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Artigo

Exploração da boa vontade, artigo de Bruno Peron

 

tráfico humano

 

No começo das celebrações da Copa no Brasil, uma das imagens que o campo de busca do Google publicou foi a de um amontoado de habitações precárias, com cabos de eletricidade pendurados irregularmente em todo lugar, e uma bola de futebol que ricocheteava entre os poucos espaços. De fato, esta é a imagem do Brasil que percorre o mundo. Com mais de duzentos milhões de habitantes, temos excesso de pessoas que vivem em situações vulneráveis.

Não é à toa que um dos problemas que persistem nos tempos atuais é a exploração dos órgãos, do sexo e do trabalho. Assim narrou a telenovela Salve Jorge, que mostrou o tráfico de mulheres brasileiras para atividades sexuais na Turquia. No entanto, o problema não é uma ficção, mas aflige crianças, adolescentes, mulheres e homens desinstruídos que caem em armadilhas.

Por causa de milhões de pessoas que não têm renda nem instrução suficientes para sobreviver no Brasil, exploradores abusam da boa vontade e das falhas burocráticas. Algumas vezes, o Brasil consente com certas práticas que têm o risco de incidir em crimes de tráfico humano. Ofereço dois exemplos: um é a formalização da prostituição nalgumas cidades-sede da Copa; e outro é a concessão de vistos de trabalho a imigrantes haitianos, alguns dos quais receberão R$ 900 para trabalhar em indústrias sem que tenham os direitos trabalhistas de um cidadão brasileiro.

Alguns casos de tráfico de pessoas são um desrespeito explícito à integridade humana, apesar de que muitas delas concordem com as condições degradantes em que se realizam suas atividades e seus trabalhos. Assim, nem tudo se caracteriza como trabalho escravo; por exemplo, os bolivianos que confeccionam tecidos em São Paulo capital e os migrantes que cortam cana nas glebas do interior do estado. Além disso, há várias práticas que se poderiam enquadrar como tráfico de pessoas, mas que a legislação brasileira não as prevê nem tem condições de puni-las. Uma delas é o convite a crianças do sexo masculino para que saiam do país em busca do sonho de ser grandes jogadores de futebol. Mas logo eles se dão conta de que caíram numa cilada.

Não demorou muito para que o Departamento de Estado norte-americano divulgasse um relatório em junho de 2014 sobre o tráfico de pessoas em vários países. O redator deste relatório recomenda ao Brasil que intensifique seus trabalhos para coibir o tráfico de pessoas, e reconhece que o trabalho escravo tem ocorrido mais em áreas urbanas que rurais. Uma pressão ou outra é sempre bem-vinda quando ela converge com os interesses do Brasil.

Apesar disso, é importante frisar que o governo brasileiro não tem medido esforços para reduzir o tráfico de pessoas tanto dentro como fora de seus limites territoriais. Uma das provas é que o Brasil ratificou o Protocolo de Palermo em 2004. Este é um tratado internacional que entrou em vigor em 2003 e prevê medidas contra o tráfico de pessoas. Dez anos mais tarde, no fim de maio de 2014, o Senado aprovou a Proposta de Emenda Constitucional do Trabalho Escravo, que prevê a expropriação de imóveis onde se denuncie e se comprove que houve este tipo de crime.

É preciso fazer campanhas nos meios de comunicação e em âmbito internacional com apoio de várias entidades de atuação comunitária e social no Brasil. Precisamos solidarizar-nos com nossos compatriotas em vez de tolerar as brechas do sistema através das quais se exploram órgãos e mão-de-obra. Façamos do Brasil uma grande escola onde todos sejamos colegas que temos muitas afinidades e problemas em comum. Para sanar estas dificuldades, nada melhor que estender uma mão amiga aos que passam por dificuldades e correm riscos no Brasil.

Você, leitor, não é somente passivo diante do televisor e do smart phone.

Antes de virar esta página, enalteça o Brasil e vibre contra a impunidade.

* Colaboração de Bruno Peron Loureiro, mestre em Estudos Latino-americanos pela Universidade Nacional Autónoma do México (UNAM), para o EcoDebate, 15/07/2014

EcoDebate, 23/07/2014


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One thought on “Exploração da boa vontade, artigo de Bruno Peron

  • E o pior é que as próprias vítimas do tráfico, enquanto não descobrem no que se meteram, por vezes defendem o traficante fervorosamente.

    No tráfico internacional isso é um problema. Lembro que uma vez estava fazendo plantão como Perita no Aeroporto (não é minha área mas estava cobrindo as férias de um colega), e um dos colegas agentes identificou um sujeito que já estava no sistema como traficante de pessoas na fila de embarque de um vôo para os EUA junto com um menor de idade.

    Prenderam o sujeito, descobriram que o menor de idade não era parente dele, acharam o passaporte real do moleque no sistema, e o sujeito confessou que estava levando o menino para os EUA.

    O menino, por sua vez, estava revoltado (inclusive, quando o suspeito foi preso, o menino tentou fugir dos policiais). Achava que estávamos estragando a chance da vida dele. Que ele ia imigrar para os EUA e tudo iria ser felicidade e arco-íris. Chegou a comentar que tinha pago pela viagem, tinha vendido o seu cavalo para conseguir embarcar. Estava plenamente convencido de que estávamos só estragando suas expectativas.

    Mesmo quando um dos agentes comentou que o traficante estava já com mandato expedido por traficar pessoas para fins sexuais, o menino (14 anos) ainda respondeu que não, era impossível, porque afinal de contas, ele não era mulher >_< . Mas acho que depois de alguns minutos caiu a ficha (se bem que não sei se algum dia caiu a ficha completamente), pois ele passou a cooperar conosco e nos deu o telefone de seus pais para chamá-los.

    Se o agente não fosse experiente e tivesse bem decorado na memória os rostos de quem não pode passar pela fronteira, o menino só teria descoberto em que zica estava quando já estivesse no exterior, sem seu passaporte real (ele estava embarcando com um passaporte falso), sem nenhum contato, falando mal inglês e… bem, não precisa explicar mais, né? Pior, precisa: os pais SABIAM que o moleque estava indo, e confiavam no traficante porque o filho da vizinha do tio (pegaram a idéia) de um deles tinha dito que o sujeito era gente boa, e mandado um cartão postal dos EUA dizendo que estava tudo ótimo.

    O menino era de classe média, olhos verdes, a família tinha dinheiro o suficiente para que ele tivesse tido um cavalo de raça. Provavelmente ele nunca pensou (nem seus pais) que pudesse ser vítima de algum crime sério em sua vida, nunca pensou que alguma coisa assim pudesse existir. E isso é uma das coisas das quais os traficantes de pessoas se aproveitam. Do quanto as pessoas confiam que "tudo está certo" até que não esteja.

    Note também que:
    "Assim, nem tudo se caracteriza como trabalho escravo; por exemplo, os bolivianos que confeccionam tecidos em São Paulo capital e os migrantes que cortam cana nas glebas do interior do estado."

    Tem casos e casos. Tem MUITO caso de trabalho escravo de bolivianos que confeccionam tecido em Sampa, com passaportes sendo retidos pelos empregadores, casas trancadas para que não possam sair, às vezes, até presos com correntes. Esses são escravos (só reterem os passaportes já é uma boa dica). Existem casos em que os bolivianos são imigrantes "ilegais" (não que isso seja o mesmo aqui que nos EUA), sem vistos de trabalho, mas estão com seus passaportes, recebem (mesmo que pouco) pelo seu trabalho sem serem cobrados por dívidas impossíveis de pagar, etc. Aí nesses não são escravos.

    No caso de migrantes que cortam cana, o mesmo.

    Pelo mesmo motivo que o menino. Ele tinha concordado em ir com o traficante, e tinha até pago por sua própria viagem. Quando fosse forçado a se prostituir nos EUA, provavelmente com uso de violência, não seria escravo? É claro que seria.

    Do mesmo modo, o trabalhador pode ter concordado em se sujeitar a um emprego ruim. Mas se ele não tiver a escolha de DEIXAR o emprego ruim, a qualquer momento que queira, ele é um escravo.

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