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Artigo

Agrotóxicos-transgênicos: um rolo compressor está sendo passado sobre o direito do consumidor, artigo de Sucena Shkrada Resk

 

 

Enquanto o cenário político brasileiro enfrenta uma de suas maiores crises na história democrática no país, nos bastidores, a orquestração no Congresso de grupos políticos, que representam predominantemente interesses de mercado, consegue aprovar projetos que prejudicam o direito do consumidor de acesso ao conhecimento e poder de escolha, além de facilitar a maquiagem verde de produtos que consumimos nas gôndolas, potencialmente prejudiciais à nossa saúde.  Esse retrocesso de conquistas está passando despercebido por grande parte da população.

Agrotóxicos

Uma das decisões polêmicas recentes foi a aprovação pela representação brasileira no Parlamento do Mercosul, no último dia 22 de março, do Projeto de Lei do Senado 680/2015, que substitui a expressão “agrotóxicos” por “produtos fitossanitários” no texto da Lei 7.802/1989. O argumento do autor da proposta, o senador Álvaro Dias (PV-PR), que foi retirada por ele e arquivada no Senado posteriormente a esta aprovação, no dia 30 de março, era absurda, fazendo parecer que todos os estudos científicos a respeito dos efeitos maléficos dos agrotóxicos à saúde são algo ardiloso para prejudicar o setor rural. Segundo ele, o simples uso da palavra agrotóxico moldurando os produtos fitossanitários, já representa uma campanha de marketing negativa para o segmento.

Isso quer dizer que toda a toxidade destes produtos e o mau uso dos mesmos são banais? E que os trabalhadores que utilizam os “produtos fitossanitários” e nós, consumidores finais, temos de ser expostos e nos alimentar de algo que parece pela nomenclatura de negociação de mercado, totalmente inofensivo? Quem monitora toda esta cadeia e seus efeitos e nos assegura o acesso contínuo a todas estas informações?

O que torna este quadro ainda mais complexo é o fato de o Brasil ser o maior importador no mundo destes produtos, com pelo menos 5,2 litros per capita por habitante. Atualmente o país consome 14 que já foram proibidos na Europa e em outros países. Essas constatações revelam o descaso com essa pauta tão relevante e fundamental para a segurança alimentar e a saúde pública.

Grupo de estudos da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), sob coordenação do professor Wanderlei Pignati, por exemplo, levantou diferentes tipos de agrotóxicos em 62 amostras de leite materno, de mães que pariram entre 2007 e 2010. O Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA) tem um posicionamento institucional a respeito dos efeitos dos agrotóxicos na saúde humana, que merece uma leitura atenta. Outras importantes fontes são o Dossiê da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos (PARA) da Anvisa.

Transgenia

E se alguém pensa que as ameaças ao direito do consumidor param por aí, está enganado. Outro projeto aprovado, no ano passado, na Câmara e que agora tramita no Senado, é o 34/2015, de autoria do deputado Luís Carlos Heinze (PP-RS), que dispensa o símbolo da transgenia em rótulos de produtos, com quantidade inferior a 1% de sua composição final.  Ao mesmo tempo, a proposta mantém regra do atual decreto que permite o uso da rotulagem “livre de transgênicos”.

Vale fazer uma retrospectiva e observar que a Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT) do Senado rejeitou, em outubro passado, a retirada do rótulo em qualquer circunstância. Como será o procedimento da Casa agora com relação a esta pauta? O projeto, sob relatoria do senado Ronaldo Caiado (DEM), seguiu em março, para a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária da Casa.

É preciso mais transparência e clareza sobre estes processos para a sociedade, como também uma fiscalização mais rigorosa. Temos o direito de saber se o que nos comercializam para consumo tem ou não agrotóxicos ou é transgênico, para podermos optar ou não. Temos de reavivar sempre a “Primavera Silenciosa”, da bióloga Rachel Carson, de 1962, e exigir que estudos técnicos e científicos sejam permanentes e nos deem respostas mais concretas que façam que o setor público não titubeie perante a força e pressão do mercado e invista em pesquisas para alternativas não agressivas à saúde ecossistêmica.

Sucena Shkrada Resk é jornalista, formada há 24 anos, pela PUC-SP, com especializações lato sensu em Meio Ambiente e Sociedade e em Política Internacional, pela FESPSP, e autora do Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk (http://www.cidadaosdomundo.webnode.com), desde 2007, voltado às áreas de cidadania, socioambientalismo e sustentabilidade.

 

in EcoDebate, 15/04/2016

[cite]

 

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6 thoughts on “Agrotóxicos-transgênicos: um rolo compressor está sendo passado sobre o direito do consumidor, artigo de Sucena Shkrada Resk

  • Cara Sucena, concordo com você em um ponto: trocar o nome de agrotóxico por produto fitossanitário é ruim à percepção pública e a do trabalhador rural quanto aos riscos destes produtos. Mas tenho que discordar de outros pontos.
    Primeiramente, não creio que haja descaso quanto aos riscos dos agrotóxicos. Nossa legislação é bastante rigorosa e tem havido cada vez mais fiscalização e avaliação. O PARA é um exemplo. O Sinitox (www.fiocruz.br/sinitox/) é outra iniciativa louvável. Há também um crescente número de pesquisas sobre agrotóxicos e saúde humana, assim como agrotóxicos e saúde ambiental.
    Em segundo lugar, embora os agrotóxicos e os transgênicos sejam frequentemente citados como uma dupla de problemas, isso não é verdadeiro: esta associação foi feita pelos que militam contra a biotecnologia uma vez que suas previsões de desgraças ambientais ou de saúde causadas pelos transgênicos nunca se cumpriram, passados 20 anos de uso de plantas e alimentos transgênicos no Mundo. A associação demoniza os transgênicos, mas é preciso cautela, serenidade e ciência para entende-la.
    As plantas transgênicas resistentes a insetos (há milho, soja e algodão resistentes a uma porção de pragas) evidentemente DIMINUEM o uso de inseticidas, que estão entre os agrotóxicos mais perigosos. Já as plantas tolerantes a herbicidas só mudam o manejo do plantio em diante. No pré-plantio nada muda. Os cálculos disponíveis mostram que o uso dos agrotóxicos para os quais elas são tolerantes aumentam, quando muito, em 5%. Quanto a todos os outros agrotóxicos usados na agricultura (e são muitíssimos), os transgênicos não têm nada a ver com isso. Na verdade, a maior parte da agricultura e da pecuária (em área e volume produzido) não é transgênica e usa, toda ela, agrotóxicos.
    Sobre esta correlação (ou sobre a falta dela), sugiro a leitura de http://genpeace.blogspot.com.br/2015/08/desmascarando-ligacao-entre-aumento-do.htmle também de http://genpeace.blogspot.com.br/2015/08/agrotoxicos-e-transgenicos-sinopse-de.html, que trazem muita informação ao leitor.
    Devo lembrar também que o PARA, que você corretamente aponta como uma fonte importante, mostra que os vegetais que contêm agrotóxicos não permitidos para aquele cultivo ou acima da dosagem aceitável são todos legumes, frutas e verduras, nenhum deles transgênico, e a maior parte proveniente de pequenos agricultores. As causas disso são bem conhecidas.
    Por fim, gostaria de salientar que, apesar da grande e justificada preocupação com as contaminações alimentares devidas a agrotóxicos, o Sinitox indica que o número delas é bem pequeno, geralmente não ultrapassando 15 por ano. Está certo que deve haver uma subnotificação muito grande. Se for de 100 X, seriam 1500 casos, que é ao menos uma ordem de grandeza menor do que as intoxicações com combustíveis ou com produtos de limpeza ou com gases, etc. Entendo que a intoxicação crônica pode ser um perigo, mas não há estudos que mostrem isso e, ao menos no Brasil, o rastreamento de fontes de alimento em grupos humanos é muito difícil, se não impossível, sobretudo se a preocupação é com a origem do alimento. Também entendo o sofrimento de 2500 trabalhadores por ano (e de seus familiares) que se intoxicam com agrotóxicos (agrícolas ou outros) todos os anos e sou solidário com igual número de famílias que tiveram um membro que tentou suicídio com agrotóxico. Mas nenhum dos dois números implica na abolição dos agrotóxicos no país, embora indiquem nos dois casos, que deve haver melhor controle do uso e da venda.
    Em resumo, os agrotóxicos têm impacto ambiental e na saúde, mas não acho que sejam um bicho de sete cabeças. E estou certo de que o aumento de 10X no uso dos agrotóxicos nos últimos 10 anos não tem relação com o crescimento muito maior (100X) do plantio de transgênicos. A relação é com a intensificação da atividade agropecuária como um todo, já que toda ela usa agrotóxicos, seja transgênica ou não, seja grande ou pequena.
    Cordiais saudações

  • Não nos enganam mais. E ainda tem o caso da morte das abelhas..

  • Se fosse assim como disse Paulo, não seria necessário disfarçar rótulos e manipular a opinião pública sobre os usos e suas consequências.

  • O tema é complexo. Sob o ponto de vista do consumidor, ninguém quer agrotóxicos, por razões óbvias. Entretanto, não se pode demonizar o produtor por usá-lo, desde que o faça dentro das legalidade: registro, dose, período de carência, proteção individual etc. Até que tenhamos como substituí-los totalmente nos sistemas de produção, que é um sonho de todos, faremos grandes avanços se conseguirmos eliminar os mais tóxicos e cuidarmos para que as boas práticas de cultivo sejam adotadas em especial pelos pequenos produtores, de modo a reduzir sua dependência e seu mau uso. Enquanto isso a pesquisa, a assistência técnica e fiscalização têm que atuar de modo que não fiquemos somente em discursos bonitos, porém sem soluções.

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