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O impacto do mercúrio na saúde do brasileiro, artigo de Fabio Feldmann

 

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Consultor ambiental diz que projeto de lei para combater contaminação está parado há 25 anos no Congresso

[O Globo] Um dos grandes desafios contemporâneos é discutir a sinergia entre meio ambiente e saúde pública. A contaminação ambiental afeta seres humanos e animais. Na recente polêmica sobre a qualidade do diesel brasileiro, por exemplo, estudo publicado em 2012 na revista científica “Clinics” indicou que pelo menos 14 mil mortes devem ocorrer no Brasil até 2040 devido à inexistência de um diesel de qualidade. Este número é muitas vezes maior do que o de vítimas de tragédias aéreas, mas nem por isso capaz de mobilizar a opinião pública.

Mas existem muitos outros exemplos. Pesticidas que causam câncer, como chamou atenção Rachel Carson com seu livro “Primavera Silenciosa”, há 50 anos. Hepatite e outras doenças causadas por praias impróprias, alta mortalidade infantil por diarreias decorrentes da falta de saneamento básico, o asbesto cuja proibição depende de decisão do Supremo Tribunal Federal. Enfim, a lista é enorme. Mas há uma notícia boa neste cenário, a ONU, por meio do Pnuma, discute um tratado internacional sobre o mercúrio, a Convenção de Minamata. Uma avaliação do Pnuma de 2013 aponta que fontes antropogênicas respondem por 30% das emissões atmosféricas, o que exige ação incisiva.

O mercúrio é um metal pesado que se acumula na cadeia alimentar, com efeitos perversos à saúde humana, especialmente no desenvolvimento de fetos e crianças pequenas. Independentemente de onde é lançado, ele viaja por longas distâncias através dos oceanos e da atmosfera, chega a ser transportado de um continente a outro. Quando inalado na forma de vapor, danifica os sistemas imunológico e nervoso central, tireoide, rins, pulmões e olhos. Os sintomas incluem tremores, insônia, perda de memória, dores de cabeça, disfunção motora, distúrbios neurológicos e comportamentais. O caso mais emblemático é o da Baía de Minamata, no Japão, quando a contaminação por mercúrio chamou a atenção do mundo.

A exposição pode se dar através da ingestão de peixes, vegetais, passando pelo uso de alguns tipos cosméticos e produtos de higiene pessoal. Lâmpadas fluorescentes, tintas, baterias e termômetros, todos contêm mercúrio. Além disso, ele é utilizado como amálgama por dentistas e em processos industriais. Estamos diante de um problema que exige uma dramática intervenção do poder público, setor empresarial, sociedade civil e Academia.

No Brasil, o assunto tem sido negligenciado, a despeito dos riscos para as populações ribeirinhas da Amazônia em função da ampla utilização do produto nas atividades de garimpo lá realizadas. Estudo do prestigiado Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia indicou que os ribeirinhos do Rio Negro estão expostos ao mercúrio num nível superior ao tolerável pelo organismo humano.

No Congresso Nacional, inacreditavelmente, tramita há 25 anos o projeto de Lei n.º740/1988 que trata do controle do uso, da comercialização e da importação do mercúrio e cianeto em processos de extração de ouro, fundamentando-se nos prejuízos que estes causam à saúde humana, ao meio ambiente e à economia.

E os riscos no Brasil não se restringem à Amazônia. Em 2007, a Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP publicou estudo indicando que cerca de 50% do cação disponível comercialmente excede o nível de mercúrio permitido pela legislação brasileira. O que buscamos demonstrar é que a contaminação por mercúrio está no nosso cotidiano. Basta lembrar que o cação é muito utilizado para se fazer ceviche, hoje um dos pratos da culinária peruana mais apreciados e constante no cardápio de muitos restaurantes.

No Brasil, é preciso estabelecer programas de monitoramento do mercúrio nos alimentos e no abastecimento de água. E aprovar a lei que propõe o controle do uso, comercialização e importação do mercúrio em processos de extração de ouro, lembrando que as maiores vítimas são os garimpeiros. No plano internacional, a Convenção de Minamata sobre Mercúrio chega em bom momento e representa um passo importante na construção de uma cidadania planetária. Somos responsáveis pela nossa saúde e a da natureza.

Fabio Feldmann é consultor ambiental

Artigo originalmente publicado em O Globo e socializado pelo Jornal da Ciência / SBPC, JC e-mail 4674.

EcoDebate, 01/03/2013


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