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O pico do petróleo e o pico populacional, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

 

O pico do petróleo e o pico populacional, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

 

[EcoDebate] A população mundial era de 1,275 bilhão de habitantes em 1870, chegou ao redor de 1,6 bilhão em 1900 e passou para 7 bilhões em 2011. Um crescimento de 5,5 vezes, em menos de um século e meio. Foi o maior crescimento demográfico de toda evolução da vida humana na Terra. Porém, no mesmo período, a economia mundial (PIB) cresceu 51 vezes, segundo cálculos do eminente economista britânico Angus Maddison. Ou seja, nunca na história do Planeta houve um crescimento demográfico e econômico (demo-econômico) tão grande, propiciando, a despeito das desigualdades, uma significativa melhora no padrão de vida da população.

A esperança de vida média dos habitantes do globo que estava abaixo de 30 anos antes de 1900 subiu para 65 anos no ano 2000 e já está próxima de 70 anos. Houve melhoria das condições de moradia das pessoas, aumento do nível médio da educação, redução do analfabetismo e redução da jornada média de trabalho. O número de pessoas com acesso ao telefone (fixo e celular) e à luz elétrica passou de algo próximo do nada no século XIX para 6 bilhões em 2010. É cada vez maior o número de domicílios com a presença de geladeira, fogão, máquina de lavar, televisão, rádio, computador, Internet, etc. Embora exista muita desigualdade social no mundo, o aumento do padrão de vida médio do ser humano avançou consideravelmente, quando comparado com qualquer período anterior da civilização. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do mundo que vinha crescendo ao longo do século XX, passou de 0,558 em 1980 para 0,682 em 2011, um aumento de 22,2% no espaço de 3 décadas. No mesmo período, houve maior aumento do IDH na Ásia, na África e na América Latina e Caribe, diminuindo as desigualdades regionais e possibilitando um certo processo de convergência no índice de desenvolvimento entre as regiões do mundo.

O grande salto da economia e da população foi possível graças a uma fonte de energia abundante e barata que turbinou o crescimento durante o século XX. O petróleo já era conhecido há muito tempo. Mas a indústria de hidrocarbonetos ganhou impulso quando Edwin Laurentine Drake perfurou o primeiro poço nos Estados Unidos para a procura do petróleo em 1859. A produção de óleo cru nos Estados Unidos ganhou escala quando atingiu dez milhões de barris em 1874.

Com sucessivas descobertas a produção mundial cresceu e o preço caiu. Entre 1950 e 1973 os preços do petróleo estavam extremamente baixos, possibilitando o maior crescimento da economia internacional em todos os tempos. Entre 1973 e 1980 os preços subiram devido à instabilidade política no Oriente Médio. Mas entre 1980 e 2000 os preços voltaram a atingir os seus níveis mais baixos do século. O baixo custo da energia possibilitou o crescimento da industria, das cidades, do transporte e da agricultura. Acompanhando a queda do valor do petróleo, o preço real dos alimentos atingiu o seu nível mais baixo na virada do milênio.

Este fato foi fundamental para o crescimento populacional com melhoria das condições nutricionais. Segundo a FAO, houve um aumento de 25% na disponibilidade diária de energia alimentar per capita (kcal/pessoa-dia) da população mundial entre 1960 e 2010. Em consequência, diminuiram as taxas de mortalidade infantil e materna, gerando um rápido aumento do número de habitantes.

Segundo o físico e economista Robert Ayres, no livro The Economic Growth Engine: How Energy and Work Drive Material Prosperity (2009), 75% do crescimento do PIB mundial no século XX pode ser explicado pelo crescimento do uso da energia fóssil, pois o vetor energia foi fundamental na equação do crescimento económico. Para Ayres, o crescimento populacional e econômico, especialmente depois da Segunda Guerra Mundial, só foi possível devido à disponibilidade de uma energia barata e abundante (exergy efficiency), que gerou empregos, aumentou a oferta de alimentos e viabilizou o transporte de massas.

Portanto, a elevada disponibilidade de combustíveis fósseis e o baixo preço da energia foram essenciais para o crescimento econômico e populacional, com aumento do padrão de vida médio dos habitantes da Terra. A agricultura e a pecuária não teriam atendido a demanda de alimentos sem o uso intensivo do petróleo. As cidades não teriam se espraiado sem a disponibilidade de carros para transportar as populações dos suburbios e o comércio internacional não seria tão globalizado se não fosse o “milagre” da energia fóssil.

Contudo, as novas descobertas de petróleo estão diminuindo e o ritmo de produção está se aproximando do limite possível. O geólogo americano Marion King Hubbert desenvolveu, nos anos de 1950, um modelo matemático mostrando que a produção de óleo bruto tende a crescer de forma exponencial até atingiu um pico e depois iniciar uma queda também de forma exponencial. Ou seja, a produção de petróleo segue o padrão de uma distribuição normal (curva de Gauss ou curva em forma de sino). A questão em aberto não é saber se vai haver fim do crescimento da produção, mas quando será atingido o “Pico do Petróleo” ou “Pico de Hubbert”.

Alguns autores dizem que o começo do pico do petróleo chegou em 2008, quando o preço do petróleo se elevou e só não continuou aumentando por conta da menor demanda ocorrida em função da crise econômica internacional. Por outro lado, o aumento do preço do petróleo viabilizou a exploração de novas reservas (como em águas profundas) e o uso de novas tecnologias que não eram viáveis economicamente quando o preço era baixo. Portanto, o pico do petróleo pode até ser adiado, porém, a um custo crescente. Um relatório de 150 páginas do Citigroup, divulgado em setembro de 2012, prevê que a Arábia Saudita deixará de ser exportadora de petróleo antes de 2030, devido à redução da produção e ao aumento da demanda interna, pois a população saudita passou de 3 milhões de habitantes em 1950, para 27 milhões em 2010 e deve chegar a 39 milhões de habitantes em 2030 (um aumento de 13 vezes em 80 anos). O pico da exportação saudita de petróleo aconteceu em 2011.

A despeito destes alertas, outros autores dizem que, mesmo com o aumento da demanda, ainda falta muito tempo para se chegar ao pico da exploração e que o esgotamento das reservas ainda vai demorar um pouco mais. Por exemplo, a produção mundial de hidrocarbonetos pode aumentar com a utilização dos depósitos de “tar sands” (areias betuminosas) e o gás de xisto (shale). Desta forma, pode ser que o “Pico de Hubbert” seja atingido apenas em 2030 ou 2050. O fato é que em algum momento haverá um choque entre a oferta e a demanda de energia fóssil. Evidentemente, até se atingir o ponto crítico pode haver um grande crescimento das energias limpas (solar, eólica, etc.), mudando a matriz energética baseada nos combustíveis fósseis para a utilização da energia renovável e de baixo carbono. Mas para tanto é preciso grandes investimentos nas fontes de energia não fóssil desde já.

Todavia, quanto mais tempo durar a era do petróleo maior será o impacto negativo sobre o ambiente e maiores serão os efeitos do aquecimento global e das mudanças climáticas. Portanto, se o pico do petróleo e do carvão vier logo, provavelmente haverá o fim do crescimento econômico ou haverá algo parecido com o “estado estacionário”. Mas se a exploração de carvão, petróleo e gás continuar no longo prazo as ameaças virão pelo lado ambiental. Em ambos os cenários deve haver aumento do preço da energia e dos alimentos e uma tendência de aumento do desemprego, pressionando as novas gerações.

Nesta situação, uma continuidade do incremento demográfico pode gerar um desequilíbrio entre a oferta e demanda de trabalho e a oferta e a demanda de bens de subsistência, especialmente em um contexto de escassez de água limpa e potável. A dinâmica da produção de energia é diferente da dinâmica populacional, pois após o “Pico de Hubbert” a produção de petróleo deve cair rapidamente, mas a população deve continuar crescendo mesmo após as taxas de fecundidade atingirem o nível de reposição, devido à inércia demográfica.

Assim, se o pico populacional acontecer depois do pico do petróleo pode haver sérios problemas sociais. Esta disjunção pode ser o maior desafio do século XXI. O desequilíbrio será tanto maior quanto mais cedo acontecer o pico do petróleo e quanto mais tarde acontecer o pico populacional. Todavia, o mundo pode se preparar para uma conjuntura menos traumática se promover a aceleração das transições demográfica (para baixos níveis de fecundidade) e da matriz energética (para baixos níveis de carbono).

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

EcoDebate, 26/09/2012

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