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Reforma do Código Florestal – abre-se a Caixa de Pandora

 

desmatamento

 

A reforma do Código Florestal vai de mal a pior. O que já estava ruim, só fez foi piorar. Assim se pode sintetizar, sem exageros, o processo que envolve a reforma do Código Florestal brasileiro. O texto discutido e aprovado pela Câmara dos Deputados, em abril, significou retrocessos em relação ao texto aprovado pelo Senado, considerado mais equilibrado entre as reivindicações de ambientalistas e ruralistas. Mandado para ser sancionado pela presidente Dilma Rousseff, sofreu vetos parciais em maio passado, com o anúncio da supressão de 12 itens do Código e a edição de uma Medida Provisória (MP) para preencher as lacunas deixadas pelo veto.

Reacendeu-se a esperança de que o novo Código Florestal pudesse ser um pouco melhor. Entretanto, essa sensação se desfez na semana passada (08 de agosto), tão logo a comissão mista que analisa a Medida Provisória do Código Florestal começou a votar as emendas e os destaques.

“Foi a mais desastrosa votação já feita contra rios e águas brasileiras em todos os tempos”, lamenta o senador Jorge Viana. Na avaliação do senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), “do jeito que está, a MP vai ficar dez vezes pior do que o texto aprovado pela Câmara” e que foi vetado pela presidente Dilma Rousseff.

Nos trabalhos da comissão de 08 de agosto, a bancada ruralista simplesmente tratorou. Por 15 a 12, os ruralistas retiraram o status de Área de Preservação Permanente naqueles rios que secam em determinado período do ano, chamados intermitentes. Portanto, só haverá proteção de mata ciliar, e a obrigatoriedade de recompor essa área caso tenha sido desmatada, nos rios cujo leito não seca: os rios perenes. A emenda é de autoria do deputado Geovanni Queiroz (PDT-PA).

De acordo com Viana, a decisão mexe com a situação de 50% dos rios brasileiros. “Os rios intermitentes é que mandam água para os perenes. Sem eles, todas as bacias hidrológicas ficarão comprometidas”, explica. Levantamento do Ministério do Meio Ambiente indica, por exemplo, que 80% dos rios do Piauí são intermitentes e 70%, no Distrito Federal.

A representante da organização ambientalista TNC, Ana Cristina Barros, o dano possível causado pela medida: “Um rio que seca parte do ano, se não tiver protegido, com o tempo, pode não voltar mais. Uma decisão dessas está, no fundo, sacrificando rios, e em última instância, sacrificando o fornecimento de água.”

Para o cientista político Sérgio Abranches, a emenda aprovada na semana passada, não tem nenhuma base técnica. “Qualquer rio pode se tornar intermitente diante da erosão, do desmatamento e da mudança climática. Ela desprotege nesse momento metade dos rios brasileiros, mas tecnicamente desprotege todos os rios brasileiros. Parte desses rios alimentam vários dos rios chamados perenes (que não reduzem inteiramente seu fluxo durante a seca). É uma medida muito ruim, que evidentemente tem que ser bloqueada. Mas é esperado coisa muito pior. Aquilo ali é uma Caixa de Pandora, dali só sai monstro”, disse ele em seu comentário na Rádio CBN.

Entretanto, o rolo compressor não parou por aí. Outra vitória da bancada ruralista foi a flexibilização da regra do pousio, prática de interrupção temporária das atividades agropecuárias para recuperação do solo. A Frente Parlamentar Agropecuária queria a retirada do tempo máximo de 5 anos para a prática do pousio. No texto do relator Luiz Henrique, além do tempo limite, havia a regra do pousio ser utilizado em apenas 25% da área rural. Após discussão entre o deputado Valdir Colatto (PMDB-SC), que queria a suspensão do tempo máximo, e o senador Jorge Viana (PT-AC), que defendeu a manutenção do tempo, argumentando que a retirada da regra traria insegurança jurídica, pois afetaria a noção de áreas abandonadas, o relator fez um acordo: retirou do texto a regra de 25% e, em troca, manteve a regra do prazo máximo de 5 anos. Na prática, uma fazenda poderá ficar 5 anos 100% improdutiva e não estará sujeita a reforma agrária.

Erro político do governo

As coisas chegaram ao lugar em que estão graças à estratégia errada de não se mobilizar para bloquear projeto tão ruim para a sociedade. Sérgio Abranches acredita que “tudo isso deriva de um erro político grave do governo, que deixou o projeto de mudança do Código Florestal prosperar, contra a opinião da comunidade científica inteira, contra a opinião de órgãos técnicos do governo, como a Agência Nacional de Águas (ANA). Um projeto contrário à política ambiental do governo, e que fere a Constituição.”

Abranches afirma que a presidente optou por não se mobilizar ou mobilizar sua base aliada para bloquear um projeto “absolutamente inaceitável”. Assim sendo, ele prosperou e foi aprovado. Segundo ele, provavelmente a estratégia do governo agora será a de fazer com que a Medida Provisória perca seu prazo.

Diante do susto, o governo começou a sair da inércia e agir. A primeira atitude foi adiar a reunião da comissão mista que daria continuidade à votação das emendas e destaques para o dia 28 de agosto. Nisso há um duplo sentido: primeiro, ganhar tempo; segundo, empurrar até que a Medida Provisória perca seu prazo, o que aconteceria no dia 08 de outubro próximo. Além disso, com receio de novas derrotas, a articulação política do governo já estuda substituir integrantes da comissão considerados “rebeldes”.

Tem-se assim, de um lado, a bancada ruralista que veio com força total na defesa de seus interesses, sem absolutamente nenhuma consideração para com a preservação do meio ambiente; e de outro, um governo que não percebeu (ou não quis notar) a articulação da bancada ruralista e que foi pego de surpresa, para dizer o mínimo. E só agora, tardiamente, se dá conta do estrago feito. E que tem suas contradições internas, como revela Sérgio Abranches, na medida em que assume compromissos internacionais e internos díspares.

A análise da Conjuntura da Semana é uma (re)leitura das Notícias do Dia publicadas diariamente no sítio do IHU. A análise é elaborada, em fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT, parceiro estratégico do IHU, com sede em Curitiba-PR, e por Cesar Sanson, professor na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, parceiro do IHU na elaboração das Notícias do Dia.

(Ecodebate, 15/08/2012) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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