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Os caminhos das águas, sem tantos atropelos, artigo de Washington Novaes

 

água

 

[O Estado de S.Paulo] O noticiário da primeira quinzena de fevereiro foi dominado pelas notícias de apagões e suas ameaças, racionamentos e desabastecimentos de água, crises da matriz energética, etc. O racionamento já estava em quase 150 cidades, onde vivem mais de 6 milhões de pessoas. O uso médio de água ficava de 15% a 20% acima da média habitual de 150 litros diários por pessoa. O nível dos reservatórios do Sudeste e do Centro-Oeste, abaixo da média do ano do racionamento, 2001. A questão da matriz energética já foi tratada em artigos anteriores – não é caso de retornar. Melhor tentar ver com que caminhos poderão ser enfrentadas de imediato as ameaças na área do fornecimento de água à população.

É preciso começar pela questão das perdas de água por vazamentos e furos nas nossas redes públicas, que estão próximas de 40% do total que passa pelos condutos (Estado, 20/3/2013) – o que é uma calamidade difícil de compreender, quanto mais de aceitar, no momento em que 7% da população nacional (mais de 15 milhões de pessoas) nem sequer recebe água tratada em casa. E 44% (mais de 80 milhões) não têm suas residências ligadas a redes de esgotos – uma das causas principais da degradação de ambientes urbanos e das águas onde caem esses esgotos, junto com os que, coletados, não são tratados e têm o mesmo destino. Para universalizar as redes de esgotos e de água em todo o País, dizem os diagnósticos, precisaremos de mais de R$ 300 bilhões em 20 anos. Mas estamos aplicando uma ninharia, diante da necessidade. Mesmo sendo possível caminhar com tecnologias muito mais baratas, como a do sistema de coleta de esgotos por ramais condominiais, mais de uma vez comentada neste espaço (hoje atende a 15 milhões de pessoas e levou Brasília a ser uma cidade com praticamente todos os seus esgotos coletados).

Mas é difícil até imaginar que quase 40% da água levada a mais de 180 milhões de brasileiros (uso médio de 150 litros diários por pessoa, repita-se) se perde nas redes, antes de chegar a seu destino (o Japão perde menos 5%). E as causas são vazamentos e furos em redes antigas e/ou sem manutenção. Custaria algumas vezes menos reparar essas redes, mas em geral as administrações optam por obras novas (reservatórios, adutoras, estações de tratamento), mais visíveis, mais rentáveis eleitoralmente e preferidas pelas grandes empreiteiras, as maiores financiadoras das campanhas. A cidade de São Paulo, que, segundo a Sabesp, reduziu suas perdas para 25,6% da água distribuída, baixou seu prejuízo em R$ 275,8 milhões por ano (há números menos favoráveis, publicados na edição de 18/2). Esse deveria ser um dos temas centrais das campanhas eleitorais, pois os eleitores é que pagam. E eles precisam saber que já existem equipamentos eletrônicos que detectam com precisão onde há furos e vazamentos e facilitam e apressam os reparos. Também precisam pressionar para que a rede de financiamentos, principalmente federal, que praticamente não atua nesse segmento das reparações, passe a fazê-lo. Hoje, como os reparos nas redes não são prioritários, é preciso buscar água cada vez mais longe em todos os lugares, a altíssimos custos e tendo de enfrentar a disputa entre municípios.

Da mesma forma, é preciso enfrentar a questão do uso das águas subterrâneas, inclusive no Município de São Paulo. Boa parte do uso é feito sem licença e sem fiscalização – ameaçando os aquíferos. Já há cidades, como Ribeirão Preto – mais de 500 mil habitantes -, que não usam um só litro de água superficial, por causa da poluição. Ou Manaus, cercada por dois dos maiores rios do País – o Negro e o Solimões.

E que se pode dizer de uma megalópole como São Paulo, com tais problemas de abastecimento, ter de conviver com a impossibilidade de usar a água de rios como o Tietê e o Pinheiros, assoreados e poluídos? Na infância, o autor destas linhas chegou a assistir a uma “Travessia de São Paulo a nado no Rio Tietê”; hoje os competidores correriam riscos altíssimos com a poluição.

Como aceitar também o assoreamento impedindo o uso desses rios como via de transporte? Ou o fato de centenas de milhares de pessoas viverem em áreas de preservação, à beira de reservatórios de abastecimento, em casas sem estrutura sanitária? Ou, ainda, que não se cumpra a legislação que obriga, em muitos municípios, a manter, em cada imóvel, principalmente industriais e comerciais, espaços para a infiltração de água de chuva (impedindo inundações) e manutenção de depósitos que permitam o reúso dessa água, como lembra o projetista Jack Sickermann – acentuando a responsabilidade de arquitetos e engenheiros e lembrando que o retorno dos investimentos é cada vez mais rápido, assim como o custo é gradativamente menor?

Da mesma forma, como entender que não se dê prioridade a projetos para a adequação do sistema de drenagem urbana nas cidades, onde, insuficientes e desgastados, contribuem para inundações – em vez de serem integrados em grandes sistemas de reúso da água para fins compatíveis?

Também é preciso dar prioridade à questão do uso de água em pivôs centrais na zona rural, com grande parte deles perdendo (com a aspersão a grandes alturas) boa quantidade do que capta. Essa perda não repõe todo o líquido no subsolo por causa da evaporação e da compactação da superfície do solo. E ainda contribui para levar altos volumes de nitrogênio para os rios e o mar, onde contribuem para a multiplicação de algas.

Enfim, há muitos caminhos a serem trilhados, que podem evitar tanto o desabastecimento como o racionamento, sem ter de recorrer necessariamente a obras caríssimas. E cabe à comunicação debater tudo isso com as comunidades. A estas cabe optar pelos caminhos mais adequados e menos caros que lhes apontem. Não é possível seguir por uma trilha em que as soluções pareçam impossíveis ou somente viáveis a custos estratosféricos. Pode haver custos adequados.

*Washington Novaes é jornalista. E-mail: wlrnovaes@uol.com.br.

Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo e reproduzido pelo EcoDebate, 24/02/2014


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