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Operação Concutare. O verde é um problema seu

 

Delegado da Unidade de Repressão a Desvios de Recursos Públicos da PF-RS, Tiago Machado e da Repressão a Crimes Ambientais e ao Patrimônio Público, Roger Soares Cardoso coordenador a Operação Concutare. | Foto: Bernardo Jardim Riberio/Sul21
Delegado da Unidade de Repressão a Desvios de Recursos Públicos da PF-RS, Tiago Machado e da Repressão a Crimes Ambientais e ao Patrimônio Público, Roger Soares Cardoso coordenador a Operação Concutare. | Foto: Bernardo Jardim Riberio/Sul21

 

De repente, falar em meio ambiente tornou-se ponto alto na agenda da semana. Uma investigação da Polícia Federal, cujo nome, Concutare (“concussão”), alude à obtenção de vantagens ilícitas, revelou um esquema de corrupção em torno de licenças ambientais. Do dia para a noite, o tema escanteado passou a centro das atenções. É quase sempre assim que a questão ambiental ganha força. Salvo raras exceções, é preciso que a árvore caia para a sociedade perceber que um dia ela esteve lá.

A reportagem é de Lara Ely e publicada pelo jornal Zero Hora, 04-05-2013.

O caso em questão traz a reflexão sobre o que torna as pessoas tão sensíveis ou indiferentes ao cuidado com a natureza. Fanatismo? Paixão? Ideologia? Oportunidade de mercado? Cientificismo? Não é de hoje que a pauta ambiental divide ardorosos e polêmicos embates mesmo entre os menos politizados. É como Gre-Nal: todo mundo tem uma posição. Mas por que a maioria, mesmo simpatizantes da causa, precisa de um estopim para se mobilizar pela defesa do verde?

“É impossível ser ecologicamente sustentável se a pessoa visa apenas ao enriquecimento próprio. O Estado é cheio de pessoas assim, que pensam apenas em si. Há muita retórica e pouco comprometimento prático. Só vai haver sustentabilidade ecológica se as pessoas se dispuserem a evoluir como seres humanos, e isso passa por uma reforma individual. Em geral, as pessoas não são educadas para estes valores humanos, e sim para valores competitivos”, diz o filósofo e ecologista Vicente Medaglia, da ONG Ingá Estudos Ambientais.

Essa crise de valores por parte dos cidadãos e dos gestores causa impactos de várias matizes. Do problema do trânsito congestionado à falta de estacionamentos. Do alagamento das ruas em dia de temporal às doenças respiratórias causadas pela poluição atmosférica. Passa também pela diminuição do verde e pelo aquecimento das metrópoles, pela verticalização das construções, pela falta de balneabilidade do rio, pelo gosto ruim da água, pelo lixo jogado no arroio, pela insegurança dos parques. E por aí segue uma longa lista de consequências que nascem do “não tenho nada a ver com isso” e acabam virando um angustiante “quem irá resolver?”.

O imediatismo e a falta de mobilização – a não ser diante de catástrofes – fazem o brasileiro negligenciar medidas preventivas. Na visão do biólogo e doutor em ecologia Paulo Brack, a sensibilidade das pessoas pode ter sido absorvida pelo consumo. Para ele, há um deslumbramento em relação ao crescimento econômico. Com a ascensão da classe C e a blindagem do Brasil à crise econômica, o país teve um aumento do consumo e o consequente agravamento dos problemas ambientais”.

O símbolo máximo desse quadro seria o automóvel, cuja aquisição foi facilitada pelo governo com a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

“Ficamos com as ruas abarrotadas de carros e mais poluição. O governo faz vista grossa para o que deveria estar em primeira mão”, diz Brack.

Na contramão dessa tendência, muitos gaúchos vêm tentando aplicar medidas efetivas. Os ciclistas, por exemplo, deixaram de esperar uma solução pronta, e estão pedalando por um mundo melhor, dando exemplo sobre mudanças de hábito. É dessa forma, com atitudes singelas, que Brack acredita na contribuição para um mundo mais sustentável. Embora não se fale muito, a questão ecológica toca também o aspecto humano. E o resgate de valores, segundo ele, faz parte de uma revolução interna, que a própria esquerda parece ter deixado de por em prática.

Inúmeras são as questões na atualidade que demonstram a falta de lugar da sustentabilidade na sociedade contemporânea. Ela é uma questão de todos e de ninguém. Falar a sério sobre água, biodiversidade, clima, energia, alimentos orgânicos, agricultura, qualidade do ar, poluição, preservação das espécies, é algo que as pessoas preferem não fazer no seu dia a dia.

“A questão ambiental é bonita nos comerciais de TV, no cinema ou nos livros. Quando sai do discurso e entra na prática, torna-se muito mais complexa. As pessoas gostam da natureza, mas quando vão para ela, não querem aquilo que ela proporciona”, observa Luis Felipe Nascimento, do programa de pós-graduação em administração da UFRGS.

Um dos fatores pelos quais muitos evitam se preocupar com o tema é a gratuidade dos recursos naturais. Na maior parte das vezes, o bem natural é público, e pode ser usado por todos. Por isso, explica Nascimento, muitos delegam para o Estado o cuidado com o verde. O problema é que dentro das estruturas do próprio Estado, o tema também é posto de lado.

“Invariavelmente, a área socioambiental é ignorada pelos governos – explica, acrescentando que é comum não se escalar as pessoas mais qualificadas ou aportar os recursos necessários para a pasta.

Nascimento espera que se tire uma lição das denúncias da Operação Concutare. Diferentemente do que aconteceu com a boate Kiss e suas 241 vítimas, em Santa Maria, ele deseja que não seja necessário chegar a piores consequências para que se adquira consciência sobre o cuidado com o planeta.

Nota: Sobre o mesmo tema sugerimos que leiam, também, as matérias:
[1] Secretários de meio ambiente são presos por fraudes em licenças ambientais no Rio Grande do Sul

[2] PF estima que até 50 pessoas podem responder por envolvimento com fraudes ambientais no Rio Grande do Sul

(Ecodebate, 06/05/2013) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]


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