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Trabalho voluntário na Copa? artigo de Mary Cohen

 

Voluntários. Foto: Portal da Copa
Voluntários. Foto: Portal da Copa

 

[Amazônia Real]  Assim prescreve o artigo no. 29 na Lei Geral da Copa:

O poder público poderá adotar providências visando à celebração de acordos com a FIFA, com vistas à:

I – divulgação, nos Eventos:

(….)

b) de campanha pelo trabalho decente;”

Não obstante esse compromisso, as entidades ligadas à FIFA e até o governo federal, decidiram utilizar a lei do trabalho voluntário para execução de vários serviços durante a Copa, sem que os direitos trabalhistas fossem observados de forma a garantir a proteção à dignidade humana.

Divorciado do que reza a legislação brasileira acerca do trabalho voluntário e diferente do compromisso firmado e dos fundamentos de proteção ao trabalhador, a proposta do trabalho voluntário institucionaliza a precarização do trabalho, se aproveitando, por um lado, da necessidade do trabalhador e do outro o benefício desmedido ao poder econômico.

Segundo a OIT – Organização Internacional do Trabalho, a conceituação de trabalho decente difundido é justamente para impedir a execução de trabalho sem as garantias trabalhistas.

Temos, no Brasil, a Lei n. 9.608/98, que permite o trabalho voluntário sem a garantia dos direitos trabalhistas, mas com algumas condições, e assim preconiza:

Art. 1º Considera-se serviço voluntário, para fins desta Lei, a atividade não remunerada, prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza, ou a instituição privada de fins não lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social, inclusive mutualidade.

É risível considerar a FIFA uma entidade sem fins lucrativos, mais ainda os serviços necessários à prática do futebol durante a Copa do Mundo, posto que se trata de um evento extremamente lucrativo, gerando muitos e muitos milhões de dólares para a própria FIFA, entidade que vive atolada em denúncias de corrupção.

Veja o que a FIFA divulga em seu sítio oficial sobre o trabalho voluntário (perguntas e respostas):

12 – O que eu vou receber por trabalhar na Copa do Mundo da FIFA e nos seus eventos auxiliares?

·     O trabalho voluntário é por natureza um trabalho sem remuneração. Por conta disso, não haverá pagamento de nenhum tipo de salário ou ajuda de custo para hospedagem. Porém, visando não gerar ônus, o COL e a FIFA irão fornecer os uniformes, um auxílio para o deslocamento até o local de trabalho (dentro da sede) e alimentação durante o período em que estiver atuando como voluntário.

13 – Qual a duração do turno diário de trabalho voluntário?

·     O turno diário de trabalho voluntário durará até 10 horas.

14 – Por quanto tempo preciso estar disponível para o evento?

·    É necessário ter disponibilidade de pelo menos 20 dias corridos na época dos eventos.

16 – Eu não moro em nenhuma das sedes da Copa do Mundo da FIFA. Vou poder participar?

·     A inscrição online pode ser feita de qualquer local, mas é importante que as pessoas saibam que terão de estar disponíveis para o trabalho no período determinado e na cidade na qual forem alocados/escolherem, sabendo que o COL não proverá nenhum tipo de auxílio para a hospedagem.

18 – Os voluntários poderão assistir aos jogos?

  • Não serão disponibilizados assentos para os voluntários. Alguns poderão estar trabalhando nas arquibancadas ou em áreas com visibilidade para o campo, mas é importante lembrar que estarão trabalhando e, por isso, não deverão ter tempo para assistir aos jogos. Nos intervalos do seu horário de trabalho, no entanto, poderão ir ao Centro de Voluntários, onde poderão assistir por alguns momentos a alguma partida que esteja sendo transmitida.

Veja que, para uma jornada de 10 (dez) horas diárias e em pé, “não serão disponibilizados assentos para os voluntários”, e será tão pesado que não sobrará tempo para que os “voluntários” possam assistir os jogos, mesmo que estejam em área com visibilidade para os jogos, desenvolvido durante “pelo menos 20 (vinte) dias corridos”.

Em contrapartida a FIFA, oferece, “uniformes, um auxílio para o deslocamento até o local de trabalho (dentro da sede) e alimentação durante o período em que estiver atuando como voluntário”, uma esmola que merece toda gratidão, por certo. E ainda, com alguma sorte, poderão assistir, pela televisão, algum pedacinho do jogo nos intervalos do exaustivo trabalho.

Inacreditável é a posição do governo brasileiro diante dessa agressão aos direitos fundamentais e de proteção ao trabalhador, tendo declarado que pretende ampliar o número de “voluntários” e utilizar mais 18 mil, além dos 15 que a FIFA está recrutando.

Dai se conclui que, a pelo menos 33 mil pessoas (brasileiras ou não), serão negados os direitos constitucionais previstos em nossa Carta Maior, os quais ficarão, durante a Copa do Mundo, em situação análoga a de escravos.

Espero, sinceramente, que o Ministério Público do Trabalho e o Poder Judiciário façam alguma coisa para impedir esse assalto aos direitos consagrados em nosso ordenamento jurídico, abrindo um precedente perigoso na escalada da redução de direitos.

 

Mary Cohen é advogada e exerceu de 2003 a 2009 a Comissão de Direitos Humanos da Ordem de Advogados do Brasil Seccional Pará. Junto às Promotorias e Assistentes de Acusação, em parceria com a CPT (Comissão Pastoral da Terra), atuou no julgamento do assassinato da missionária Dorothy Mae Stang. Ganhou o  Prêmio João Canuto de Direitos Humanos, no Rio de Janeiro, em novembro de 2011.

 

Artigo originalmente publicado no portal Amazônia Real e reproduzido pelo EcoDebate, 29/04/2014


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6 thoughts on “Trabalho voluntário na Copa? artigo de Mary Cohen

  • Só um país sem governantes sérios admitiria a FIFA mandar e dominar, impor leis de goela abaixo contra o povo impondo venda de Budweiser e outras porcarias da FIFA num raio de 10 Km ao redor das arenas. E o povo aceita isso!
    Eu gostaria que tivesse Greve Geral no país com todos os rodoviários, aeroportuários e de mais segmentos exceto os serviços de saúde com todo mundo em casa deixando a FIFA e o Governo brasileiro se virarem com a COPA. Garanto que este shock é necessário e funciuona!

  • João Alberto de Lima Nassif

    Dra.Mary voluntário hoje profissional amanhã
    Voluntário treina relacionamento com pessoas estranhas
    Voluntário treina idioma
    Voluntário faz contatos para o futuro profissional
    Vagas são limitadas pq a procura é enorme

    Eu comecei min ha carreira profissional como voluntário
    Fui cineasta durante 40 anos
    Só tenho que agradecer quem me deu a oportunidade de ser voluntário

  • A situação a que o (des)governo brasileiro está submetendo nosso povo é muito mais do que vergonhosa: é vexatória! O voluntariado, salvo nas situações de trabalho a instituições sabidamente filantrópicas, nada mais é do que uma forma de explorar a boa fé dos que se dispõem a tanto. No caso da FIFA é muito pior e mais lamentável ainda ver brasileiros se submeterem dessa forma. Leis absurdas foram editadas e sancionadas até no sentido de tirarem de tradicionais vendedores ambulantes os seus pontos de trabalho em função dos lucros dos cartolas da FIFA. Chegam ao disparate de tipificarem crimes contra a FIFA, inclusive com previsão de pena para quem infringir interesses econômicos e financeiros da entidade internacional. E todos os nossos “representantes” políticos se mantêm mudos e calados, como bons cabritinhos. E o mais estranho, mais triste e vergonhoso, é ver brasileiros preocupados com os jogos de futebol que irão abrilhantar os ganhos e o sucesso dos sanguessugas internacionais. Seremos, depois da COPA, como os Sulafricanos, que pagam caro o pós Copa de 2010. Pobres brasileiros tolos!!!

  • Celso Pinheiro

    antes de mais nada:

    vo·lun·tá·ri·o
    adjectivo
    1. Que se faz de boa vontade e sem constrangimento.
    2. Amigo de fazer a sua vontade; caprichoso.
    3. Que faz parte de uma corporação por mera vontade e sem interesse.
    substantivo masculino
    4. Mancebo que assenta praça e que serve voluntariamente.
    5. Estudante que se matricula numa aula oficial em condições diferentes das dos alunos ordinários.

    “voluntário”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/volunt%C3%A1rio [consultado em 30-04-2014].

    sobre a jornada, o autor não percebeu que a jornada admitida a qualquer trabalhador é de 8 horas com 2 horas adicionais máximas… que na minha supercalculadora resultou em 10 horas diárias.

    será que o autor esperava que se pagasse por trabalho VOLUNTÁRIO?

    mas aí não seria voluntario, né….

    de qualquer forma, alguém foi obrigado a voluntariar?

  • Tudo se resolverá. Será???????????????????????????????????

  • Não estamos a desmerecer o trabalho voluntário, mas temos de convir que o perfil dessa espécie de labor em nada se encaixa com a realidade econômico-financeira da FIFA!!! São inúmeros os questionamentos a serem feitos, mas penso que Mary Cohen abordou muito bem os principais deles, especialmente o completo esquecimento da dignidade humana do trabalhador e a posição omissa do Governo Brasileiro. Parabéns pela iniciativa!!

Fechado para comentários.