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Artigo

Sobrevivência ameaçada por um crescimento sem ‘travas’, por Maria Teresa Viana de Freitas Corujo e Paulo Baptista

crise no modelo de desenvolvimento

[EcoDebate] Causa-nos surpresa e profunda preocupação – na verdade, mais preocupação do que surpresa – o artigo assinado pelo Sr. Olavo Machado, presidente da Federação das Indústrias de Minas Gerais, veiculado na coluna de Opinião do Estado de Minas (“Crescimento travado“, 8 de abril de 2015).

À revelia dos direitos fundamentais expressos nas Constituições Brasileira e Mineira, resultado de longa e árdua caminhada, o representante do setor que integra não somente as indústrias de transformação, mas também as de extrativismo mineral, questiona a legitimidade da participação popular no licenciamento ambiental e a pertinência da participação do Ministério Público nesse processo. Professa uma visão de que os procedimentos legais de licenciamento ambiental em Minas seriam um entrave ao desenvolvimento econômico e social do Estado, considerando tais salvaguardas como de excepcional burocracia e retrógradas em relação a outros Estados, onde as licenças são concedidas pelo “governo”, e não por “imensos colegiados que contam com a participação da sociedade civil, setor empresarial e poder público”, nos dizeres do artigo.

De fato, em Minas é diferente. Mas será ruim?

Será que “precisamos caminhar” em direção a um crescimento econômico a todo custo? Não será preferível nos orientarmos para um novo modelo de crescimento verdadeiramente sustentável ao contrário do sistema econômico predatório, desenfreado e “sem travas” que nos trouxe à situação atual, de extrema gravidade, onde a nossa sobrevivência – inclusive a do setor empresarial – e a das gerações futuras está ameaçada?

O que o artigo não comenta é que Minas Gerais tem sido, desde a sua origem, refém da atividade mineradora, que demanda e, ao mesmo tempo, impacta gravemente sua água, problema este que não pode ser varrido para debaixo do tapete. As áreas de recarga e os mananciais necessários ao abastecimento da população e também à manutenção da economia mineira vêm sendo drasticamente destruídos, devastados ou poluídos, principalmente nos últimos 50 anos. Atividades econômicas como a mineração e a agricultura extensiva estão na lista dos principais responsáveis. O mercado mundial de minério de ferro, atualmente em baixa, tem refreado os pesados investimentos requeridos para novas lavras. Mas isso em nada parece afetar o interesse minerador na obtenção de novos licenciamentos, que se constituem em ativos para as empresas, a serem vendidos a terceiros ou explorados futuramente em circunstâncias mais oportunas.

Vivemos uma grave crise climática, que tende a se agravar, com reflexos diretos no regime de chuvas. Também estamos diante de uma grave crise hídrica, finalmente assumida por diversos setores, inclusive o IGAM, que declarou situação de escassez na Região Metropolitana de Belo Horizonte, e a própria Fiemg, que assinou um Pacto pelas Águas com o Governador Pimentel.

A crise da água pode vir a provocar forte oposição popular à destruição, pela mineração, de aquíferos, áreas de recarga e mananciais e isso poderá ter reflexos significativos nos rumos do extrativismo mineral em Minas. É bastante provável também que a crescente ameaça à segurança hídrica de toda a população metropolitana de Belo Horizonte nos meses de escassez que estão por vir crie desconforto maior do que o de uma simples crise sazonal na condução dos negócios – e da política – em nosso Estado. 

Provavelmente por isso seja importante e urgente, para a indústria, apressar os licenciamentos enquanto os parâmetros para sua concessão não são questionados pela opinião pública, à luz das relações deletérias entre mineração e água para abastecimento humano e dessedentação de animais, como rege a legislação em casos de escassez. Talvez por isso também, o artigo do Sr. Olavo Machado começa elogiando a criação pelo governador Fernando Pimentel, através do Decreto nº 46.733, em 30 de março deste ano, de uma força-tarefa para “destravar o processo de licenciamento ambiental no estado para a realização de atividades econômicas”, que muito preocupa ambientalistas e movimentos sociais.

Na iminência do agravamento da crise hídrica e de um racionamento que afetará a vida – e a economia – de uma grande parcela da população do Estado, a pior solução para este problema é não o resolver. Assim, medidas extraordinárias precisam ser envidadas de modo a se protegerem os mananciais que restam e restringir o consumo de água. E, nesse contexto, não ceder às pressões por um crescimento a qualquer custo pode ser a única solução possível.

Num cenário em que a qualidade ambiental e hídrica da chamada “caixa d´água” do Brasil está sob ameaça, há que, necessariamente, redirecionar o rumo do crescimento econômico – e ainda há tempo para isso – para um modelo mais justo e estável sem a predação imediatista dos recursos naturais.

E, sem dúvida, há que se questionar o quanto a visão do representante da Fiemg – para além de desconsiderar a sociedade e a construção democrática dos direitos ambientais – tem sustentação em seus próprios fundamentos, pois nenhuma atividade econômica em si poderá prosperar em um cenário de crescente escassez hídrica, por menos “travados” que estejam os licenciamentos ambientais.

Maria Teresa Viana de Freitas Corujo (Educadora Ambiental)
Paulo Baptista (Professor Universitário)

Publicado no Portal EcoDebate, 24/04/2015

[cite]


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2 thoughts on “Sobrevivência ameaçada por um crescimento sem ‘travas’, por Maria Teresa Viana de Freitas Corujo e Paulo Baptista

  • Maria Teresa Corujo (Teca)

    Agradecemos a publicação do nosso artigo.

  • Ótimo artigo!
    “Num cenário em que a qualidade ambiental e hídrica da chamada “caixa d´água” do Brasil está sob ameaça, há que, necessariamente, redirecionar o rumo do crescimento econômico – e ainda há tempo para isso – para um modelo mais justo e estável sem a predação imediatista dos recursos naturais.”

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