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Artigo

Os deletérios impactos da crise nuclear no Japão, artigo de Paulo Marques

 

RESUMO

O artigo aborda o acidente nuclear no Japão em 11 de março de 2011. Em decorrência do terremoto seguido de tsunami, foram danificados três dos seis reatores existentes no complexo Daiichi-Fukushima. Ocorreram explosões, seguidas da liberação de materiais radiativos ao meio ambiente. São mostrados os efeitos danosos nos casos da exposição do homem a radiações.  Comenta-se a existência do principal nó górdio da geração nucleoelétrica, que é a produção do indescartável lixo atômico.

Palavras-chave: Acidente nuclear, Fukushima, Efeitos da radiação, Lixo atômico.


ABSTRACT

This work reports the severe nuclear incident occurred in Japan on March 11, 2011, due a earthquake followed by tsunami, where three of six existing reactors in Daiichi-Fukushima were damaged. The explosions with releasing of radioactive materials to environment have been discussed. It has shown the harmful effects of radiations to the exposed human being. Besides, the existence of the main impediment of the nuclear electric generation represented by production of non-disposable atomic waste has been discussed.

Keywords: Nuclear incident, Fukushima reactors, Radiations effects, Nuclear waste.


 

 

Em sua forma clássica, ao ser bombardeado por nêutrons, o urânio 235 gera como subprodutos de fissão o bário 142 e o criptônio 91, acrescidos da liberação de outros três nêutrons e geração de energia sob forma de calor. E isso pode ser representado pela equação: 235U + n ® 142Ba + 91Kr + 3 n [1,9 x 107 kcal/g 235U]. Os três nêutrons liberados colidem com outros átomos de urânio 235, que acabam por sustentar a chamada reação em cadeia. Nesse processo, há a produção de cerca de 30 produtos primários de fissão, com meias-vidas que variam de 30 segundos (ródio 106) a 30 anos (césio 137).

Dentre eles, além do césio, os mais preocupantes por serem deletérios aos seres vivos são o iodo 131, o próprio bário 140 (12,8 dias) e o estrôncio 90 (28 anos). No caso do iodo radiativo, ele produz nos homens diversos tipos de cânceres dos quais o mais comum é o da tireoide. Além disso, a literatura registra baixa na contagem de plaquetas e com consequentes sangramentos, inflamação e fibrose nos pulmões, sangramento no estômago e intestino delgado, queda de 50% nos glóbulos brancos e alteração na estrutura do DNA (o que é gravíssimo, já que a pessoa irradiada transmitirá informações genéticas erradas à progênie). Para mitigar seu terrível impacto, o que se costuma fazer é indicar a ingestão de iodeto de potássio. Pois, saturado de iodo estável, o corpo humano excreta o iodo radiativo por suor, urina e fezes. O caso do césio é mais complexo, já que, liberado na atmosfera, ele se deposita nas lavouras e contamina por longo período de tempo os vegetais com os quais nos alimentamos. O césio radiativo é potencial formador de câncer nos tecidos nervosos. De igual maneira, as emissões de estrôncio e bário radiativos são danosas, de vez que, ao se alimentar nas pastagens, os mamiferos os ingerem fixando-os no leite que deles consumimos. E isso é de extrema gravidade, pois, por serem metais alcalino-terrosos, eles se fixam nos nossos ossos, constituídos preponderantemente de cálcio. E como os raios atômicos do bário, estrôncio e cálcio são de dimensões próximas umas às outras, muito provavelmente ocorrerão trocas atômicas. E, com isso, a possibilidade da ocorrência de cânceres de ossos em virtude de o estrôncio ou bário radiativos permutarem de lugar com o cálcio. Naturalmente, é oportuno salientar que os maiores impactos incidem sobre as crianças, de vez que elas estão sujeitas às maiores multiplicações (e velocidades) de crescimento e produção das células.

Vale mencionar que o método clássico da descontaminação do césio 137 se dá pelo emprego, como agente quelante, de solução do azul da Prússia (ferrocianeto de ferro, de fórmula estrutural Fe7N18C18), assim chamado por ter sido usado antigamente no tingimento da cor azul nos uniformes militares prussianos. Na verdade, ao quelar, o césio forma-se um precipitado de cor castanha, o que comprova a eficiência do método.

Mesmo assim, as notícias envolvendo os recentes acidentes nucleares no Japão são altamente preocupantes. Se há quase 66 anos a catástrofe atômica para eles proveio do espaço aéreo, pelo lançamento de bombas atômicas por bombardeiros norte-americanos, dessa vez ela teve sua origem no tsunami formado no mar. É relevante mencionar que só no dia 6 de agosto de 1945 Hiroshima foi devastada. E, naquele ato, foram destruídos 13 quilômetros quadrados. O que resultou na morte instantânea de população estimada entre 70 mil e 250 mil pessoas. Contudo, por efeito da radiação residual, morreram até 31 de dezembro daquele mesmo ano outras 80 mil pessoas. E até hoje, os habitantes de Hiroshima e Nagasaki que sobreviveram têm carimbados nas suas cédulas de identidade a inscrição hibakusha (o que na língua nipônica significa “vítima das bombas”).

O que desejamos é que os planos de evacuação das regiões atingidas em território japonês sejam eficazes, evitando, com isso, a reedição da ocorrência de novos hibakushas. Danos ao meio ambiente, contudo, são inevitáveis e inexoráveis. É o oneroso preço da utilização de tecnologia ainda não amadurecida da fissão nuclear, que se mostrou problemática desde os anos 1960 do último século. Afinal, de lá para cá, já ocorreram no mundo todo ao menos sete acidentes nucleares de grandes proporções, envolvendo inúmeros óbitos. É impossível, no entanto, quantificar o número de mortes, já que muitas delas se deram em instalações nucleares secretas. Expediente esse, aliás, amplamente usado pelas nações que se utilizam ou desenvolvem pesquisas nucleares, sempre sob o pérfido e pífio argumento de tratar-se da imperiosa necessidade de presevação do chamado “segredo de Estado”.

Para agravar ainda mais o imbroglio, ao menos uma das unidades do complexo nuclear de Daiichi-Fukushima emprega o MOX como combustível. O MOX, abreviatura de Mixed Oxide (mistura de óxidos), é o combustível no qual um dos constituintes é o plutônio, numa proporção variável entre 3% e 10%.   O plutônio é um elemento químico pesado, inexistente na natureza e que foi criado artificialmente em 1940 como um dos subprodutos do processamento de urânio pelas usinas nucleares. Os principais e mais perigosos isótopos são o plutônio 238 (meia-vida de 88 anos). E o 239 (meia-vida de 24 mil anos. Atenção! você não leu ou entendeu de forma equivocada. São 240 séculos mesmo). Trata-se de uma das substâncias mais radiotóxicas e perigosas das quais se têm notícia. Para isso, basta dizer que a inalação ou ingestão de um milionésimo de grama do plutônio 239 é simplesmente fatal.

Por todos esses dramáticos antecedentes, somos compelidos a postular as mais profundas e sensatas revisões nos projetos de implantação de eventuais (e desnecessárias, ao menos neste momento) novas plantas nucleares no Brasil. Afinal, temos na água das chuvas o fuel (combustível) de custo zero para o país. Além da enorme abundância das fontes renováveis de energia, representadas pela geração solar, biomassas, eólica e maremotriz.

 

O indescartável descarte do lixo atômico

O principal problema da fissão nuclear é a produção de rejeitos radiativos (também chamado lixo atômico), que podem emitir radiações ionizantes por milhares de anos. Como exemplo crucial mencionamos o plutônio 238, cuja meia-vida é de 88 anos. Caso mais dramático ainda é o do plutônio 239, com meia-vida de 240 séculos. Inexiste solução prática e, tampouco, em nivel mundial para o problema. Pois não se pode acelerar o processo do decaimento radioativo de um isótopo senão respeitar o seu tempo de meia-vida. Parte dos rejeitos podem ser reaproveitados como o 239Pu gerado nos reatores. E essa foi a opção adotada pelas autoridades nucleares do Japão de empregar o MOX numa das unidades do complexo de Fukushima.

Tradicionalmente os rejeitos nucleares são classificados em três tipos: (1) HLW (High Level Waste), que é o combustível irradiado pelo núcleo; (2) ILW (Intermediate Level Waste), representado pelo material metálico que entrou em contato com o combustível nuclear ou com o reator; e (3) LLW (Low Level Waste), que engloba as roupas de proteção, equipamentos de laboratório ou algum outro material que tenha tido contato com o material radiativo.

Os rejeitos do tipo ILW e LLW devem ser armazenados em locais fechados e blindados até que a atividade radiativa decaia em nível de baixo impacto ambiental. Já os rejeitos HLW devem ser isolados por milhares de anos. Algumas soluções já foram levantadas por pesquisadores. Até mesmo a possibilidade de enviar o lixo atômico para o espaço sideral. Onde em elevadíssimas altitudes a radiatividade é mais intensa ainda. Essa saída, contudo, esbarra na baixa confiabilidade no lançamento de foguetes. Prova disso é que, por volta de 1985, uma espaçonave tripulada norte-americana da missão Challenger explodiu 30 segundos após o seu lançamento da base de Cabo Canaveral.

Outras soluções sempre temporárias envolvem o sepultamento dos resíduos de alta radiatividade em minas subterrâneas de sal. É o que faz a Alemanha por supor que, como estruturas geológicas antigas e estáveis, as minas salinas desativadas se manterão íntegras por longo período de tempo. Já os Estados Unidos optaram por enterrar os rejeitos em regiões desérticas. Há décadas eles depositam o lixo atômico em túneis construídos no deserto do Arizona. E ainda está em fase de discussões acaloradas e de grandes polêmicas a escolha como local para depósito desse tipo de rejeito em Yucca Mountain (no Estado de Nevada e a 100 km de região habitada).

 

Situação em Angra

Em Angra dos Reis (RJ), que conta com duas centrais nucleares em operação e a terceira planta em fase de construção, os resíduos de baixa radiatividade (na maior parte luvas e equipamentos contaminados) são guardados em contêineres alojados em galpões de concreto construídos em prédio anexo às usinas.

Os de média atividade também ficam em galpões, mas recebem tratamento especial. “Garras” de metal empilham os recipientes que armazenam os líquidos do circuito fechado que passam pelos reatores, em galpões envoltos por concreto. O operador dessas “garras” fica em uma antessala protegida por vidros reforçados por chumbo para evitar contato com a radiação.

Ainda não foi definido, segundo o governo, o destino final do preocupante e sempre perigoso lixo nuclear brasileiro. Porém, as usinas são obrigadas a armazenar o material provisoriamente. Em 2019, esgota-se o espaço nos depósitos intermediários de Angras I e II. Ainda estão em andamento (sempre segundo o poder público) estudos para a construção de um depósito definitivo, onde os rejeitos de baixa e média atividade descansarão até que se tornem menos nocivos. Mas, por enquanto, nada foi decidido. O início do funcionamento de Angra III, previsto para dezembro de 2015, está condicionado à construção de um depósito definitivo.

Já os rejeitos de alta radiatividade, constituídos pelo combustível nuclear após sua utilização, são armazenados em uma “piscina” junto aos reatores. Embora alguns países reutilizem esse tipo de rejeito, as autoridades do Brasil dizem ainda não ter planejado reciclá-lo. O certo é que esse tipo de material deve permanecer com a usina permanentemente e sob cuidado, mesmo depois de ela ser descomissionada (o que no jargão técnico significa ser desativada).

 

 

Paulo Marques é subeditor do Jornal Alquimista e editor do Jornal da História da Ciência. Doutorado pela USP em 1990 e, de 1992 a 1994, foi professor-visitante do IEA-USP, na área de Política Científica e Tecnológica.  @ – pmarx@iq.usp.br

Estudos Avançados
versão impressa ISSN 0103-4014
Estud. av. vol.26 no.74 São Paulo 2012
http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142012000100022

EcoDebate, 16/05/2012

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