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Os Três Murús: Um Caso de (Falta de) Saúde Indígena no Acre, por Roberta Graf

 

Povo Kaxinawá/Foto do Blog do Accioly, no blogue Racismo Ambiental
Povo Kaxinawá/Foto do Blog do Accioly, no blogue Racismo Ambiental

 

Caros(as) colegas, aqui vai um breve relato de uma história muito triste, e que exige providências das lideranças de saúde pública, e de saúde indígena no Acre.

Em maio deste ano, Manoel Mateus de Lima (Murú, na língua indígena), 25 anos de idade, da etnia Kaxinawá (Huni Kuin), após ter passado uma semana na Terra Indígena Igarapé do Caucho, próximo à cidade de Tarauacá, AC, na margem direita do Rio Murú, adoeceu gravemente, com sintomas parecidos com derrame (mas não era), foi internado na UTI do Pronto Socorro em Rio Branco já em coma, e por lá ficou cerca de uma semana, teve ligeira melhora, depois foi transferido para a Fundação Hospitalar, saiu do coma mas, após algumas convulsões em dias alternados, e ainda sem os movimentos de corpo nem a fala, morreu, em 28 de maio de 2012, com parada respiratória.

A doença? Provavelmentemeningo-encefalite viral. Não era meningite bacteriana, mas também não fizeram os testes dos vírus, que por sinal, tais testes inexistem aqui no estado. Mas é dever do sistema de saúde providenciar estes exames com urgência, a serem enviados para laboratórios de outros estados. Nossa suspeita de quem acompanhou o caso: certo grau de negligência médica. Pois faltava o remédio da convulsão, faltava antibiótico, esqueciam de dar medicação às vezes (segundo familiares que acompanharam de perto)… Nenhum médico abraçou a causa deste índio. No sistema de saúde pública (e às vezes, até no particular) passam turnos de revezamento curto de vários médicos diferentes, entre formados e residentes, que vêem dezenas de doentes por dia, por poucos minutos cada um. Quase nenhum infectologista passou por lá. A maioria destes médicos e residentes são de pouca idade e sem experiência na Amazônia – verdade seja dita, os melhores profissionais, em geral, não ficam na Amazônia, pois são mal pagos e não querem ficar longe de sua terra natal.

A doença, se tiver sido esta mesmo, é gravíssima, 70% dos doentes morrem, e os demais ficam com graves seqüelas, de motoras a mentais (ficam sem movimentos de pernas e braços, sem falar, com baixa atividade mental, etc).

Pois bem, outro caso praticamente idêntico: no dia 20 de agosto de 2012, morreu mais um índio desta mesma Terra Indígena, Valdir Perez Vieira, Murú também, 37 anos de idade, com os mesmos sintomas, tendo permanecido internado, primeiro no Pronto Socorro depois na Fundação Hospitalar, por 16 dias. Também não foi feito exame de qual vírus seria, nem tampouco de meningite. Foram feitos apelos neste sentido, através da minha pessoa, mas não deu certo, passou o tempo, a tomografia então acusou crânio vulnerável à colheita de amostras, nenhuma amostra foi colhida, e o doente morreu. Não se sabe do que ele morreu. Muito provavelmente, meningo-encefalite viral. Mas permanecemos em mistério, sem saber de fato, nos casos dos dois Murús relatados, que mal os fez morrer, afinal.

Qual a fonte: a suspeita maior é que seja de um arbo-vírus que às vezes ocorre na natureza, um parente do vírus da dengue, comum em áreas de desmatamento (desequilíbrio), e transmitido via pernilongo (carapanã) ou carrapatos (artópodes). Não existe tratamento específico para arbo-vírus (nem remédio, nem vacina), mas existem algumas espécies descritas na literatura, existe como aproximar uma medicação, e até uma vacina, em caso de epidemia. Mas podem também ser outros tipos de vírus (em raras possibilidades), como da herpes, da hepatite C, e até da gripe. Pairou inclusive a preocupação desta doença advir da (duvidosa) vacina da gripe que andam testando em humanos após a panacéia mal-explicada da “gripe suína”, da qual, aliás, os indígenas daqui foram dos primeiros a tomá-la (dos primeiros cobaias), por recomendação do Ministério da Saúde.

Há uma suspeita ainda mais remota de ameba, ou bactéria, de carne silvestre mal cozida, por exemplo, mas isto é praticamente impossível, aliás estes índios não têm comido carne de caçanem carne infectada, e eles possuem hábitos higiênicos e saudáveis – os conheço há tempos, só este ano estive lá por quatro vezes. Aliás, Murú Valdir, ironicamente, era agente de saúde desta Terra !! Eles não têm comido carne de caça porque está em escassez, porque esta Terra é altamente impactada, é pequena em território, é muito próxima da cidade, da BR-364 recém-pavimentada e de vários vizinhos fazendeiros desmatadores, e sofre caça ilegal de invasores, etc. Eles costumavam comer carne de boi e frango dos açougues da cidade, e algum pouco peixe que pescam no Rio Murú, extremamente impactado pela pesca predatória da piracema na cidade. Apesar dos problemas, essa Terra conta com um povo “ecologicamente guerreiro”, possuem diversas ações sócio-ambientais, por meio dos agentes ambientais voluntários formados e apoiados pelo IBAMA e agentes agro-florestais formados e apoiados pela Comissão Pró-Índio (CPI).

Pois bem, resta o grito urgente deste povo e de nós, seus amigos ambientalistas e indigenistas, para que a saúde pública e a saúde indígena melhorem urgentemente no Acre !!! Já imaginaram se todo aquele povo do Igarapé do Caucho, um povo de 700 pessoas unidas, saudáveis, extremamente organizadas, democráticas entre si, praticantes da cultura ancestral, estudadas (há alguns na pós-graduação e muitos formados) e numa Terra muito linda, preservada, e próspera, agora estiver a mercê da infecção de vírus desconhecidos? Que são transmitidos simplesmente com picada de carapanã? Que estão dando meningo-encefalite mortífera, ou com tanta seqüela que a pessoa fica vegetando a vida toda? Duas mortes em poucos meses, de índios adultos e saudáveis, não é coisa pouca…

Outro “detalhe”: os dois Murús mortos (Yushibu os tenha em bom lugar!) eram jovens, extremamente saudáveis e, inclusive, lideranças de seu povo, um era agente de saúde e outro, professor, bastante estimados. Eu conhecia ambos, já há mais de três anos, sou amiga da família de Manoel. Eu estava lá na Terra Indígena quando Valdir Murú saiu rebocado por um carro da FUNASA, no dia 04 de agosto. Quando o vi partir, meu coração bateu forte e, de lá pra cá, eu não dormi mais direito, por sentir que era a mesma doença mortífera do Murú Manoel…

Se estes dois jovens fortes e saudáveis, em pleno vigor físico, profissional e intelectual, foram infectados e tiveram morte rápida, imaginem (Deus-Yushibu nos livre) se este vírus pegar crianças e idosos !!

Agora não há mais o que fazer, não há como investigar os dois casos, os vírus. Aconselho a este povo indígena que capriche ao máximo na prevenção de picadas de carapanã (repelente, mosquiteiro, mangas e calças compridas) e de carrapatos (repelente, evitar andar no capim). E talvez solicitar alguma borrifação de “veneno da SUCAM”, destas que se faz em caso de epidemia de malária, por exemplo (cujo vetor também é a carapanã).

Mas principalmente, aconselho a eles, e a todos os lideranças indígenas do Acre, que cobrem muito, mas muito mais atenção à saúde pública, e à saúde indígena.

Os dois Murús se foram, mas há todo um Rio Murú a proteger – com várias aldeias, colônias, fazendas, ribeirinhos…

E torço para que o sistema de saúde pública melhore muito – há muito o que melhorar, ainda que “nosso governador seja médico”…

Agradeço pela atenção, Roberta Graf, outubro de 2012.

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Roberta Graf, Dra. em Gestão e Política Ambiental

IBAMA/Acre – Coord. Est. Prog. Agentes Ambientais Voluntários

email: roberta.graf@gmail.com / skype: roberta.graf

EcoDebate, 05/10/2012

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