrentando situações de seca, está em “estado de emergência” e muitos dos municípios da região, como o de Campina Grande, na Paraíba, que tem aproximadamente 355 mil habitantes, e Caruaru, em Pernambuco, com 300 mil habitantes, enfrentam problemas de abastecimento de água para o consumo de suas populações.

O maior problema da seca é que não há gestão dos recursos hídricos e, em muitos municípios, se não chover o volume esperado para este mês de novembro, “não há um plano B para o abastecimento do povo”. “Para se ter uma ideia dessa problemática, represas do porte de Boqueirão, na Paraíba, que abastece Campina Grande, está atuando com 6% da sua capacidade. Represas enormes no interior da Paraíba, como Coremas e Mãe D’Água, que juntas acumulam um bilhão e 200 milhões de metros cúbicos de água, hoje atuam, respectivamente, com 2% e 7% de suas capacidades. Uma delas (Coremas) já está em colapso, e a tendência é que até o final do ano, essas represas venham a secar” completamente. A represa de Sobradinho, na Bahia, que tem capacidade de armazenar 34,1 bilhões de metros cúbicos de água, e que há quatro meses atuava com 25% da sua capacidade, hoje atua com 5% e já há uma previsão de hidrogeólogos de que a represa, caso não chova o suficiente, entrará em volume morto até o final de dezembro.

O abastecimento de água na região está sendo feito por frotas de caminhões-pipas, mas não se sabe qual é a origem dessa água que tem sido utilizada para o consumo humano. Temos que nos perguntar de onde essas águas estão sendo retiradas para o abastecimento do povo, já que o Nordeste inteiro está desidratado e com baixos volumes em suas represas. Temos que questionar a origem dessas águas que estão sendo trazidas pelos caminhões pipas. Essas águas, de origem duvidosa, são realmente imprestáveis para o consumo humano, mas são as únicas de que se dispõe no momento. Certamente iremos ter problemas sérios de saúde pública, porque populações inteiras estão tendo acesso a essa água de péssima qualidade. Provavelmente, elas serão acometidas por hepatites, esquistossomoses, schistosomose [barriga d’água], isto é, doenças veiculadas pela água.

A seca no Nordeste normalmente se dá de forma lenta e gradual, mas a atual agravou-se porque houve secas sucessivas nos últimos anos. Desde 2012 as chuvas estão ocorrendo abaixo da média, e quando isso acontece os açudes secam e a agricultura sofre um impacto muito forte: colheitas de milho e feijão (culturas de subsistência) são perdidas e a pecuária também sofre um impacto considerável. A seca de 2013, por exemplo, diminuiu, em cerca de 70%, a pecuária paraibana.

Atualmente, o maior problema da seca é que, no Nordeste, não há gestão dos recursos hídricos. Para se ter uma ideia dessa problemática, represas interanuais (aquelas que alcançam a quadra chuvosa do ano seguinte, mesmo com o uso continuado de suas águas), como é o caso de Boqueirão, na Paraíba, que abastece a cidade de Campina Grande, está atuando com cerca de 6% da sua capacidade. Represas igualmente interanuais no interior da Paraíba, como Coremas e Mãe D’Água, que juntas acumulam um bilhão e 200 milhões de metros cúbicos de água, hoje atuam, respectivamente, com 2% e 7% de suas capacidades. Uma delas já entrou em colapso (Coremas), e a tendência é que, até o final do ano, essas represas venham a secar por completo.

Represas como a de Jucazinho, que abastece a cidade de Santa Cruz do Capibaribe e Caruaru, em Pernambuco, entraram em exaustão. Mas por que isso acontece? Por falta de gestão no uso das águas. Quando uma represa é construída, ela pereniza o rio por ela represado, numa determinada vazão, chamada de “vazão de regularização”, com 100% de garantia. Essa vazão de regularização não pode ser utilizada em volumes superiores aos determinados e garantidos por essa represa. Se isso for feito, as represas secam, como secaram as mencionadas acima (Jucazinho e Coremas/Mãe D´água), como, também, os açudes de Itans e Gargalheiras, no RN, por falta de gestão de suas águas. O problema é que os volumes de regularização das represas estão sendo superutilizados na irrigação, perdidos nos vazamentos, nas infiltrações e no próprio abastecimento das populações. Essa regra de uso dos volumes das represas tem que ser cumprida sistematicamente e com muita determinação porque, agindo-se de forma contrária, elas vêm a secar.

A represa de Sobradinho está atualmente (novembro de 2016) com cerca de 5% da sua capacidade, e já há previsão de hidrogeólogos de que a represa entrará em volume morto no final de dezembro, caso não haja chuvas satisfatórias na bacia hidrográfica do rio, principalmente nas regiões do Alto e do Médio São Francisco. A Companhia Hidrelétrica do São Francisco – Chesf e a Companhia Energética de Minas Gerais – Cemig, que gerenciam os volumes de regularização do São Francisco na região de Três Marias e de Sobradinho, estão fazendo de tudo para que Sobradinho não entre em volume morto. Estão liberando volumes expressivos da hidrelétrica de Três Marias (cerca de 600 m³/s), prejudicando a capacidade de armazenamento da própria hidrelétrica, para salvar a represa de Sobradinho. Os técnicos estão com muita esperança de que, adotando essas manobras arriscadas, a entrada da nova quadra chuvosa possa salvar, não só a represa de Três Marias, mas, também, a de Sobradinho. Então, estamos vivenciando um momento crítico no qual se depende da providência divina para a solução definitiva dessa situação. A dependência agora é por chuvas! No atual momento, as chuvas estão sendo por demais esperadas, e se constituem no fiel da balança para a salvação do abastecimento do povo.

O Rio São Francisco tem aquíferos importantes, sendo o mais importante deles o Urucuia, localizado no Oeste da Bahia, na região do município de Barreiras. Esses aquíferos desempenham um papel fundamental no regime volumétrico do São Francisco, porque têm geologia sedimentária, de solos porosos, e quando chove há uma grande infiltração de água, formando os lençóis freáticos em seus subsolos. Com isso, há também os chamados fluxos de base, que são emissões de água que saem dos subsolos dos aquíferos em direção à calha dos rios. O aquífero Urucuia é responsável por mais da metade da vazão regularizada do São Francisco, em Sobradinho. No entanto, a água do aquífero está sendo super utilizada para produzir soja e milho irrigados, por intermédio de equipamentos de irrigação, os chamados pivôs centrais, que consomem uma quantidade expressiva de água. Só na região Oeste da Bahia existem mais de cem pivôs centrais, que chegam a retirar, do subsolo, cerca de 2600 metros cúbicos de água por hora. Multiplique esse volume por 100, que é a quantidade de pivôs existentes na região, e tem-se ideia da quantidade de água que é destinada para fins da irrigação dos plantios.

Quando a represa de Sobradinho foi construída em 1979, foi regularizada a vazão do São Francisco em uma média de 2060 metros cúbicos por segundo. Se, atualmente, for feita uma mensuração de vazão na foz do rio, veremos que esta é de 1850 m³/s. E essa vazão vai diminuir mais ainda por conta do uso indiscriminado das águas, nas irrigações praticadas sobre os seus aquíferos. É isso que está matando o Rio São Francisco atualmente, reduzindo suas vazões, porque não se está obedecendo aos princípios fundamentais da hidrologia, quais sejam, à necessária gestão dos recursos hídricos, o que se consubstancia numa questão fundamental, principalmente em regiões onde ocorrem secas sevaras.

No Nordeste existem áreas nas quais as secas ocorrem com menor intensidade, mas existe uma área chamada de Miolão da Seca (descrita por Otamar de Carvalho), em que as situações de estiagem são mais frequentes: 80% das secas do Nordeste ocorrem nessa área do setentrional nordestino. É para lá que foi planejada a chegada das águas do Rio São Francisco, com o projeto da Transposição. Hoje, praticamente todos os municípios do Miolão da Seca estão em estado de emergência, por conta dos últimos cinco anos de secas sucessivas na região. O pior é que, em cidades que enfrentam problemas de abastecimento, como Campina Grande e Caruaru, não existem um plano B para o atendimento das demandas hídricas das populações. O abastecimento de água está sendo feito com frotas de caminhões-pipas. Mas como é possível abastecer cidades com mais de 300 mil habitantes, a exemplos de Campina Grande e Caruaru, com frotas de caminhões-pipas? As autoridades deixaram de pensar, porque isso tem uma implicação imediata no trânsito das cidades. Já imaginaram uma frota de cinco mil caminhões pipas abastecendo um município sedento?

Além do mais, temos que nos perguntar de onde essas águas estão sendo retiradas, já que o Nordeste inteiro apresenta um problema sério de baixos volumes em suas represas. Temos que questionar a origem dessas águas que estão sendo transportadas pelos caminhões e ofertadas ao povo. Essas águas de origem duvidosa são certamente imprestáveis para o consumo humano, mas são as únicas que se dispõe no momento. Certamente teremos problemas muito sérios de saúde pública, porque populações inteiras estão bebendo dessa água não potável.

A saída mais honrosa seria iniciar um programa de gestão adequada dos recursos hídricos. Mas estamos em uma situação na qual não existem volumes suficientes nas represas para se começar a promover tal gestão. Com isso, não se vislumbra outra saída, a não ser se esperar a quadra chuvosa que já iniciou no mês de novembro, com chuvas significativas no Alto e no Médio São Francisco. Temos que apostar que essas chuvas irão ocorrer com intensidades expressivas, acima da média, para a solução definitiva da situação caótica existente.

Agora, se essas chuvas vierem abaixo da média esperada, teremos um desastre muito grande no Nordeste, porque não iremos ter alternativas para o abastecimento do povo, já que as represas estão em estado crítico. Também não existe água de subsolo, porque temos uma geologia cristalina em 70% da superfície da região, ou seja, a rocha que dá origem ao solo está praticamente aflorando em alguns pontos da superfície e isso dificulta as infiltrações a e existência de água. Normalmente, essas fontes hídricas têm baixas vazões e, como se isso não bastasse, as águas são extremamente salinizadas, tanto que, às vezes, nem o gado consegue bebê-las.

É imperioso dar a importância devida, ao trabalho que a Articulação do Semiárido, a ASA Brasil, está fazendo no Nordeste. A ASA Brasil é uma instituição não governamental, que trabalha congregando as ações de 600 outras ONGs no Nordeste, que têm trabalhos voltados para a convivência no Semiárido. A ASA trabalha com cerca de 40 tecnologias no setor hídrico, a exemplo de cisternas rurais de placas, barragens subterrâneas, mandalas, entre outras. Agora, para que essas tecnologias funcionem a bom termo, é preciso usar a água de forma racional.

A ASA Brasil trabalha com cisternas rurais com capacidade de 16 mil litros e, também, com as ditas produtivas, com capacidade para 52 mil litros. Essas cisternas captam água dos telhados das casas para fornecer uma água de boa qualidade para uma família de cinco pessoas, durante os oito meses sem chuvas na região. Essa é uma tecnologia extremamente viável, como viável, também, é a criação de animais adaptados às situações de secas (grandes e pequenos ruminantes). Em outros momentos de seca, era muito comum, no Nordeste, haver saques em supermercados e feiras livres, porque o povo não tinha o que comer e o que beber. Hoje em dia esse cenário mudou e, certamente, isso tem a ver com o uso e a implementação dessas tecnologias que estão dando certo no Sertão.

Outra tecnologia importante de convivência com as secas, é o plantio de Palma-forrageira adensada. Antigamente eram produzidas, no Nordeste, cerca de 50 toneladas de palma por hectare. Hoje, na forma adensada de plantio, que é uma tecnologia oriunda do México e dos Estados Unidos, estão sendo colhidas, com essa cactácea, cerca de 400 toneladas por hectare, ou seja, está se conseguindo um ganho 10 vezes maior nas colheitas. A palma é um excelente alimento para os animais em época de estiagem e ajuda a manter a atividade de pecuária em regiões secas, como é o caso do Nordeste brasileiro. A saída honrosa para se conviver com as secas é juntar todas essas experiências que estão dando certo e começar a trabalhar de forma planejada. O planejamento é à saída de tudo. Agora, temos que rezar – esse é o termo certo – para que essa quadra chuvosa que se inicia em novembro de 2016, venha com volumes de chuvas acima da média para, a partir daí, se começar a usar essas águas de forma racional. Insisto mais uma vez: se a seca se prolongar por mais um sexto ano no Nordeste, ficam sombrios os cenários do que possa ocorrer com a sua população.

Em relação à Transposição do Rio São Francisco, o programa encontra-se desacelerado ou mesmo parado em alguns trechos do projeto. Tem-se a impressão de que, primeiro, o governo Temer está arrumando a casa, para os ajustes necessários à alocação dos recursos. Houve a pretensão inicial de se começar um trabalho de revitalização na bacia do rio, mas ficou somente nas pretensões; não houve maiores evoluções nas ações, desde o anúncio da intenção do governo na revitalização do Velho Chico. Então, a informação que se tem é a mesma recebida no início do governo Temer: de que o governo está negociando 10 milhões de reais para investir em ações de revitalização.

*João Suassuna – Engenheiro Agrônomo e Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco

** Artigo enviado pelo autor e originalmente publicado seu blogue pessoal

 

in EcoDebate, 05/12/2016

[cite]

 

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3 thoughts on “A questão hídrica atual do Nordeste seco! artigo de João Suassuna

  • Paulo Afonso da Mata Machado

    Meu caro João Suassuna,
    Seu artigo toca em um ponto importante: o Nordeste precisa de um plano B para combater os efeitos da seca.
    Qual seria esse plano B? Uma melhoria na gestão das águas das represas? Isso é mais fácil de dizer do que de fazer, visto que o Sol é o maior consumidor da água dos açudes.
    O plano B seria a transposição de águas do rio São Francisco, tão combatida no passado e hoje aguardada ansiosamente? Não, porque por si só, a transferência de águas entre bacias não é a solução do problema.
    O plano B é o aumento da oferta de água.
    Nesse particular, as ações da Articulação do Semiárido, na qual Roberto Malvezzi e Ruben Siqueira têm papel de destaque, são de grande importância na área rural, evitando o êxodo nordestino por falta de água até mesmo para beber.
    Essas ações, somadas ao bolsa família e à aposentadoria rural, são os ingredientes que evitam os saques em supermercados.
    Entretanto, tais processos de acúmulo de água não se aplicam à área urbana, pois cidades como Campina Grande e Caruaru, com população acima de 300 mil habitantes, precisam de mais que água armazenada em cisternas, barragens subterrâneas e mandalas.
    Tomemos São Paulo como exemplo. O povo paulista aprendeu com a grande seca que colocou seus reservatórios em volume morto e várias de suas cidades praticam o reúso da água. Campinas anuncia para breve a potabilização de seu esgoto sanitário. Portanto, o plano B para a área urbana é, inquestionavelmente, o reúso da água.
    Se cidades do interior nordestino não têm tecnologia para potabilizar o esgoto, que façam o reúso para fins não potáveis. Desse modo, estarão fazendo uma ótima gestão dos recursos hídricos, na medida em que passarão a reservar a água potável apenas para consumo humano.

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  • Que tristeza!

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